ig - Rodrigo Moraes (CEDOC)
Tenho um discurso cheio de ressalvas quanto ao uso das chamadas “redes sociais”. Costumo repetir, com a ranzinzice de um velho ressentido, que grande parte dos internautas parece sentir-se na obrigação de “comentar” ou de “curtir” qualquer coisa. Tempos atrás, um colega jornalista, que foi cobrir a prisão de um suspeito de latrocínio, queixou-se no Facebook do comportamento selvagem do sujeito, que, mesmo sob custódia policial, tentava acertar chutes nos repórteres e fotógrafos que o cercavam. A indignação do meu colega, que refletia o sentimento geral sobre esse e outros episódios lamentavelmente comuns, era plenamente compreensível: “O que fazer com um cara que mata um pai de família e ainda reage com chutes quando preso?”, questionava, mais ou menos nessas palavras. Uma internauta respondeu, sucintamente: “Tem que matar esse fdp. Beijos”. Não sou eu quem vai censurar alguém por alimentar sentimentos homicidas contra gente capaz de tirar a vida de outro por dinheiro. O problema foram os “beijos” enviados logo após a sugestão da sentença de morte. Como se o que estivesse em discussão (discussão?) fosse algo trivial, mundano. Como se houvesse sido postada a foto enternecedora de uma criança, ou de um gato ou de um coelho, e seguisse-se a reação esperada, de praxe: “Que fofinho(a)! Beijos.”Mas eu tenho um flanco aberto, sabem? Atiro pedras, mas tenho telhado de vidro: virei “comentador” contumaz no YouTube. E faço isso com certa pretensão, porque a maioria dos meus “comments” são em inglês, em acordo com os títulos dos vídeos colocados no ar. De qualquer forma, é uma maneira de treinar a minha escrita e testar minha proficiência no idioma. E não é que me surpreendi com as reações de internautas a esses comentários? Para quem não está familiarizado com o YouTube, funciona assim: uma vez cadastrado no site, lhe é permitido (com raras exceções) tecer considerações sobre um qualquer vídeo postado. Os outros usuários podem aprovar ou desaprovar essas considerações (clicando nos icônicos polegares voltados para cima ou para baixo), e os comentários mais “curtidos” ganham lugar de destaque no topo da página, onde parecem gozar seu triunfo. Costuma-se “premiar” observações espirituosas, criativas e/ou perspicazes, mas também são contempladas palavras mais incisivas. E também existe o recurso de responder diretamente ao autor do comentário, para elogiar, acrescentar algo, tecer ressalvas ou criticar. O primeiro recebe por e-mail uma notificação de que recebeu uma resposta a um “comment”. Por mais de um motivo, me espantei quando isso aconteceu comigo: de início, eu não lembrava de ter feito considerações sobre um vídeo que mostra uma gigantesca escavadeira amarela que faz evoluções diante da câmera. Diante de seu aspecto ameaçador, imaginei o sujeito que filmou, a algumas dezenas de metros de distância daquele trambolho, entrar em pânico no momento em que a escavadeira para de se movimentar por alguns segundos e parece encará-lo, como um nefasto robô do filme "Transformers". “Ele viu a gente! Ele viu a gente!”, escrevi, à guisa de legenda. O internauta que respondeu a esse comentário entrou na brincadeira: “Coooooorraaam!”, escreveu. Pelo jeito, outros usuários também acharam graça no que escrevi: na última vez em que chequei, meu comentário estava no topo da página e marcava 31 “curtidas”. No topo do meu ranking, porém, está um com 33 avaliações positivas (contadas ontem). É um comentário que, a bem da verdade, foge ao tema do vídeo: o pouso, em simulador de voo, de um jato comercial no aeroporto de Kai Tak, em Hong Kong. O título, em inglês, é “os aeroportos mais perigosos do mundo”, o que se justifica pela aproximação da aeronave, que passa desviando de prédios à medida que se dirige à cabeceira da pista. “Aeroportos perigosos” foi a deixa para que eu, no comentário, enumerasse uma série de problemas que afetam os usuários de Congonhas e Cumbica, classificando-os, estes sim, como “os mais perigosos do mundo”. Mas teve gente que não gostou do que escrevi. Pelo menos dois internautas responderam: um deles diz que “isso mostra que eu não viajei o bastante” e me passa um pito, sugerindo que sou um moleque: “acorda, garoto!”. Outro, visivelmente ressentido, afirma de maneira irônica que sou “muito patriota” por “falar mal do Brasil para os americanos (sic)”. Retruquei, perguntando se ele achava que eu deveria ser caçado como um Edward Snowden do hemisfério Sul. Foi provocação, confesso. Mas agora sabem quem eu sou: um Quinta Coluna com nome e endereço.