PATAGÔNIA

Chile indomável

Quase selvagem, Norte da Patagônia é uma obra de arte natural esculpida com maestria

Mônica Guimarães Pinto/Especial para AAN
turismo@rac.com.br
22/02/2015 às 04:00.
Atualizado em 24/04/2022 às 00:13

Geleira San Valentin, na Laguna San Rafael ( Dominique Torquato/ AAN)

“Se nossas vidas são dominadas pela busca da felicidade, talvez poucas atividades revelem tanto a respeito da dinâmica desse anseio quanto o ato de viajar.” A frase do filósofo suíço Alain de Botton traduz o sentimento que fica para quem tem a chance de conhecer o Norte da Patagônia Chilena. Lá, a felicidade vem em dobro. Além de ser um destino pouco conhecido (e reconhecido), inclusive pelos próprios chilenos, a região tem atrações inesquecíveis, como uma praia em plena cordilheira dos Andes, e cenários paradisíacos, como a geleira da Laguna San Rafael e as Catedrais de Mármore, onde as águas de cor turquesa do Lago General Carrera esculpiram, ao longo de séculos, magníficas formações geológicas. A Patagônia é excitante, compensando a longa jornada que o viajante é obrigado a cumprir até poder apreciá-la. Para chegar até lá, é preciso ir a Santiago e de lá para o aeroporto principal da região que se localiza em Balmaceda, a 100 metros da divisa com a Argentina. Depois, segue-se pela Carretera Austral, a mais mítica estrada do país — comparada pelos chilenos com a Route 66, nos EUA. Construída em 1976 no regime militar do General Augusto Pinochet para unir os povoados daquela região, hoje serve aos turistas de todas as partes do mundo interessados em fazer turismo de aventura ou simplesmente contemplar as paisagens, dignos cartões-postais. As opções de transporte são bike, moto, carro ou vans fretadas. Na região não há ônibus regulares.   Foto: Dominique Torquato /AAN Bosque Muerto Hospedagem e passeiosDepois de duas horas e meia pela Carretera Austral chega-se a Puerto Chacabuco — destino de quem acessa a região a bordo dos navios provenientes de Quellón, na ilha de Chiloé, e Puerto Montt, na região dos Lagos. O porto, o maior da região, abriga ainda o Hotel Loberias Del Sur. Certamente, os navegadores que se aventuraram pelas águas do Pacífico no passado, entre eles o português Fernão de Magalhães, que foi o primeiro europeu, adorariam ter usufruído de seu conforto. Mesmo perto do fim do mundo, o Loberias Del Sur vence os desafios de oferecer toda a comodidade aos seus hóspedes, além de encantar qualquer turista. Construído em madeira, o Loberias Del Sur tem 60 quartos aconchegantes, banheiros com jacuzzi e piscina aquecidas. O restaurante tem vista panorâmica para montanhas verdes, fiordes e picos cobertos de neve. Além de ficar encantado com a paisagem, o hóspede desfruta da melhor cozinha patagônica, comandada pelo chef Jose Rafael Cortes Muñoz.       Durante a semana na qual o Turismo visitou a face Norte da Patagônia, predominaram os dias ensolarados e com vento. As temperaturas ficaram entre 8 e 12 graus. No Verão, demora um pouco para escurecer — por volta das 23h — e amanhece muito cedo — lá pelas 4h —, o que estende bastante o período para se fazer prazerosos passeios. A partir do hotel, por exemplo, é possível conhecer três das melhores atrações da Patagônia Chilena: as Catedrais de Mármore, no Lago General Carrera, o Glacial San Valentin, na Laguna San Rafael e o Parque Aiken del Sur. Mármore esculpidoNo caminho para o Lago General Carrera, o maior do Chile, as montanhas dão espaço para os pampas verdejantes e às margens da estrada surgem lupinus (flores roxas) e chicórias (flores amarelas). A primeira parada é no mirador Cuesta Del Diablo para admirar o pico mais belo da região, o Cerro Castillo. Em seguida, os olhos dos apaixonados pela natureza se encantam com o Rio Ibañez e um lago de coloração verde esmeralda devido ao elevado teor de magnésio. Depois da cidade de Coyhaique, a maior da região, o asfalto acaba e o caminho é feito em pista de terra. Ao longo do caminho, a fauna, flora e geografia se revelam. Do mirador do Bosque Muerto, é possível contemplar um grupo de árvores queimadas pela ação, há alguns anos, do vulcão Hudson.   