Gastronomia

Cardápio (quase) básico

Mesa enxuta: chefs ensinam como manter a qualidade da refeição mesmo com alta de preços e, de bandeja, sugerem receitas inspiradas na cesta básica

Érica Araium
02/08/2015 às 08:00.
Atualizado em 28/04/2022 às 17:53
Cesta básica (Adriano Rosa/Divulgação)

Cesta básica (Adriano Rosa/Divulgação)

Foto: Adriano Rosa/Divulgação Bolinho de mandioca, criação de Adriano Ramos, chef do Dona Flor: espírito de boteco Quem costuma cozinhar em casa sabe o quanto uma crise econômica afeta hábitos e escolhas. Produtos locais e sazonais fazem mais sentido na decisão do cardápio cotidiano, vale mais a lógica do custo-benefício? Imagine, então, como restaurateurs e cozinheiros têm segurado a onda das operações (e dos preços, repassados ao consumidor quando não há saída) em tempos de crise. Otimizar menus, reduzir gastos e inovar em serviços nunca fez tão parte do negócio. Segundo o diretor de Gastronomia do Campinas e Região Convention & Visitors Bureau (CRCVB), Carlos Américo Louredo, o tíquete médio dos restaurantes diminuiu nos últimos dois meses, bem como a frequência dos habitués. “Hoje, o tíquete dos restaurantes gira em torno de R$ 55. Levamos isso em conta ao estipular o valor do menu especial do 7o Festival Gastronômico Internacional de Campinas e Região, por exemplo. A expectativa é de que, logo, haja recuperação para a ordem de R$ 65, quase a mesma de antes”, situa. Foto: Adriano Rosa/Divulgação Daniel Valay, chef do La Palette, com o Haricot Burger: “O que houver de melhor, mais fresco e, se possível, acessível” Nos restaurantes em que o menu reflete propostas criativas e autorais, equacionar opções torna-se tão desafiador quanto sustentável. O chef Daniel Valay, do bistrô La Palette, renovou o cardápio da casa apostando na vertente “menos é mais”. Por lá, três ou quatro ingredientes servem a cada prato, tornando-se estrelas. “A ideia é interferir o mínimo possível no sabor do ingrediente. E, a partir do momento em que se conhece o produto, o sabor e a textura do alimento, basta trabalhar bem as técnicas para executar uma bela receita”, pontua ele. No caso da sugestão do chef, renovada periodicamente, se vale, como cozinheiro expert, da mesma lógica do bom e acessível que um cozinheiro comum usa quando vai ao mercado. “O que houver de melhor, mais fresco e, se possível, acessível. Noto que, especialmente, os preços das carnes e dos pescados se mantiveram em alta desde o final do ano passado. Mas outros itens, como legumes e hortaliças, também ficaram mais caros”. Caso da cebola que, em maio, por exemplo, teve o preço reajustado em 67,72% em relação ao de abril, segundo o Procon de São Paulo. Justificativa, segundo o órgão? Entre outros fatores, houve redução na área cultivada do produto, queda da produtividade na região Sul e, com a oferta restrita, ela encareceu. Mas está aí um item que, certamente, faz falta em quaisquer cozinhas. Pois Valay pondera, ainda, que hoje “os sazonais”, na realidade, estejam “quase sempre disponíveis”, graças à tecnologia. “Acontece que nem sempre esses produtos são de boa qualidade, sobretudo em sabor. É preciso ter critério e observar o clima. O que está na época, de fato, e pode ser encontrado aqui próximo sempre compensa mais, para a saúde e para o bolso”, destaca. Não é somente nos restaurantes de alta gastronomia que o cuidado na concepção dos menus é redobrado. Adriano Ramos, proprietário e chef do Dona Flor, achou por bem apostar em petiscos gourmet (na acepção exata do termo) e apresentar um cardápio mais elaborado, disponível desde junho, para agradar a um público que adora botecar e adora gastronomia. Foram incluídas porções como a de jangadas de abobrinha italiana recheadas com catupiry e bacon, gratinadas com mozarela e parmesão; e a de cubos de queijo coalho grelhados com azeite e manjericão. Desafio básico De forma bem-humorada, desafiamos os cozinheiros a criar um prato usando, obrigatoriamente, ao menos um entre os farináceos da cesta básica e um produto da estação (caqui, agrião, mangostão, pinhão e outros da época).Valay apostou na estratégia corriqueira de lançar mão do que há disponível em casa. O feijão pronto virou purê, foi enriquecido com seleta de legumes e transformado em hambúrguer. A berinjela empanada com farinhas de trigo e de rosca e frita fez às vezes do pão. Já a inspiração para o acompanhamento, arroz agulhinha com macarrão instantâneo frito, veio do tradicional arroz libanês. Foto: Adriano Rosa/Divulgação Haricot Burger, criação à base de feijão em purê, berinjela e farinha de mandioca: critério e observação do clima na escolha dos ingredientes Ramos apostou na levada a que está habituado e no apreço pela novidade para criar um bolinho à base de inhame e mandioquinha cozidos, recheado com carne moída e bacon e empanado em farinha de trigo e de biju de mandioca. Para acompanhar, vinagrete de pimenta-dedo-de-moça. Foto: Adriano Rosa/Divulgação Adriano Ramos, chef do Dona Flor: “Não é só a alta no valor de produtos como carnes, queijos, óleo e etc que influencia no preço final, mas a da gasolina, da energia elétrica também” “Um petisco como o bolinho, ou bolacha, com apelo comfort food, como este que criei, sempre agrada. E por que não considerá-lo para o dia a dia? Pensando no menu de um negócio como um bar, o que muitas vezes se esquece é que não é só a alta no