FOLIA

Carnaval campineiro expõe modelo amador e esgotado

No primeiro dia de apresentação, o desfile conseguiu reunir cerca de mil pessoas segundo a Polícia Militar - número 20 vezes menor do que o registrado no dia em que a City Banda saiu pelas ruas do Cambuí

Cecília Polycarpo
24/02/2015 às 09:38.
Atualizado em 24/04/2022 às 00:25
Desfile da Escola de Samba Estrela D?Alva, a mais antiga de Campinas, na Avenida Francisco Glicério: sem atrativos, tradição se perde e público se afasta.  (Camila Moreira/ AAN)

Desfile da Escola de Samba Estrela D?Alva, a mais antiga de Campinas, na Avenida Francisco Glicério: sem atrativos, tradição se perde e público se afasta. (Camila Moreira/ AAN)

O desfile pobre das escolas de samba de Campinas reforça mais uma vez o esgotamento desse modelo de festa para o Carnaval da cidade. Fantasias recicladas, alegorias improvisadas e enredos fracos da maioria das agremiações foram reflexo da desorganização e tempo curto para elaboração da apresentação: por demorarem para apresentar notas fiscais do desfile de 2014, e também por conta do pouco dinheiro em caixa da Prefeitura, as escolas receberam a verba praticamente um mês antes do feriado. A situação foi agravada pela escolha às pressas da Avenida Francisco Glicério para a apresentação, local questionado pela Polícia Militar e Ministério Público Estadual (MPE).O amadorismo também é responsável por afastar o público. No primeiro dia de apresentação, o desfile conseguiu reunir cerca de mil pessoas segundo a Polícia Militar — número 20 vezes menor do que o registrado no dia em que a City Banda saiu pelas ruas do Cambuí. Mas enquanto as oito escolas do Grupo Especial receberam R$ 70 mil cada para o Carnaval de 2015, os blocos da cidade tiveram apenas apoio de infraestrutura e segurança para receber os foliões.Sem um desfile atrativo, campineiros seguem a mesma tendência do resto do País: voltaram a celebrar o Carnaval em blocos de rua. Em São Paulo, Rio de Janeiro e até em Salvador a irreverência e a música dispensam cordões de isolamento, camarotes e abadás, e a simplicidade ganha cada vez mais adeptos. Campinas teve 38 blocos espalhados por várias regiões e milhares de foliões optaram pela festa “pé no chão”. Produtor cultural consultado pelo Correio, Lucas Silveira afirmou que a população tem pouca identificação com as escolas de samba da cidade, ao contrário dos blocos, que cativam cada vez mais.“Por não ter tradição em escolas de samba, os campineiros não acompanham. Nem sabem quais são as escolas. Campinas tem muito potencial para criar uma escola de blocos. A cidade tem ótimos músicos e tradição em teatro”, explicou Silveira. Segundo o especialista, o ressurgimento dos blocos casa com os esforços da municipalidade em recuperar e ocupar espaços públicos. A Prefeitura tem investido recursos na reforma de parques e agora se prepara para revitalizar a Avenida Francisco Glicério. “É um movimento para que a população tenha mais carinho pela cidade e qualquer atividade que use a rua de forma saudável tem desdobramentos positivos. Por isso, os blocos ganham importância e deveriam ser estimulados.” Silveira disse que o estímulo também poderia vir por meio de recursos para os blocos, para compra de instrumentos e até materiais para alegorias.O presidente da Liga das Escolas de Samba de Campinas, Edson Jóia, defende o desfile e classificou o espetáculo apresentado na Glicério como “satisfatório” para o tempo que os grupos tiveram para se preparar. O regulamento para o desfile saiu no dia 23 de dezembro. Porém, Jóia admitiu que o atraso para a liberação da verba também tem a ver com a lentidão de diversas escolas para apresentar comprovantes do Carnaval de 2014.“Falta mesmo profissionalismo. Mas estamos pedindo a ajuda da Prefeitura também. Já pedimos um barracão próximo à Estação Cultura, um local para que as escolas possam fazer suas fantasias. Seria uma espécie de fábrica que funcionaria o ano todo”, disse. Jóia argumentou ainda que regras mais duras em relação à prestação de contas das agremiações poderiam ajudar a antecipar a preparação. Ele acredita também que para as escolas fazerem um Carnaval “à altura de Campinas”, o repasse deveria ser de R$ 150 mil a R$ 200 mil por agremiação.   Enquanto isso, nos blocos de rua...   Enquanto os desfiles das escolas de samba tiveram público fraco no último domingo e morno na segunda-feira, os bloquinhos foram a atração do Carnaval de Campinas. A City Banda conseguiu reunir 20 mil pessoas no dia 7 de fevereiro e o Berra Vaca, em Barão de Geraldo, arrastou pelo menos 5 mil foliões na sexta-feira (13). Em Joaquim Egídio e Sousas, a festa de rua teve 6 mil pessoas por dia. Foto: Camila Ferreira/AAN City Banda reuniu 20 mil pessoas no dia 7: blocos ganham importância De natureza independente, os blocos não precisam de muito para saírem às ruas. Muitas vezes os músicos são moradores da mesma região ou amigos de longa data. Os instrumentos são próprios e estandartes e bonecos feitos com a ajuda da comunidade. E para não perderem a autonomia, muitos preferem ter ajuda mínima da Administração. Outros, porém, consideram bem-vindo também o apoio em dinheiro. Membros dos blocos União Altaneira e Cupinzeiro, Alexandre D’Ávila foi responsável por representar os blocos de Barão Geraldo nas reuniões com a Secretaria de Cultura para decidir sobre o Carnaval de 2015. D’Ávila afirmou que o apoio aos blocos melhorou, mas acredita que falta diálogo com outros setores da Prefeitura, como Guarda Municipal e Setec. “Nós tivemos que mandar o trajeto dos blocos diversas vezes, para vários setores diferentes”, contou. Na sexta-feira (13), lojas de Barão foram depredadas e saqueadas. A confusão ocorreu no Centro do distrito, longe do desfile dos blocos na Praça do Coco. D'Ávila afirmou ainda que repasses em dinheiro seriam importantes para blocos que não conseguem organizar eventos durante o ano. Um dos diretores do bloco Nem Sangue, Nem Areia, Paulo Reda também disse que a estrutura oferecida aos grupos melhorou e que a valorização dos blocos pela população é “irreversível”. “As pessoas estão se interessando cada vez mais pelos blocos e menos pelos desfiles. Por isso recursos para comprar instrumentos, alegorias e fantasias só agregariam ao nosso Carnaval”, disse. O bloco pretende se associar à Associação de Bandas Independentes de Campinas (Abic) neste ano para pleitear verba municipal no ano que vem.Estreante na festa campineira em 2015, o bloco Jegue Gérso abriu mão do carro de som da Prefeitura. “Não combinava com o nosso estilo, nossos integrantes querem estar no meio do povo”, disse um dos seus coordenadores, Roberto Gandara. Mas o bloco não dispensaria recursos para comprar instrumentos novos e fantasias. “Seria ótimo uma verba, mesmo que pequena, para incrementar o bloco.”Diretor de Carnaval do City Banda, José de Oliveira disse que o bloco saiu em 2015 mesmo sem a verba de R$ 20 mil da Prefeitura, repassada pela Abic, graças a eventos realizados ao longo do ano. “Se algo assim ocorre com uma escola de samba, ela não sai. Campinas não merece o Carnaval que tem.” 

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