Alunos transformam materiais descartados em "retrato" gigante
Estudantes durante a confecção, na quadra da escola, e a figura de mais de 9m feita com papelão, pneus, pet e outros recicláveis (Divulgação)
A cantora Carmen Miranda foi uma das mais irreverentes personagens brasileiras do século passado e ninguém discute. Mas, com a ajuda da professora de artes Mônica Fernanda Bonomi, ela se tornou a inspiração para um projeto que envolveu também as disciplinas de ciências e de matemática na Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Padre José Narciso Vieira Ehrenberg, no Jardim São Marcos, em Campinas. O trabalho desenvolvido com alunos entre o 7º e o 9º ano ajudou a transformar materiais recicláveis em obras de arte, além de abordar conceitos como reciclagem, sustentabilidade e proporção.
O trabalho começou bem despretensioso, quando Mônica, logo no início do ano passado, trabalhava o tema caricatura. Como o conteúdo foi ministrado a partir de discussões sobre a cultura brasileira, um dos alunos produziu uma imagem de Carmen Miranda. Numa reunião, surgiu a proposta de, junto com as professoras Cláudia Fagundes Pedroso, de matemática, e Etelvina Rogge, de ciências, aproveitar a atividade para um projeto interdisciplinar. “Cada uma de nós tinha um conteúdo específico e vimos que havia ali uma razão em comum, uma forma possível de integração”, conta a docente de matemática.
A ideia foi ganhando força à medida que as educadoras conheceram o movimento Limpa Brasil, que se propõe a auxiliar na eliminação do lixo nas grandes cidades e conscientizar sobre a necessidade da reciclagem. Entre as atividades desse movimento, estão mutirões formados pelos moradores para limpar áreas públicas, como parques e ruas. Além disso, o início do projeto na escola coincidiu com o lançamento do documentário Lixo Extraordinário, dirigido por Luci Walker e João Jardim, que mostra o trabalho do artista plástico Vik Muniz no aterro sanitário do Jardim Gamacho, no Rio de Janeiro, desativado no ano passado.
O filme apresenta como o artista conseguiu reunir catadores de lixo para produzir obras de arte a partir dos materiais coletados. Com isso, esses trabalhadores conseguiram transformar suas vidas. “Tínhamos tudo de que precisávamos e pensamos, então, numa adaptação do que o Vik Muniz tinha feito”, lembra Mônica. Muniz é conhecido mundialmente por produzir releituras de obras de arte a partir da utilização de materiais diversos, que vão desde latas até substâncias perecíveis, como açúcar ou pasta de amendoim. Por causa do tamanho (as obras chegam a ter dez metros) e por usar materiais com pouca durabilidade, não é possível expor ou guardar tais obras e, portanto, o que Muniz vende ou disponibiliza para mostras são apenas fotografias de suas produções. Um desses retratos chega a custar R$ 100 mil no mercado internacional, o que coloca o artista como um dos principais nomes brasileiros da área.
Passo a passo
Como uma espécie de aprendizes de Muniz, todas as turmas da escola assistiram ao documentário. Em seguida, escolheram uma das caricaturas produzidas pela turma do 9º ano. O desenho do aluno Wylder de Oliveira Silva Melo foi considerado o melhor pelos colegas. A partir disso, a professora de matemática tratou de ensinar e calcular junto com as turmas a proporção para a ampliação do desenho. O resultado foi uma obra de 9,10 metros por 8,16 metros, que ocupou quase toda a quadra esportiva do colégio.
Por meio de uma gincana, as turmas se organizaram para levar à escola os materiais que seriam utilizados para colorir a figura, desenhada sobre caixas de papelão desmontadas. Num dia, era o 7º ano o responsável por recolher garrafas plásticas. Noutro, o 8º ano levava pneus e, depois, o 9º ano se responsabilizava por tampinhas e pedaços de isopor. “A quadra ficou cheia. Nós começamos a separar os materiais por tipo e cor para facilitar o trabalho”, conta a estudante Milene Elvira da Silva, de 13 anos, do 8º ano.
Nessa etapa, a professora de ciências aproveitou para abordar questões como a necessidade de higienizar os materiais antes da reciclagem e também a importância da segurança no manuseio. Para não atrapalhar o desenvolvimento dos demais conteúdos, as três educadoras envolvidas decidiram usar um espaço reservado às reuniões pedagógicas, no período contrário ao que lecionam, para oferecer uma oficina de reciclagem. A proposta contou com a adesão de cerca de 30 alunos que, uma vez por semana, iam para a escola tanto de manhã quanto à tarde.
O colégio também passou a fazer parte do movimento Limpa Brasil e os alunos saíram pelo bairro recolhendo lixo. Boa parte foi utilizada na confecção da imagem e o restante enviado a uma cooperativa. “Eu aprendi, principalmente, que nós devemos reciclar porque essa é uma necessidade para que o planeta continue existindo. Percebi que dá para fazer muita coisa interessante com o que iria para os aterros sanitários”, diz a estudante Monique Naines Amaral, de 13 anos, do 8º ano. Pela adesão ao Limpa Brasil, a escola recebeu luvas e sacos plásticos para a coleta dos materiais.
Com o desenho de Carmen preenchido, foi a hora de Mônica explicar que esse tipo de produção artística é marcado pela efemeridade e que, para perpetuá-la, é necessário o registro fotográfico. Os alunos, então, fizeram diversas imagens, nos mais variados ângulos. “Eles se sentiram como se fossem o Vik Muniz, se retorcendo para conseguir fotografar a imagem toda”, lembra a professora de artes.
Visita
Ao final, receberam uma visita ilustre. O ex-catador de recicláveis no Jardim Gamacho, um dos participantes do documentário Lixo Extraordinário, Tião Santos, atualmente coordenador do Limpa Brasil, esteve em Campinas visitando escolas que aderiram ao movimento. “Foi uma festa quando ele chegou. Sentimos também que ele estava emocionado com o que viu, pois estávamos fazendo uma atividade inspirada no trabalho dele. Tião foi muito acessível, conversou com as crianças, tirou fotos. Foi uma tarde muito prazerosa, que finalizou um projeto de sucesso”, conta Mônica.