— Olha — ela chega para a filha de 18 anos — queria te dizer que vou casar.— Hum? — A guria ergue a vista do livro que estava lendo.— Falei, querida, que vou casar...— Casar? — A ninfeta baixa o volume — Que história é essa, mãe? Que papo é esse?— Vou casar, ué!— Mas o papai...— Teu pai, Heleninha — a coroa corta — morreu! Sou, portanto, viúva; ainda com um resto de juventude; tenho, portanto, todo o direito de casar.— O que queria dizer é que você não está dando tempo ao papai...— Tempo de que, filha?— De esfriar na tumba! — A criaturinha se ergue, atirando o livro longe antes de sair da sala.O segundo tempo do papo se deu meia hora depois, a mãe vai pra junto da filha que se encontrava no quintal, desfiando uma folha seca de abacateiro.— Benzinho...— Ora, mãe, francamente...— Meu Deus... Sabe que estou achando isso tudo surrealista, espantoso?— Ah, é?— Claro. Você, uma garota tão moderna, de repente a lançar sobre mim esse baita preconceito.— Bom, sei lá — a menina cede — vai ver que você me pegou de surpresa. Mas já saquei uma solução.— Não há nada a ser solucionado, querida. O casamento de uma viúva não significa nenhuma tragédia.— Eu sei. A solução talvez seja pra mim. Se você realmente casar, vou pular fora.— Como assim, pular fora?— Sairei de casa. Irei morar com uma amiga.— Ah, santa mãe do céu! — Sai o lamento — Você parece que está querendo me desafiar. É isso? Fala, é isso?— Sairei de casa. Tenho uma amiga que mora ali perto do Centro de Convivência; já me convidou várias vezes pra rachar o apê com ela.— Pois muito bem — a mulher se agita — eu e o Waltério vamos casar dentro de cinco dias.— O quê? — A moça dá um salto — Waltério??!!— Exatamente! Vamos casar dentro de cinco dias.— Mas o Waltério, mãe??!! — A indagação, dolorida, sai num berro.— Sim, o Waltério!— Meu Deus — a fulaninha anda de um lado para o outro — meu Deus!— Por que isso, Heleninha Por que esse teatro, esse drama?— Pombas! — A garota estanca — O Waltério é quase da minha idade. Ele poderia ser seu filho, sabia?— Ora, francamente, trata-se de um moço muito bom e está com 25 anos, não é nenhum bebê.— Vinte menos do que você, que está com 45. Depois, diga-me uma coisa: papai aprovaria?— O que?— Esse casamento.— Seu pai morreu, e eu não exercito raciocínios sobre hipóteses exóticas!— O Waltério, o Waltério!... — A guria ergue as mãos para o alto. Súbito, parando, olha fundo nos olhos da mãe. Arfa, num estranho esgar:— Pois muito bem, então pergunte ao Waltério o que havia entre nós.Durante as seguintes 24 horas a mocinha ficou trancada no quarto. Abriu a porta no dia seguinte, após muita insistência da mãe, que vai logo dizendo:— Pois bem, conversei com o Waltério e ele me provou, por A mais B, que nunca houve nada entre vocês.— Exato, não houve, e por isso é que conclui que você vai casar com um cretino.— Do que você está falando?— Ora, eu sempre achei o Waltério um gato, tenho 18 anos, já fui sondada até para ser candidata a Miss Brasil. E o bestalhão preferiu você...Pulou da cama a desceu para a copa. Onde preparou um sanduíche de pepino picado e azeite extra virgem. Em pão integral.