Foto: Dominique Torquato/ AAN Catedral de Mármore   Ao final, após cinco horas de viagem, o visual compensa. Descobre-se que é a beleza da natureza selvagem que atrai visitantes anônimos e também famosos como Brad Pitt, Julia Roberts e Jennifer Lopez. Com uma extensão de 978 quilômetros quadrados de superfície e 200 quilômetros de comprimento, as águas de cor turquesa do Lago Carrera, sempre são ondeadas pelo vento, que neste local não para de soprar. A van faz uma parada em um ancoradouro em Porto Rio Tranquilo, local onde são oferecidos passeios de barco até as fantásticas Catedrais de Mármore. Essas paredes, como explica o barqueiro Matias Cumian, compõem a caverna submersa, com um mesclado de cinza, azul até o rosa. “São três: Capela (La Capilla), Catedral (El Catedral) e Caverna (La Cueva). O grupo de formações de carbonato de cálcio surgiu através da ação de ondas ao longo dos últimos 6 mil anos, durante a era glacial”, explica Mathias. As embarcações entram por um lado e saem pelo outro. Nos túneis, o mármore das paredes projeta imagens deslumbrantes na água transparente do lago, refletindo a luz que se filtra desde a entrada. “As paredes de mármore em contraste com o azul do lago desenham uma paisagem única. Os brasileiros adoram”, comenta o barqueiro. O Lago General Carrera desemboca no Lago Bertrand, onde se origina o famoso Rio Baker, ideal para realizar pesca com mosca e rafting. Segundo o guia Jaime Borquez, a Patagônia Norte possui 4,8 mil rios, mais de dois mil lagos e lagoas, 1,2 mil ilhas e 28 glaciares. Jaime morou em Campinas e foi integrante do Grupo Água, que cantou com Milton Nascimento nos Anos 70. Simpático e encantador, o chileno sabe de cor as músicas de Chico Buarque, Vinícius de Moraes, Tom Jobim, o que o faz comandar, com maestria, a cantoria dos brasileiros no restaurante Comida Al Paso Pía, excelente opção para quem visita as Catedrais de Mármore. A Patagônia reserva uma surpresa: o Glaciar San Valentin, na Laguna San Rafael, declarado reserva da biosfera pela Unesco em 1979. O passeio começa em Puerto Chacabuco, navegando pelos fiordes e canais da região de Aysén no catamarã Chaitén. Na maior parte do trajeto, cerca de 200 quilômetros, as águas são calmas e salpicadas por pequenas ilhas e lobos marinhos. Café da manhã, almoço e lanche são servidos no barco. O menu oferece salmões e vinhos chilenos. O guia fala inglês e espanhol, apesar disso, de vez em quando, traduz as informações para o português. Durante a viagem, o guia explica que a cordilheira possui fendas de gelo. Segundo ele, são as fendas a garantia de vida dos glaciares que circundam as montanhas.   Foto: Dominique Torquato/ AAN Carretera Austral   Depois de cinco horas, surge o paredão de gelo. A primeira visão do Glaciar San Valentin provoca euforia, beijos, abraços, risos, entre companheiros de viagem. Depois, a maioria dos passageiros fica em silêncio para contemplar o pedaço de gelo azul que tem mais de 60 metros de altura. Vez ou outra, o silêncio é interrompido pelo barulho de parte do gelo que se desprende do bloco. Os pedaços caem violentamente sobre a água e ficam boiando por um bom tempo. Quem preferir, pode vestir um colete salva-vidas, entrar nos botes e chegar bem perto da geleira. O espetáculo é impressionante. Na volta ao porto, o desfecho da aventura é comemorado com uma festa animada por DJs chilenos, capazes de esquentar o ambiente, apesar da temperatura de cinco graus centígrados do lado de fora da embarcação. Muitos turistas brindam com bom uísque on the rocks, usando como complemento o gelo formado há milhares de anos. Parque Aiken del SurSe você está caminhando contra o vento, sem lenço e sem documento, por que não percorrer uma das trilhas do Parque Aiken del Sur?. O passeio pela reserva natural pode ser agradável até para aqueles que não acham a caminhada uma atividade tão interessante. É que o guia Michelangelo Fuentes apresenta a rica biodiversidade da região e conta boas histórias durante os dois quilômetros de percurso. Mostra, por exemplo, a Maqui — uma planta que está sendo considerada o novo tesouro da natureza do Chile. Recentemente, descobriu-se que o fruto, o Berri, tem a maior concentração de antioxidantes que existe. Outra planta curiosa é a Colihue. Ela é muito parecida com o bambu e demora 60 anos para produzir flores. Após florescer e produzir sementes, a planta morre. A enorme quantidade de sementes produz um fenômeno chamado ratonada. “É a proliferação da população de roedores”, explica Fuentes. “Mas, o fenômeno está cada vez mais raro”, acrescenta. Além de plantas e árvores nativas, a trilha passa por uma cachoeira de águas cristalinas. Na volta da que escolhemos (cerca de três quilômetros) para repor as calorias, cozinheiros esperaram no quincho (uma espécie de quiosque), com um jantar especial. O menu principal é o carneiro assado inteiro na brasa no chão, temperado no sal e ervas.   