Mochileiros se jogam literalmente, sem medo, no sonho de conhecer o mundo
Daniel rompeu com a vida que levava em São Paulo para viver a experiência de novos horizontes sem rotina (Divulgação)
Um dia, Daniel estava andando por São Paulo com vários problemas na cabeça quando passou em frente da rodoviária e decidiu entrar. Sem pensar, comprou uma passagem para Bolívia. Em dez horas, após ter andado de ônibus, barco e caminhado, estava em outro país. Lucilene desejava desbravar o mundo. A oportunidade surgiu em uma viagem de férias para Natal. Ela estava na casa de um amigo, mas decidiu ir sozinha para Fernando de Noronha onde conheceu alguns mochileiros estrangeiros e decidiu que queria ser como eles. Aos 16 anos, Mauro foi vender livros em Foz do Iguaçú onde aprendeu a se virar sozinho e encontrou coragem para enfrentar o desconhecido. Três vidas, três destinos diferentes. Histórias que se cruzam num mesmo sonho: o de conhecer o mundo.Mauro, de 24 anos, resume em uma frase o sentimento compartilhado por todos eles, aventureiros dispostos a vencer todas as adversidades e obstáculos em nome desse desejo maior de viver outras experiências. "Viagem é uma das únicas coisas nesta vida que você paga e volta mais rico. È impossível sair de uma viagem e voltar a mesma pessoa".Aos 30 anos, Daniel Graziane reconhece que sempre teve uma vida "muito louca". Saiu do colégio e começou a trabalhar na BM&F (Bolsa de Mercadorias e Futuros). Ficou no local por oito anos. Nesse período, se formou em geografia e foi fazer um curso de economia, mas abandonou no segundo ano para estudar teatro e dramaturgia.Durante todo o tempo de experiência no mercado financeiro, ele diz que também era viciado em surf. Por esse motivo viajava todos os finais de semana, muitas vezes, sem dinheiro. Nestas viagens, ficava em barracas, partilhava um miolo de pão com amigos e contava as moedas para a cerveja. Porém, após o início do curso de dramaturgia, ele deixou de lado as viagens porque precisava ficar em São Paulo (Capital), que era a cidade onde as coisas aconteciam nos palcos, geralmente, nos fins de semana. Daniel se formou como ator e atuou com grandes diretores, como os consagrados Ulisses Cruz e Antonio Abujamra, mas sua paixão sempre foi pela dramaturgia e escrita. DESENCADEAR DA CRISEAntes de viajar para Europa (onde está há quase oito meses), ficou sete meses na Amazônia buscando um "processo criativo". Ele conta que viajou com o objetivo de se distanciar de São Paulo e escrever um livro de contos sobre personagens que vivem em grandes metrópoles. Na Amazônia, morou numa fazenda (o que já era um choque para os padrões que vinha tendo até então). "Morar lá me despertou uma crise e isso desencadeou uma série de questões sobre a vida e o modo como estamos conduzindo o mundo que nos cerca. Me parece impossível passar ileso pela selva", justificou.No meio dessa crise, Daniel conversou com muita gente buscando organizar suas idéias. Mas ele admite que tem horas que é preciso simplesmente sair e lidar sozinho com muitas questões. Com isso, foi parar na Bolívia. "Sair para um lugar estranho e não ter muito chão me fez muito bem. Nessa viagem acendeu uma chama em mim, mas foram apenas cinco dias. Depois disso, quando estava bem confuso em relação aos próximos passos que deveria tomar um amigo ator me convidou para ir a Londres".Daniel lembra que esse amigo estava fazendo uma pesquisa com o diretor Ulisses Cruz e com a atriz Cássia Kiss para a montagem de uma peca e pediu sua ajuda nesse processo. Foi então, que ele rumou para Londres. Nesse tempo (15 dias) foram juntos a museus, teatros, exposições e parques. Após a pesquisa, todos voltaram ao país, menos ele. Momento da decisãoDepois de achar que já estava habituado a Londres, Daniel achou que era hora de se mover. Ficou dias pesquisando o que fazer e quando não