ANDRÉ FERNANDES

Colaborador da verdade: o Papa

13/02/2013 às 05:00.
Atualizado em 26/04/2022 às 04:51

Bento XVI anunciou anteontem sua renúncia ao ministério para o qual fora escolhido em 19 de abril de 2005, num dos mais meteóricos processos eleitorais da história do Vaticano. Um homem com uma história marcada pela vida acadêmica e pela erudição brilhante no saber: domina oito idiomas (inclusive grego antigo e aramaico), é membro de várias academias científicas europeias, conta com muitos doutorados honoríficos de várias universidades e é reputado como um dos maiores pensadores do século XX.

Em suas derradeiras palavras, disse que renunciou em razão de sua idade avançada e por não reunir mais forças para o exercício do cargo, sinal de humildade para uma pessoa com um nível de produção intelectual fora do comum, cujos efeitos ainda serão sentidos por muito tempo no seio da igreja para o qual dedicou sua vida inteira.

Seu curto pontificado foi marcado, do ponto de vista do magistério, pela unidade e pela continuidade: enfrentou, nos documentos pontifícios e nas visitas diplomáticas, questões difíceis como aborto, eutanásia, casamento entre pessoas do mesmo sexo, diálogo inter-religioso, pedidos de perdão institucional, capitalismo financeiro desenfreado, limites da guerra justa, terrorismo islâmico, ordenação de mulheres, moralidade sexual, pesquisas com células-tronco embrionárias, homossexualismo do clero e cumprimento das normas sobre transparência interna.

Nesse último assunto, com direito a um mordomo com uma curiosidade acima da média, mas que, certamente, não foi o culpado pela renúncia...

E, em razão de sua serena, porém, contundente defesa de posições tidas como ortodoxas por boa parte da imprensa naqueles temas, ele foi atacado sem trégua. E sempre respondeu procurando, em primeiro lugar, mostrar as ambiguidades teóricas e as contradições lógicas do pensamento oposto, como que convidando o interlocutor a refletir sobre elas, numa espécie de chamada respeitosa ao diálogo. E, depois, dissecava aos poucos os aspectos implícitos da posição eclesial, a fim de ser melhor compreendida e abraçada por aqueles que estivessem abertos à busca da verdade.

Bento XVI sempre cobrou uma postura coerente dos fiéis católicos. Num de seus primeiros pronunciamentos, no conclave de 2005, disse que, “no mundo moderno, ter uma fé clara, segundo o credo eclesial, é tido como um novo fundamentalismo, ao passo que o relativismo aparece como a única atitude à altura dos tempos atuais. Vai-se constituindo uma ditadura do relativismo que não reconhece nada como definitivo e que usa como critério último apenas o próprio eu e seus desejos. Não é adulta e madura uma fé que segue as ondas da moda e a última novidade”. De fato, um relativismo que se pretende absoluto, não só é uma contradição em termos, mas um verdadeiro convite ao descaminho para a humanidade.

Para os indiferentes ou não-fiéis, foi igualmente coerente: não deixou de ser cristão para ser mais bem aceito pela mídia, não cedeu a tudo que lhe fosse proposto como politicamente correto, não se limitou a proferir discursos sobre o amor evangélico, combateu a ideia de ecumenismo como uma espécie de somatória de todos os equívocos e criticou o materialismo que leva o homem ao pessimismo e ao ceticismo.

Longe de ser uma figura humana estoica e fria, Bento XVI sempre lembrou que, num mundo que glorifica a liberdade como sumo bem, essa mesma liberdade, se desvinculada de uma autêntica busca da verdade, desnatura-se e descamba para um campo fértil para o egoísmo pessoal e coletivo e para o império de desejos e interesses que nem sempre consideram o outro e sua dignidade intrínseca.

Bento XVI também não se entregou aos ventos traiçoeiros da secularização. Sempre demonstrou que a fidelidade à proposta eclesial abre fendas na dureza de muitas mentes e corações, reanimando a nostalgia do transcendente que caracteriza o mundo atual, cansado do materialismo histórico, frustrado com o consumismo capitalista e entediado com o hedonismo reinante.

Bento XVI deixou um legado de coerência pastoral, convicção intelectual e coragem apologética, porque sua mensagem sempre visou o homem moderno, seus desafios e problemas: um ideal que sempre o moveu, desde que era conhecido como cardeal Joseph Ratzinger, no afã de propor um humanismo que respeitasse integralmente nossa condição existencial e transcendental.

“Colaborador da verdade”, foi o lema episcopal de seu brasão papal. Em suma, o maior legado de Bento XVI foi sua incessante busca pela genuína verdade. A única verdade que conduz à autêntica liberdade. Com respeito à divergência, é o que penso.

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