Foto: Dominique Torquato /AAN Cerro Castillo Puerto AysénA sugestão do Turismo é a de que o passeio comece por Puerto Aysén, pequeno vilarejo de casas e ruazinhas. O povoado tem 23 mil habitantes e vida pacata às margens da segunda maior ponte pênsil do Chile, a Carlos Ibañez Del Campo. São casas simples de madeira, enfeitadas por rosas coloridas, sustentadas por roseiras de três metros de altura. A única coisa a destoar da tranquilidade são os avisos de tsunami, que se multiplicam pela avenida principal, a Sargento Aldea. Em 2007, um terremoto em Aysén gerou um tsunami que causou mortes e desaparecimentos de pessoas arrastadas por ondas de até seis metros de altura. O guia dá instruções rápidas para os turistas. A preocupação com a possibilidade do fenômeno voltar a ocorrer é tão grande, que as crianças recebem, com freqüência, orientações nas escolas. Na mesma avenida, as cerejas, conhecidas como coração de paloma, produzidas em Chile Chico, próximo de Aysén, e as uvas, chamam atenção nas vitrines das mercearias. Na quitanda de Erica Alícia, o quilo da uva custa 1,8 mil pesos, cerca de R$ 8,00. O bar e restaurante Punto Com, na mesma avenida, oferece a chorrilhana: porção de batatas fritas, coberta por cebolas na chapa, misturada em ovos mexidos, sobre a qual se joga lascas de carne frita. Muito saborosa. Para acompanhar o petisco preferido dos moradores da cidade, não deixe de saborear o chope da Patagônia. A jarra com dois litros do artesanal D’olbek custa 6,6 mil pesos cerca de R$ 30,00. No final da avenida Sargento Aldea, a dona da loja de artesanato, Mireya Guarategua, uma legítima índia mapuche, confecciona gorros com lãs de carneiro e acrílica. Com uma boa negociação, cada um sai por 5 mil pesos, cerca de R$ 23,00.   Foto: Dominique Torquato/ AAN Praia Acantillada Praia nos AndesPertinho de Puerto Aysén, depois de atravessar o Rio Los Palos, surge a praia da Baia Acantilada. Sentado na beira da praia olhando as ondas do mar, o morador de Aysén Jorge Peña fica maravilhado com tudo que observa. Jorge trabalha na mina de ouro e convidou sua família, residente em Santiago, para conhecer as belezas da Patagônia. Vieram Rodrigo Andrés Peña, Paulina Alejandra Vega e o pequeno Martin Hernan Peña. “É um surpresa preciosa! É impressionante o glaciar no pico e nós aqui sentados na praia. Nos sentimos são pequenos frente a natureza”, diz Rodrigo. Canal DarwinO naturalista inglês Charles Darwin, que dá nome ao principal canal, conheceu a região no século 19. A bordo do Chaitén, catamarã mais rápido do Sul do Chile, que atinge 50 quilômetros por hora, a reportagem participou da primeira expedição experimental de Aysén, comandada pelos pesquisadores Anabela Reis e Jorge Aceyedo. “Há pouca informação científica. Queremos saber quais são as espécies de baleias, delfins e outros cetáceos que habitam aqui. De onde vem e para onde vão”, disse Anabela. A pesquisa é financiada pelo governo de Aysén e o prefeito também participou da travessia pelos canais e fiordes patagônicos. Passageiros da expedição, o casal Andrea Prando, de Santa Barbara D’Oeste, e o chileno Hector Lorca, se conheceram no Brasil e moram no estado do Kansas, nos EUA. Hector passou a infância nessa região e lembra que antigamente, mesmo no Verão, o clima era muito hostil. “Amo a Patagônia é o lugar mais lindo do mundo”, diz Andrea, enquanto surge ao fundo o Vulcão Macá, coberto de gelo, e em seguida, a colônia de lobos marinhos. Mas, como lá é a natureza quem manda, não tivemos a sorte de avistar nenhuma baleia.     Foto: Dominique Torquato/ AAN Hotel Loberias del Sur As jornalistas viajaram a convite do Hotel Loberias Del Sur

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