UNIVERSIDADE

Zumbi cria movimento e mira parceria

Universidade e a Afobras lançam plano de ações práticas e vão em busca de apoio da Unicamp

Francisco Lima Neto
02/08/2020 às 11:06.
Atualizado em 28/03/2022 às 19:53
José Vicente é o reitor da Universidade Zumbi dos Palmares: resistência (Divulgação)

José Vicente é o reitor da Universidade Zumbi dos Palmares: resistência (Divulgação)

A Universidade Zumbi dos Palmares e a ONG Afrobras lançam o Movimento AR, com um plano de ações práticas para o combate ao preconceito e à discriminação racial, ainda presentes no Brasil. Para fortalecimento da iniciativa e maior efetividade na implementação em Campinas e região, a universidade busca parceria com a Unicamp. Hoje, no Brasil, 55% da população são compostas por negros e pardos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Por isso, o projeto contempla dez ações estratégicas a serem alcançadas em cinco anos, com a meta de atingir 30% delas dentro de um ano. Entre elas, a mudança nos protocolos policiais, a mudança nos protocolos de segurança de empresas privadas, como shoppings e mercados, por exemplo, formação e qualificação, bolsas de estudo e vagas de emprego. Essas dez ações visam possibilitar que o negro tenha o acesso à educação e à renda, por meio de parcerias e políticas públicas, principalmente agora, com o aumento do desemprego durante e após a pandemia. De acordo com José Vicente, reitor da universidade e um dos idealizadores do Movimento AR, é preciso educar para transformar. "Elaboramos um Manifesto com ações que, em alguns casos, basta apenas fazer com que as leis sejam cumpridas. Não estamos pedindo nada, queremos o direito de auxiliar a sociedade a se organizar de uma forma onde não exista distinção pela raça", diz. Segundo ele, a educação é primordial para o sucesso de todo o processo. "Para isso, a educação de nossas crianças e jovens negros é essencial, mas também a educação nos ambientes corporativos é preponderante que os profissionais sejam envolvidos e aprendam a fazer a gestão da diversidade", argumenta.Unicamp José Vicente diz que está buscando diálogo com a Unicamp para uma parceria na implantação do projeto. "Já fizemos algumas conversas com o reitor Marcelo Knobel e nos próximos 30 dias devemos ter uma associação com a Unicamp para estender as ações para Campinas e toda a região. Tem um número significativo de jovens negros na região. Além disso, a Ponte Preta assina, apoia o projeto", explica. Ele avalia que a Unicamp pode ajudar o movimento de diversas maneiras. "A Unicamp tem muitas ferramentas, muitos insumos, tecnologia, destaque internacional. É preciso uma transição tecnológica para que todos se adequem e se qualifiquem no campo digital. Ela pode ser parceira para construir esse caminho", diz. Marcelo Knobel confirmou que a Unicamp tem uma parceria com a Universidade Zumbi dos Palmares, "e estamos sempre em contato."Reconstrução O reitor da Zumbi dos Palmares avalia que as intercorrências políticas, recessão econômica, e o impacto da pandemia vão exigir que o País reconstrua uma nova agenda, já que parte do mercado de trabalho vai se extinguir, uma parte vai ficar de fora porque não vai ter empresa e os postos de trabalho serão reduzidos. "Será preciso criar políticas públicas para esse público. Vai exigir a reformulação da condução dos projetos de saúde, um olhar para as periferias, para as pessoas de pouca renda, onde se inclui o negro. Uma reformulação de perspectiva político e econômica que dê conta de colocar o País nos trilhos novamente."Enfrentamento Temas importantes que estão sempre ficando de lado, como o racismo, o negro e a exclusão, diz, precisarão ser enfrentados. "São questões que já estavam postas, mas que ganhou reforço com a questão do George Floyd (afro-americano que foi assassinado em Minneapolis, estrangulado por um policial branco que ajoelhou em seu pescoço durante uma abordagem por supostamente usar uma nota falsificada de vinte dólares em um supermercado), que ganhou o mundo. No pós- pandemia é esse público que vai ficar de novo sem escola, sem possibilidade de renda, emprego e meios de subsistência adequada", diz. Negros são as maiores vítimas de homicídios No Brasil, a população negra é principal vítima de homicídio. Entre 2012 e 2017, foram registradas 255 mil mortes de negros por assassinato; em proporção, negros têm até 2,7 vezes mais chances de ser vítima do crime que brancos, segundo dados oficiais do IBGE — Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Enquanto a violência contra pessoas brancas se mantém estável, a taxa de homicídio de pretos e pardos aumentou em todas as faixas etárias. Na série de 2012 a 2017, de acordo com o IBGE, houve aumento da taxa de homicídios por 100 mil habitantes da população preta e parda, passando de 37,2 para 43,4. Enquanto para a população branca esse indicador se manteve constante no período, em torno de 16. Debates esbarram na estrutura da sociedade José Vicente diz que no Brasil ainda é muito difícil debater o racismo e suas consequências, e que isso se deve a diversos fatores. De acordo com o reitor, um deles é a branquitude como estilo de vida. "A branquitude está em todos os espaços de decisão ao longo da história. Como estão cristalizados dentro dessa estrutura, não conseguem outra coisa a não ser reproduzir e manter os privilégios e benesses de quem está dentro do poder. Não querem permitir que ninguém mais entre. Racismo e discriminação são armas políticas de defesa de privilégio e monopólio de acesso", argumenta. De acordo com ele, essa estrutura é uma das ações mais perversas para a naturalização de que as coisas são assim mesmo. E que há um discurso de que no Brasil não há racismo, o que há é um problema social, da pobreza, e que por isso não é despropositado discutir racismo ou discriminação racial. É apenas um problema de ordem social que se resolve com empenho, dedicação e meritocracia."Não há que se falar em racismo se não existem raças, e por isso, não existiriam os racistas. Não precisa discutir e nem debater o tema. Esse discurso não encontra razão. Nem as empresas, nem as universidades se debruçam para produzir soluções a partir do fato de que existe o racismo. Apenas negam a existência", aponta. Ele avalia que para superar o problema, o caminho deveria ser inverso. "Deveríamos admitir que somos racistas e que isso é maléfico para todos. Mas a gente começa pela negação e naturaliza. Normaliza como rotina. Então é normal pisar o pescoço de uma mulher negra na periferia. Isso, no máximo, é falta de educação do policial, desnecessário. Mas a gente sabe que é só um sintoma do problema. Ele jamais faria isso no Morumbi ou em qualquer bairro de classe média, ainda mais com uma mulher branca. É normal pisar no pescoço de uma galinha, cachorro e um ser humano, se for de pele negra", provoca. "A gente precisa reconhecer que saiu do controle, que chegou ao limite. Todo dia é um sequestrado, morto ou espancado", conclui. Agência oferece ajuda com campanha publicitária Para poder chegar a toda sociedade, os idealizadores do projeto ganharam o reforço da Agência Grey, que desenvolveu uma campanha publicitária do Movimento AR, com filme e peças na mídia impressa e on-line, além do site www.movimentoar.com.br. A logomarca da campanha foi criada pelo design gráfico Oga Mendonça, a imagem tem as três cores da campanha, branco, preto e vermelho e uma leveza ao mesmo tempo em que tem força e impacto. O vídeo da campanha conta ainda com a participação do cantor Martinho da Vila fazendo a locução do Manifesto.

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