Sessão de Cinema

Cinema com cheiro de mar

 Como está tudo escuro, a impressão é a de que céu coberto de estrelas ficou bem mais próximo. Então, quando as luzes se...

João Nunes
20/11/2014 às 10:48.
Atualizado em 27/04/2022 às 11:08

Cinema com cheiro de mar (João Nunes)

 Como está tudo escuro, a impressão é a de que céu coberto de estrelas ficou bem mais próximo. Então, quando as luzes se acendem, tem-se a exata dimensão do cenário. Uma tela de 12 metros de comprimento exibe o logo da 2ª Mostra de Cinema de Gostoso, que começou na começou quinta-feira (13) e terminou terça-feira (18) em São Miguel do Gostoso (RN).

Um festival em tudo diferente, a começar do espaço de exibição: uma praia, a do Maceió, onde a estrutura para comportar 600 pessoas sentadas está completamente lotada. E há muita gente no entorno; quase 10% da população da cidade de 9 mil habitantes que fica a 110 quilômetros da capital Natal, na ponta Oeste da América do Sul e conhecida como “a esquina do continente”.

Feita a abertura oficial, com palavras de autoridades e patrocinadores, o público começa vendo dois curtas-metragens produzidos por jovens da cidade e de vilas do entorno dela. Não seria novidade caso não houvesse um consistente projeto que alimenta o que há por trás destes dois filmes. Afinal, eles são resultado de um ano inteiro de estudo.

Pelo segundo ano consecutivo, 52 jovens estão aprendendo a fazer cinema. Na primeira edição do evento, no ano passado, eles mostraram um filme; neste, foram dois. A partir do que foi ensinado, eles fazem tudo, do roteiro à direção, atuação etc.

O primeiro, uma ficção, chama-se Entre Lonas, sobre um adolescente que trabalha no mercado e precisa produzir uma redação sobre a diversidade musical na cidade.

O segundo, um documentário, reconta a história de um totem trazido pelos portugueses que comprovaria que os colonizadores chegaram primeiro em São Miguel — e não em Porto Seguro (BA). O marco (como ficou conhecido) virou motivo de devoção e está, hoje, em Natal, mas a população o quer de volta.

A reação mais impressionante entre os espectadores era poder se ver na tela. Os moradores identificavam os lugares e as pessoas presentes nos filmes — percepção que os americanos têm de si desde os primórdios do cinema e que é tão difícil termos do cinema nacional.

Um pouco dessa percepção também foi possível notar no longa A Luneta do Tempo, de Alceu Valença, exibido em seguida, que fala de um tema bem próximo à realidade nordestina, que é o cangaço. O público riu e se divertiu muito.

Projeto

O diretor do festival, o cineasta paulistano Eugênio Pupo, diz que já é possível detectar possíveis talentos entre os jovens de São Miguel, gente que poderá fazer do cinema seu modo de vida.

Mas antes de tudo, afirma, o foco está na formação de cidadãos, pessoas capazes de exercer qualquer outra profissão tendo o cinema como formação básica. E isso já acontece. Alguns alunos que saíram do projeto o fizeram porque se encaminharam pessoal e profissionalmente.

Eugênio conta que tudo começou em 2000 quando veio a São Miguel como turista, passou a frequentar a cidade assiduamente e, em 2005, começou a perceber mudança no lugar.

Houve encarecimento de terrenos e chegada de estrangeiros turistas e esportistas (de surfe e windsurfe) e a população sentiu influência dessa mudança. Então o cineasta decidiu fazer um documentário (São Miguel do Gostoso - O Filme).

A exibição ao ar livre encantou os moradores, mas também chocou. Um dos personagens, um jovem esportista, tinha sido preso traficando drogas para estrangeiros. Pupo diz que era comum encontrar jovens totalmente desocupados na cidade e sem perspectivas. Então nasceu o projeto.

Nestes dois anos, o cineasta bancou parte dos custos — que ele chama de investimento — e teve apoio da ONG Coletivo de Direitos Humanos, Ecologia, Cultura e Cidadania e prefeitura municipal. O restante vem do BNDES e da Cosern, empresa de energia do estado. Mas afirma que a partir da quarta edição, a mostra terá de ser toda incentivada e ele quer que os jovens assumam responsabilidades maiores na organização.

Ele acredita também que poderá internacionalizar o evento. A menor distância entre Brasil e África está em São Miguel. E, de Natal a Lisboa, são pouco mais de cinco horas. O projeto dele é ter um festival com produções de Portugal e países africanos de língua portuguesa.

Não é por acaso que Eugênio Pupo aposta no crescimento do projeto. A exibição de filmes na praia a céu aberto e o envolvimento da cidade com a Mostra expande a ideia que se tem de cinema como magia. Em São Miguel do Gostoso cinema tem cheiro do mar, um vento que sopra o tempo inteiro e encantamento.

* O jornalista viajou a convite do festival

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