CAMPINAS

Centro sofre invasão de moradores de rua

Presença de andarilhos degrada cidade, constrange comerciantes e é obstáculo a governos

Rogério Verzignasse
08/08/2013 às 05:03.
Atualizado em 25/04/2022 às 06:12
Evelyn Cristina usa chupeta por saudades dos filhos, que estão longe ( Dominique Torquato/AAN)

Evelyn Cristina usa chupeta por saudades dos filhos, que estão longe ( Dominique Torquato/AAN)

Já são quase 10h. E o movimento no Centro é frenético: trânsito confuso, pedestres apressados. Mas aqueles rapazes e moças continuam ali, entorpecidos, esparramados pelo chão. Quem acordou se ajeita em rodinhas pelos cantos. As frases são desconexas. E os olhos vermelhos denunciam o uso do álcool e das drogas. O cenário agressivo é notado todos os dias, ao redor da Catedral Metropolitana. E Campinas parece cada dia mais longe de resolver a situação. Pelas estimativas do poder público, cerca de 600 pessoas moram nas ruas. E o número cresce sem parar.O drama social desafia a Administração. Entra prefeito e sai prefeito, os técnicos da Secretaria de Assistência Social se desdobram em projetos que tentam resgatar aquela gente. Há abordagens individuais, encaminhamento a centros de atenção psicossocial, socorro de agentes médicos. Também existe na cidade um serviço reconhecido de atendimento e acolhimento a mendicantes (hoje instalado perto da antiga Estação Rodoviária), que oferece comida e abrigo passageiro.Mas o empenho esbarra em um obstáculo que parece intransponível: a maior parte deles não quer ajuda. Para muitos, o crack e a pinga fazem esquecer o passado. Ali, nos cobertores encardidos, a turma também carrega histórias doloridas de fome, desemprego, abandono, violência doméstica, frustrações. Cada um tem uma história. E alguns até deliram. Falam de viagens, profissões, conquistas, compras. Episódios que, de fato, nunca aconteceram.A reação do público que passa pelo calçadão é diversa. Para muita gente, os moradores de rua são pessoas desprezíveis, viciadas, que se deleitam nas drogas e simplesmente não querem trabalhar. Para muitos comerciantes revoltados, a avaliação é um tanto simplista: o mendigo na soleira da loja afasta clientes e significa prejuízo.Entre os cidadãos que circulam na praça, há os que se divertem com os devaneios mirabolantes, ditos por um embriagado ou outro. Também há os que sentem pena: se aproximam, dão conselhos, oferecem ajuda. A reação dos moradores de rua, no entanto, invariavelmente é a mesma. Ninguém se emociona com caridade. E quase ninguém faz planos para sair da rua, voltar para casa, levar uma vida saudável. O mundo ao redor não interessa.Relatos no papelAli pela Praça Rui Barbosa, por exemplo, vive Cláudio Luíz Febbo, um senhor de barba grisalha, de 53 anos de idade. “Carioca”, como é conhecido, deixou a cidade fluminense de Magé e se mudou para Campinas adolescente. Ainda jovem, meteu a cara no mundo e diz ter trabalhado como pedreiro e agricultor nos Estados Unidos e na Irlanda. De volta, ele se casou e teve dois filhos. Mas, separado da esposa (e escravizado pelo vício) ele deixou o trabalho e transformou o Calçadão no próprio lar.O curioso é que o senhor, de próprio punho, já encheu as páginas de um caderno inteiro, com relatos que ouve dos outros moradores de rua. Uns falam de Deus, outros contam como era o trabalho na roça, outros contam que sofreram agressões da polícia e foram desrespeitados na rua. O “livro” teve início, mas não vai ter fim. “Todo mundo quer soltar a voz. Falar desse mundo injusto, sem amor. São relatos de verdade, de quem perdeu a esperança”, reflete. Filhos espalhadosTambém é tocante a história de Evelyn Cristina, uma moça linda (de olhos claros e dentes branquinhos). Ela tem só 21 anos, mas há sete anos mora na rua. Morava na Vila Padre Anchieta, quando ela diz ter sido “tocada de casa” por ter engravidado do namorado. Na calçada e sob as pontes, ela conheceu diversos homens. Teve outros quatro filhos (dois deles são gêmeos). As crianças foram acolhidas por parentes. E a moça tem direito de vê-las de vez em quando. Mas ela não pensa em voltar para casa.Evelyn acha que não tem perdão da mãe, nem da avó. E ela não perdoa os parentes que o mandaram para a rua. A moça se acostumou a viver com frio e fome. Enfrentou agressões físicas de monte. Começou a vender pedras de crack para ganhar dinheiro. Foi presa três vezes. Largou o tráfico de vez, mas se entregou ao vício. Tem olhos esbugalhados, a voz pastosa. E — pasmem — dorme chupando uma chupeta. Porque não consegue parar de pensar nos filhos.

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