Aos 95 anos, empresária conduz negócio que transforma plásticos PET e PP em vassouras, escovas e espanadores
Na empresa comandada por Zilda Rubinsky, embalagens plásticas que seriam descartadas no ambiente servem de matéria-prima para a produção de fios que compõem vassouras, escovas e espanadores (Rodrigo Zanotto)
Em 1932, enquanto jovens paulistas se alistavam aos milhares para lutar contra o governo de Getúlio Vargas, Zilda Rubinsky desembarcava, junto da mãe, no Porto de Santos. Polonesa, veio ao Brasil para fugir do antissemitismo e do desemprego. Nascida em 1928, tinha apenas quatro anos de idade na época. Após chegar à cidade litorânea, estabeleceu-se em Campinas. Nem o embate entre paulistas e a União, nem um problema na saúde das pernas foi capaz de tirar o amor e o vigor que Zilda sempre teve pela vida. Tanto é que, aos 73 anos, assumiu um negócio que recicla 20 toneladas por mês de plásticos PET e PP, tirando do ambiente materiais cujo tempo de decomposição pode chegar a 600 anos.
Zilda, agora com 95 anos, não abre mão de estar por dentro dos pormenores administrativos da Adama Serviços Ambientas, empresa que está sob sua responsabilidade há 22 anos. Com o auxílio da cadeira de rodas, da qual depende para se movimentar há 5 anos, ela vai de um lado para o outro dentro do escritório em que trabalha religiosamente todos os dias, localizado na Vila Marieta. A fábrica, localizada que fica no bairro Nova Aparecida, produz fios com o plástico reciclado, que são usados na produção de vassouras, escovas e espanadores.
Além dos fios, a empresa produz também fibras para concreto, que são pequenos pedaços de plástico que, adicionados durante a concretagem, conferem maior resistência à estrutura. Com isso, a empresa elimina restos de plástico politereftalato de etileno (PET) e polipropileno (PP) do ambiente, contribuindo para a redução da poluição de rios, lençóis freáticos e mares.
"Nossa matéria-prima é obtida com base em restos da produção industrial de outras empresas, como as que produzem sacos plásticos de berg (sacos grandes). Essas empresas, durante sua produção, geram resíduos, que são descartados em lixão. O que a gente faz é comprar esses restos, que para eles de nada servem, e reutilizar", conta Zilda.
Além do material proveniente de outras indústrias, a Adama compra reciclagem de catadores autônomos, fortalecendo a economia neste segmento. A empresária confidenciou que tem planos para aumentar a disponibilidade de matéria-prima, trazendo para a equipe catadores que atuem diretamente com a empresa. "Dessa forma, nós conseguiríamos dar uma renda a mais para essas pessoas e tirar ainda mais material das ruas. Mas, ainda estamos pensando como viabilizar isso", diz.
Por mês, a empresa produz em média 15 toneladas dos seus produtos, divididos entre os fios e as fibras. Para isso, o volume de matéria-prima é de cerca de 20 toneladas mensais. Parte do material é perdida durante os processos de corte dos fios. Mesmo assim, um percentual desse resíduo é novamente reaproveitado e o restante, descartado.
"Apesar do descarte, a nossa ação ainda é benéfica, é uma redução de danos para o ambiente. Não fosse esse processo, que transforma o plástico em algo útil novamente, quanto material iria direto para os lixões? Geraria poluição para o solo, lençóis freáticos, rios", analisa a senhora.
O pouco que sobra do material é descartado no aterro municipal, processo pelo qual a empresa paga uma taxa entre R$ 200 e R$ 300 mensais. Em um ano, a reutilização promovida com a produção dos fios de vassoura tira do ambiente o montante de 240 toneladas de plásticos.
O volume poderia ser ainda maior se toda a garrafa PET fosse usada, mas em razão da rosca que sustenta a tampa (que usa uma cola que não pode ser submetida ao calor das máquinas), a parte superior dos recipientes é cortada. A gestão da empresa avalia que o problema poderia ser resolvido caso as produtoras de garrafas pudessem adotar um modelo que não usasse a cola, aumentando a precisão da reciclagem. Atualmente, trabalham na Adama 11 pessoas, entre administrativo e fábrica. O benefício gerado pela empresa extrapola o que tange ao meio ambiente. "Tenho orgulho de empregar essas 11 pessoas, que não têm escolaridade alta, mas que mesmo assim ganham bem, que são pessoas empenhadas", sustenta Zilda, explicando o ecossistema de economia sustentável gerado pelo trabalho.
DESAFIO
Depois que se estabeleceu em Campinas, Zilda passou a travar uma luta contra uma irregularidade óssea, já que o fêmur era desconectado da bacia. Para tratar o problema, ela passou um ano acamada com um peso atrelado a uma das pernas, mas a terapia surtiu efeito. Depois, ainda criança, foi submetida a uma cirurgia de alta complexidade no hospital São Francisco, em São Paulo, o que rendeu mais um ano de internação.
Já na vida adulta, Zilda foi professora no Colégio Culto à Ciência. Judia, em 1972 decidiu morar em Israel, retornando em 1985. Mesmo depois de toda a experiência de vida, no auge dos 73 anos, assumiu a empresa junto com uma das quatro filhas, que pegou o negócio de um inquilino. "Ele não estava conseguindo tocar o negócio e, por essa razão, nós decidimos ficar com o empreendimento. Eu considerei que seria legal gerenciar", relata.
A gerente conta que o negócio, além dos fatores citados, como empregabilidade e sustentabilidade, é lucrativo. Sem citar valores específicos, contou que sobram mensalmente R$ 20 mil, dinheiro que sempre foi bem administrado. "Tudo que juntamos nestes 22 anos foi o que segurou a barra durante a pandemia".
PROCESSO
Em posse da matéria-prima, os funcionários da empresa higienizam os materiais, removendo rótulos e as partes superiores de garrafa. Em seguida, o material é submetido a altas temperaturas e torna-se líquido. Por fim, é atribuída a cor com o pigmento. Feito o processo, os produtos são embalados.
Os fios são das mais variadas bitolas e tamanhos, sendo que cada um deles é usado para produzir um tipo de vassoura. A empresa tem clientes em vários estados do Brasil, como em Pernambuco, Manaus, Roraima e Tocantins, além de São Paulo. Zilda conta que nos últimos três meses o negócio não tem gerado lucros. Entretanto, a empresária garante que pretende ir longe com o negócio da família. "Eu digo que só cheguei longe graças ao trabalho, e não pretendo parar de trabalhar. Vamos voltar a lucrar e vamos crescer. Isso aqui para mim é uma grande alegria e eu poderia não estar fazendo nada, simplesmente parada. Mas a vida é mágica, é bela e somos resilientes. Sempre olhamos tudo com uma ótica positiva, de modo a não sermos atingidos pela negatividade", conclui.
Orgulhosa do produto que fabrica, dos empregos que gera e da sustentabilidade promovida pelo negócio, a senhora terminou de falar sobre a sua trajetória como poderia se esperar: com lágrimas nos olhos.
Empresária Zilda Rubinsky, que, aos 95 anos, tem planos de expandir os negócios (Alessandro Torres)