Moda é ponto de partida para aprender sobre os processos químicos e refletir sobre o uso consciente dos recursos naturais
O professor Heldis Silveira Santos com material usado nas aulas de ciência para as turmas do 7º ano ( Carlos Sousa Ramos/AAN)
Camisetas, lantejoulas, pigmentos naturais e um desfile de moda. A descrição sugere um ateliê de costura, mas, na verdade, é parte das aulas de ciências do 7 ano do Colégio Liceu Nossa Senhora Auxiliadora, em Campinas. O professor Heldis Silveira Santos usa a moda para ensinar processos químicos, preservação ambiental e sustentabilidade.O projeto, nomeado de Ecodesfile, começa com uma discussão retirada das páginas do livro didático: a necessidade de uso consciente dos produtos industrializados que poluem rios, como é o caso dos tecidos, grandes poluidores em razão do alto número de produtos químicos utilizados para o tingimento. “Nesse momento, inicio uma discussão com os alunos que envolve o mercado da moda e, ao mesmo tempo, a necessidade de pensar alternativas sustentáveis”, conta o professor. A contextualização envolve também o risco de escassez de água potável.Recuperando a história da moda e da indústria, o professor conta que, até o final do século 19, a cor dos tecidos era dada exclusivamente por meio de corantes naturais extraídos de plantas. Depois dessa abordagem, o professor solicita aos alunos que tragam para as aulas camisetas de algodão que possam ser tingidas. Além disso, cada estudante deve descobrir elementos naturais que possam gerar corantes, como sementes, frutas e folhas.Dessa contextualização, faz parte também a reflexão sobre o uso consciente de qualquer recurso, já que o pau-brasil foi quase extinto das matas do País por causa da sua extração desregrada para ser usado como madeira nobre e corante no início da colonização.No laboratório, os processos de separação dos pigmentos e de fixação das cores nos tecidos são detalhados. Depois, é a vez de cada aluno tingir sua própria camiseta. “Como o objetivo é mostrar que é possível conseguir uma grande diversidade de modelos e detalhes, também solicito aos alunos que busquem alternativas para estamparias”, reforça o educador. Assim, eles descobrem, por exemplo, que se, no processo de tingimento, fizerem dobras ou amarras nos tecidos, surgirão estampas personalizadas e exclusivas.Para demonstrar que o processo poderia ser usado em escala comercial, os alunos passam a fazer testes de durabilidade com as roupas. Assim, com um pedaço de tecido, avaliam a firmeza das cores diante dos processos de lavagem e secagem, além do tipo de produto que poderia ser utilizado sem agredir as cores. Essa etapa termina com a elaboração de uma etiqueta, nos moldes da indústria da moda, contendo informações sobre como conservar as peças. InterdisciplinaridadeQuando terminam as atividades com o professor de ciências, começa a contribuição das aulas de artes. O projeto é desenvolvido há quatro anos e, a cada edição, uma temática ligada à influência da arte na moda é escolhida para ser agregada ao projeto. Usando materiais diversos, como lantejoulas e botões, os alunos customizam as peças que tingiram para adequá-las à história que pretendem contar no desfile. “Ao relacionar a moda com a história de uma manifestação artística, como o cinema ou a música, os alunos passam a perceber as inter-relações e, principalmente, veem que as disciplinas podem ser estudadas em conjunto”, afirma Santos.Com a ajuda dos professores de língua portuguesa, os alunos produzem os textos que descrevem o processo de produção das peças e serão lidos durante o desfile, além de produzirem o roteiro da apresentação. Assim, no ano passado, quem foi à escola durante a mostra, aberta ao público, pôde conhecer a história da influência da música na moda nos últimos 60 anos. Neste ano, no evento marcado para 2 de outubro, será contado como o vestuário foi influenciado pelo cinema desde a década de 1950.Com toda a proposta do desfile pronto, é hora de pensar a produção do cenário e da iluminação do desfile, vestir as roupas customizadas, treinar a postura corporal e as técnicas de passarela e esperar para lançarem moda e hábitos sustentáveis. “Além de aprenderem o conteúdo, consigo perceber uma mudança de hábitos, uma preocupação cada vez mais frequente com a sustentabilidade e o meio ambiente. Isso já faz parte da rotina dos alunos. Eles percebem que esse é um assunto que está o tempo todo ao redor deles. Além disso, aprendem que é possível reaproveitar peças e evitar o desperdício”, avalia o professor.