valor de produtos como carnes, queijos, óleo e etc que influencia no preço final, mas a da gasolina, da energia elétrica também e etc”, observa. Saída para que o cliente não sinta tanto no bolso o peso da inflação? “Usar a criatividade e nunca abrir mão da qualidade. Um bom cozinheiro pesquisa ingrediente a ingrediente até saber encontrar maneira de utilizá-lo”, assegura. Haricot Burger (Por Daniel Valay, serve quatro pessoas)INGREDIENTES_200g de feijão carioca cozido, em purê_2 berinjelas grandes _Farinha de mandioca fina_½ cebola picada fina_½ cebola cortada em rodelas finas_2 dentes de alho picados finos_1 colher (sopa) de cheiro-verde_120g de arroz branco cozido_½ pacote de macarrão instantâneo_Tomate salada cortado em rodelas_Folhas de alface_Óleo para fritar Refogue a cebola e o alho picados sem dourar, adicione o cheiro-verde e o purê de feijão. Acrescente aos poucos a farinha de mandioca fina para dar o ponto e ficar homogêneo. Molde os feijões-burger e passe novamente na farinha de mandioca, apertando bem com a palma da mão. Coloque na geladeira durante uma hora. Corte oito fatias de 1cm de berinjela (parte central) e grelhe na frigideira em ambos lados. Tempere e reserve. Frite o macarrão instantâneo no óleo e misture com o arroz branco. Reserve. Frite os feijões-burger. Montagem: disponha a alface sobre a primeira fatia de berinjela, depois o feijão-burger, o tomate e a cebola fatiada, finalizando com a outra fatia de berinjela. Sirva com o arroz com macarrão crocante. Bolinho de mandioca (Por Adriano Ramos, serve quatro pessoas)INGREDIENTES_1 kg de mandioquinha ou inhame_1 ramo de manjericão fresco_1 ramo de salsa fresca_2 ovos_3 colheres (sopa) de farinha de trigo_200g de carne moída_50g de bacon picado miudinho_Mix de pimentas para moer_Farinha de trigo e de mandioca (biju) para empanar_Sal_Óleo Cozinhe a mandioquinha, seque bem e amasse até o ponto de purê. Adicione os ovos até incorporar e a farinha de trigo até dar ponto de massa. Deixe a preparação na geladeira por 30 minutos. Refogue a carne, adicione o bacon, adicione os temperos e reserve. Misture a carne à massa, molde os bolinhos com a mão (formato de bolacha), empane na farinha (se quiser, adicione uma pitada de amido de milho para aumentar a crocância), passe pelo ovo e empane com a farinha de biju. Frite até dourar em óleo quente por cerca de 2 minutos. Sugestão de acompanhamento: vinagrete à base de cebola, tomate, temperos e pimenta-dedo-de-moça fresca. Food trucks: alternativa? A ordem é reduzir gastos. Economizar água, energia elétrica, apostar mais ainda na qualidade dos serviços e inovar, deslocando a marca ao local onde o público está. Por isso, não é à toa que eventos gastronômicos têm se avolumado na região e multiplicado o número de food trucks em cada um deles. A operação, se comparada à de um restaurante, é mais econômica e dinâmica. “A proximidade com o cliente torna tudo mais ágil e fácil. E você pode, inclusive, manter contigo aqueles (clientes) que resistiram à crise”, pondera Louredo, franqueado da rede Joe & Leo’s em Campinas. Ele afirma que houve queda na frequência dos habitués na hamburgueria, ao passo que o truck vem ganhando adeptos onde quer que passe. Foto: Adriano Rosa/Divulgação Food trucks: comida de rua de qualidade servida em caminhões em espaços públicos abertos pegou em Campinas   “Os trucks estão avançando, vão na contramão da economia. Há a questão da novidade, mas a verdade é que o público já percebeu que pode fazer economia e comer bem naquele truck ou no vizinho, conhecer várias culinárias, além de se entreter”, avalia Louredo. Ana Cláudia Rozano, gerente de marketing da Hamburgueria Big Jack, também vê o investimento nas cozinhas sobre rodas como estratégia de branding. “A marca, que já possuía três unidades em funcionamento em Campinas, ganhou visibilidade quando começamos a operar trailer (em maio) aqui e em cidades da região. O que nos deixa mais felizes é que há público para ambas as operações. Quem já conhece, geralmente nos apoia nos eventos; quem não conhece, se interessa em conhecer uma das lojas. Outra vantagem é levar o nosso serviço e os nossos produtos para qualquer lugar”, analisa. A economia do comer foraNão entraremos a fundo na seara econômica. Mas fato é que a correria das grandes metrópoles faz com que muita gente opte, justamente, pelas refeições fora de casa – cresce o food service. A Associação de Bares e Restaurantes (Abrasel) estima que o setor represente, hoje, 2,7% do PIB brasileiro; e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que, em média, o brasileiro deixa 25% da renda em restaurantes, lanchonetes e afins. Nas grandes redes, o conceito estadunidense do casual dinning (porções fartas, parte delas feitas para compartilhar, decoração caprichada e atendimento diferenciado, informal, próximo do consumidor) tem superado outros modelos de negócio em execução no País. Avança cerca de 20% ao ano, desde 2010, com previsão de 25% ao ano até 2020, segundo levantamento divulgado no ano passado pela consultoria especializada em varejo GS&MD. Prova disso é a expansão do número de unidades de marcas que apostam nesse nicho na região, vide Outback, Abbraccio, PF Chang’s e Coco Bambu, já inauguradas ou em fase de abertura em shoppings do Grupo Iguatemi, em Campinas.   

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