tinha quase nenhum dinheiro digitou num site de pesquisas a frase "como viajar sem dinheiro". Nessa busca achou dezenas de sites, blogs e páginas sobre o assunto. Havia sites de carona, de hospedagem gratuita, de trabalho voluntário e outras formas de se viver na estrada sem gastar muito. Daniel leu matérias sobre pessoas que estão viajando há anos sem gastar quase nada, e também de outras que decidiram viver sem dinheiro. "Nesse momento eu encontrei o que realmente buscava".Há quase oito meses morando na Europa, Daniel morou em Londres em diferentes lugares; numa fazenda orgânica na Dinamarca; na casa de amigos, na Alemanha; na Polônia (com pessoas que conheceu num site de viajantes); num hostel, na República Tcheca, e até mesmo numa praça na Austria por não ter achado acomodação. Na Itália, ficou na casa de amigos italianos que fez em Londres. Atualmente, ele está hospedado em Londres, na casa de um grande amigo. Diz que é o tempo de redirecionar os próximos passos. "Todos esses meses viajando me deixaram um pouco sem chão e senti que precisava de um lugar onde me sentisse seguro para avaliar os próximos passos". No momento, confessa que está dividido: entre ficar numa fazenda na Suécia e o fato de estrear no próximo dia 28 de agosto uma peça de sua autoria, em São Paulo, chamada "Fogo azul de um minuto", trabalho especial para ele. Durante a viagem, Daniel escreveu um novo texto: "Ordo ab Chaos", sobre os 40 dias que morou na Dinamarca. Além disso, ele tem escrito um diário sobre a viagem, que, inclusive, despertou o interesse de uma empresa de telefonia. Dentre todas as experiências memoráveis de sua trajetória (que ainda não tem data para terminar) ele destaca algumas, como o fato de ter conhecido o jornalista e correspondente da TV Globo, Renato Machado, em Londres, e de ter sido convidado por ele para o almoço de Páscoa. "Quando cheguei ao apartamento dele, éramos apenas eu, ele e sua esposa. Foi a chance de tomar os melhores vinhos da minha vida". Na Alemanha passou uma semana comendo apenas pão, com salame ou sardinha, chá e cerveja. Oportunidade única na vida“Senti que viveria uma experiência radical que poderia confrontar minhas crenças artísticas e espirituais. Era uma oportunidade única de modificar a forma como eu via a vida. Na minha frente estava o inesperado e não podia dizer não a ele", explicou Daniel sobre sua decisão de ficar em Londres. Ele diz ter se sentido completamente perdido e com medo quando o amigo o deixou. "Eu estava sozinho, com pouca grana, sem poder trabalhar legalmente, com um inglês muito fraco e teria que me virar".Em Londres, tinha um amigo morando em Nothing Hill, que o chamou para dividir uma casa pela metade do preço que ele pagaria para viver num hostel (albergue), mas preferiu o caminho mais difícil e foi para um albergue onde pagava mais e dividia um quarto com 12 pessoas. "Isso me levou para um outro mundo. Resolvi viver as experiências mais radicais possíveis". Ele conta que por não falar bem o inglês se sentia deslocado e envergonhado, mas, ao mesmo tempo, sabia que vencendo isso cresceria em outras áreas. Tudo começou a mudar quando um grupo de italianos o "adotou". "Muitos me ajudaram a falar, mas eu já estava intensamente envolvido com o que queria fazer. Londres é maravilhoso para quem como eu ama arte". Começou a ler os jornais distribuídos no metrô, além de ouvir debates e discussões no rádio e ir aos museus também gratuitos. "Poucos sabem, mas existem diversos cursos de inglês grátis na cidade que são voltados a estrangeiros". Durante o tempo que ficou na cidade viajou muito internamente e também nos arredores. Acordava cedo, pegava um ônibus e ia. Foi assim que conheceu a Bélgica, Holanda, Escócia e França. Chegava às cidades sem mapa, apenas com o endereço anotado num papel de onde pernoitaria e viveria uma nova experiência.