Antes, deixe-me exalar a satisfação que sinto, depois de tantos anos sem vê-la dado que está sempre a excursionar pelo mundo, em retomar este contato. Na semana passada vi sua foto em um jornal de São Paulo e percebi que o passar do tempo só tem aperfeiçoado sua beleza. Como gosto de me derramar, pois sou figura d’antanho, permito-me, mais uma vez, render vassalagem à sua formosura, seu encanto, seu talento e seu charme. Mas, querida, a razão desta carta é também fazer breve navegação em torno do mundo dos sons. Explico melhor: desejo, aqui e agora, contar-lhe uma história que nunca contei. Quem sabe sendo lido por alguém que tenha poder na Campinas de hoje, entre eles nossa bonita Primeira Dama, dna. Sandra, também musicista, e o secretário Carrasco, possa estar ajudando na busca e aprimoramento de jovens talentos musicais neste chão de Carlos Gomes. Nossa, minha e sua, terra adotiva.
Primeiro, narro o caso a que me refiro acima: faz alguns (quase) muitos anos um músico da Sinfônica do belíssimo Teatro da Paz, em Belém do Pará, precisou ir a um bairro da periferia. Ali, absolutamente por acaso, ouviu som de violoncelo que vinha duma casa muito pobre. Então, admirado, bisbilhotou pela janela aberta para a rua. Assim viu um adolescente a executar o difícil instrumento, presente que ganhara de um Mecenas. Foi a semente. Entusiasmado, o músico não só levou o rapazinho para a Sinfônica da qual era membro como procurou, em vários subúrbios, outros garotos pobres com pendores musicais. Desta forma nasceu afinada Orquestra de Violoncelos. Que, estando a ensaiar certa tarde no Teatro, acabou ouvida por uma equipe da BBC de Londres que se encontrava na Amazônia a trabalho. Encantados, os gringos levaram o conjunto para apresentações na capital britânica, e, a seguir, outros países da Europa. Dois dos músicos brasileiros ficaram por lá. Vários anos depois assisti apresentação de um deles, o inicial, do casebre, em Roma. Do outro no Teatro Nacional de Bucareste (às margens do rio Dâmbovita), conhecida como “A Paris do Leste”.
Pois bem, caríssima, conto-lhe isso porque aqui em nossa cidade, no segundo governo do doutor Francisco Amaral, quando você estava morando em Bruxelas, nasceu, por inciativa do então secretário de Cultura, doutor João Plutarco Rodrigues Lima, uma Orquestra Sinfônica Infanto-Juvenil. Confesso-lhe que poucas vezes vi de perto oportunidade tão importante para alimentar o brotar e incentivar talentos musicais neste berço do compositor de O Guarani. A iniciativa, por razões que desconheço, durou pouco. Mas, tanto tempo passado, ainda recordo rara apresentação da rapaziada, anos 90, no atualmente interditado Teatro Interno do Centro de Convivência Cultural. Guardo, até hoje, o cartaz do espetáculo, regido pelo maestro Jean Reis. No repertório, peças que iam de Beethoven a Ary Barroso.
Sei que você talvez concorde comigo que administrações recém-empossadas preferem implementar suas próprias ideias, ainda mais numa área sensível como é a Cultura. Em todo caso permaneço com a pretensão de que os colaboradores do doutor Jonas Donizette leiam esta crônica e percam algum eventual receio de retomar a bela ideia do ex-secretário Plutarco, aliás ele mesmo excelente saxofonista, para catar talentos musicais. Como a palavra Sinfônica pode assustar, e já temos uma, oficial, parece-me que criar Conjunto de Câmara de iniciantes seria perfeito. Afinal, tais grupos são formados por até 10 pessoas, instrumentistas e vozes. Imagino que patrocínio para tal tipo de enriquecimento cultural não seria difícil. E tempo para adubar a iniciativa há. Afinal o doutor Donizette tem ainda quase quatro anos pela frente. E, quem sabe, mais quatro se, diante de administração profícua como acredito que será a de S. Excia., assim quiser o povo campineiro. De resto, se isso que lhe conto ficar apenas entre nós, o mundo seguirá seu curso. E os talentos, quando verdadeiros, de uma forma ou de outra, emergem. Porém, no fundo, a grande verdade é que não consigo esquecer o sucesso dos meninos de Belém... E amaria que o mesmo acontecesse aqui. Beijo-lhe as mãos, querida. E como você e eu somos campineiros adotados espero que possa ter a satisfação de ficar sabendo, nas Europas da vida onde circula, que jovens músicos locais estão a caminho de chegar aonde você chegou. Tenha, ao longo da vida, sempre, bons e belos dias.