Seleção de embriões livres de doenças genéticas antes da implantação no útero oferece a casais gestações mais seguras e crianças saudáveis
A seleção de embriões livres de doenças genéticas é uma prática cada vez mais em evidência no Brasil. A técnica obedece a critérios rígidos e regras restritas estabelecidas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), e somente pode ser realizada para diagnosticar, tratar ou impedir a transmissão de problemas de pais para filhos. Com essa investigação preliminar, a fertilização in vitro torna-se uma alternativa para a geração de bebês mais saudáveis.
A ginecologista Maria Cristina Santoro Biazotti, diretora da Clínica Biazotti, vem se aprofundando na técnica desde 2004, quando foi procurada por um casal portador de fibrose cística. Depois de um dedicado trabalho em equipe para realizar o sonho dos pacientes, veio ao mundo uma criança saudável e sem a doença.
Permitir que o casal se reproduza sem repetir o problema de saúde que carrega é um dos benefícios do estudo genético dos embriões. Segundo Maria Cristina, mais de 200 genes podem ser investigados para deixar os embriões longe de problemas como talassemia (anemia, caracterizada pela produção anômala de hemoglobina, proteína responsável pelo transporte de oxigênio), fibrose cística (caracterizada pela secreção de grande quantidade de muco nos pulmões) e epidermólise bolhosa (manifestada pela presença de bolhas na pele e nas mucosas).
O tratamento é indicado para casais portadores de doença genética ou com enfermidade genética na família que desejam ter filhos. O primeiro passo é fazer uma investigação genética dos futuros pais e, com base no diagnóstico, os embriões são submetidos aos exames necessários. As células que apresentarem o problema genético que circula entre o casal não são transferidas para o útero materno.
Metrópole – O que significa o diagnóstico pré-implantacional?
Maria Cristina Santoro Biazotti – O diagnóstico genético pré-implantacional (Preimplantation Genetic Diagnosis, PGD) consiste em uma biópsia do embrião para retirada de células e análise do seu conteúdo genético. O objetivo é detectar doenças genéticas das quais o embrião seja portador antes de ele ser transferido ao útero da mãe. Para o PGD ser realizado, é necessário que o embrião seja desenvolvido em laboratório, que o casal se submeta à técnica da fertilização in vitro, que consiste na injeção de apenas um espermatozoide no óvulo (Intracitoplamic Sperm Injection, ICSI).
Em que casos o PGD é indicado?
Para casais portadores de doenças genéticas, anomalias cromossômicas e com filhos acometidos por patologias genéticas. Também pode ser aplicado em casais cujas mulheres apresentam histórico de abortamentos recorrentes ou falhas de implantação embrionária – ela engravida, mas a gestação não evolui. Outro grupo é formado por casais em que as mulheres têm idade igual ou superior a 37 anos, considerando que, a partir dessa faixa etária, a chance de gerar crianças com alteração genética aumenta por conta de mudanças na qualidade dos óvulos. Nesses casos, são mantidos os mesmos procedimentos técnicos do PGD, mas o termo utilizado passa a ser PGS (Preimplantation Genetic Screening).
Como é realizado o PGD?
A biópsia é feita com uma abertura na camada que envolve o óvulo, a Zona Pelúcida, e a aspiração das células. O número retirado varia conforme o momento em que se realiza o procedimento, que pode ocorrer do terceiro ao sexto dia de vida embrionária. Após biopsiadas, as células são mantidas em meio adequado para posterior avaliação do material genético e os embriões ficam congelados, aguardando o resultado da análise. Os casais devem ser previamente avaliados para identificar e localizar a alteração genética. O PGD exige uma equipe multidisciplinar experiente e um laboratório de reprodução assistida bem equipado.
Qualquer casal pode selecionar seus embriões?
A técnica de PGD é indicada para casais com risco de transmissão de doença genética para seus filhos. Também pode ser indicado para tipagem do Sistema Antígeno Leucocitário Humano (Human Leucocyte Antigens, HLA), não apenas permitindo que os casais tenham filhos saudáveis e livres de doenças genéticas, mas também propiciando a seleção de progênie doadora normal compatível com irmãos já nascidos e afetados por doença genética, permitindo o transplante de células-tronco provenientes do irmão saudável pós-PGD, com HLA compatível.
Essa seleção é feita apenas para evitar que o bebê tenha traços genéticos com problemas provenientes do pai ou da mãe?
Algumas doenças podem ser curadas com transplante de medula óssea. Então, se o casal já tem um filho com a doença, a técnica permite o nascimento de um bebê saudável compatível com o irmão doente, que poderá ser auxiliado.
E se todos os embriões formados e analisados tiverem traços da doença?
Nesses casos, não haverá transferência para o útero. Para minimizar esse risco, procura-se aumentar o número de embriões a serem biopsiados.
E o que pode ser feito com esses embriões doentes?
Com apoio e incentivo do cientista Alan Trounson, estamos em contato com laboratórios de células-tronco na Califórnia em busca de conhecimento e novas técnicas para converter embriões geneticamente anormais em células-tronco embrionárias e, a partir daí, entender como as doenças se manifestam. Vários pesquisadores no Brasil e nos Estados Unidos estão empenhados em novas descobertas.
Em sua opinião, qual o real benefício do PGD?
Na última década, o PGD tem proporcionado aos casais que apresentam maior risco reprodutivo a possibilidade de uma gestação segura. Até pouco tempo, o diagnóstico dessas patologias só podia ser feito durante o pré-natal e, em muitos casos, dependia de técnicas invasivas, que colocavam em risco a vida do feto. Dessa forma, acredito que o PGD exerça papel de destaque em meio às técnicas de reprodução assistida, visto que seu objetivo principal é proporcionar ao casal não somente a oportunidade de ter filhos, mas de ter filhos saudáveis.
Essas técnicas e seus benefícios estão bem difundidos? Há novidades chegando ao Brasil?
Haverá um congresso internacional em Bonito (MS), em agosto, organizado pela Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida, e um pré-congresso de PGD em que teremos a oportunidade de discutir os avanços dessa técnica com vários especialistas, entre eles Alan Trounson, Joe Simpson e Dagan Wells.