Claudio Yanomami diz que agora está pronto para voltar a pescar e sustentar a família em Roraima (Isadora Stentzler)
Claudio Yanomami estava pronto para voltar à comunidade Buruburumapi, na região da Missão Catrimani, em Roraima, no domingo. Há 15 dias em Campinas, ele veio à cidade para receber uma prótese da perna esquerda, doada pela Prótese News, por intermédio da Associação Expedicionários da Saúde (EDS) e do Programa Floresta em Movimento. Com a ajuda de um intérprete, disse estar feliz e que, com a nova prótese, poderá voltar a pescar e retomar as atividades dentro da sua comunidade.
“Estou muito alegre. Foi um atendimento rápido. Agora, terei facilidade de pescar e poder alimentar a mim e meus parentes. Não vejo a hora de voltar à minha aldeia”, disse ao Correio Popular, horas antes de retornar ao seu território. Claudio é um indígena da etnia Yanomami e não fala português. Quem o acompanhava era o intérprete Beto Goes Yanomami, da comunidade Maturacá, do Estado do Amazonas.
Ele veio à cidade por intermédio do Programa Floresta em Movimento, que presta assistência às comunidades indígenas do Norte do País e oferece atendimento médico de alta complexidade em Campinas, e que integra os serviços prestados pela Associação Expedicionários da Saúde.
Desde a criação do programa, em 2010, 24 indígenas dessas regiões já receberam prótese, órtese e até cadeira de rodas. As próteses são compradas pela EDS com doações de pessoas e empresas socialmente responsáveis. A EDS, então, doa essas próteses para os pacientes indígenas. A iniciativa visa oferecer a esses povos o acesso à saúde de alta complexidade que, muitas vezes, acaba sendo morosa em suas regiões devido à demanda.
Claudio perdeu a perna quando ainda era jovem. Como os documentos dessas comunidades são feitos de forma tardia, não há precisão de qual idade ele tinha, na época. A estimativa é que o incidente tenha ocorrido entre seus 15 e 16 anos — hoje, o documento aponta que 59 anos, mas a estimativa é que tenha 64. Na ocasião, ele foi picado por uma cobra jararaca. Por não conseguir atendimento imediato, acabou precisando amputar a perna.
Com o apoio da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), ele recebeu atendimento em São Paulo, ganhando uma prótese naquele período. Já neste ano, tempo depois de ter a primeira prótese, ele conheceu, por meio do Serviço Social do Sesai, os voluntários da Associação Expedicionários da Saúde que identificaram a situação crítica e obtiveram, uma nova prótese.
Claudio foi conhecido pelos voluntários ainda em fevereiro deste ano, quando uma equipe multidisciplinar esteve na Missão Catrimani. Em abril, os voluntários realizavam uma expedição em outra região, chamada Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Ali, encontraram novamente Claudio, que passou por uma cirurgia de catarata, mas devido às condições da prótese que possuía, o programa Floresta em Movimento lhe proporcionou uma nova prótese, mais adequada às suas condições. A implantação ocorreu na última semana. Todo o processo foi conduzido pelo fisioterapeuta Alexandre Lapenna de Oliveira, que é parceiro dos Expedicionários da Saúde e que doou a prótese junto da Prótese News.
“O que ele tinha não era nem uma prótese”, explica Alexandre. “Era um laminado de resina, com solado de borracha, de bota, de coturno, para que pudesse sustentá-lo, dentro das necessidades. Só que o peso era quatro, cinco vezes a mais. Tanto que quando ele colocou a prótese, conosco, sentiu muita diferença e a felicidade foi instantânea”, detalha.
A prótese recebida por Claudio, e que foi doada ao programa, é feita da mesma matéria-prima de próteses na Europa, Estados Unidos e Ásia. Ela possui malha de lã de vidro, resina acrílica, fibra de carbono na parte do encaixe e uma laminação bem rígida, para evitar que se desgaste no contato com a água e em outros tipos de terreno. A nova prótese tem capacidade de suportar 100 quilos: os 60 que Claudio pesa e mais 40, que ele possa vir a carregar.
Claudio falou sobre isso de forma calma, batendo o dedo indicador direito na mesa a cada frase dita, que era traduzida pelo intérprete. Ele conversou com a reportagem do Correio Popular em uma praça em Barão Geraldo, perto da pousada em que ficou durante os dias de reabilitação, e acompanhado da gerente-geral da EDS, Cecilia Reigada Piva. Com olhos altivos, observou as árvores e se admirou com os saguis. Ao encarar esse cenário, disse que aqui “a floresta é baixa”.
Os Yanomami, etnia a qual pertence Claudio e Beto, formam uma sociedade de caçadores-agricultores da floresta tropical do Norte da Amazônia, cujo contato com a sociedade é, na maior parte de seu território, relativamente recente. Segundo o Instituto Socioambiental, seu território cobre cerca de 192 mil km², situados em ambos os lados da fronteira Brasil-Venezuela na região do interflúvio Orinoco – Amazonas.
Os Yanomamis também são conhecidos por serem guardiões da floresta, devido à sua cosmovisão, que enxerga a floresta como um organismo vivo, onde habitam os espíritos protetores de suas comunidades. Embora não fale português, Claudio conhece a cidade e conta com o apoio dos “napëpë”, pessoas não indígenas que auxiliam nos atendimentos às comunidades, como no caso da Associação Expedicionários da Saúde.
Na região em que vive, existem sete aldeias, cada uma com até 50 famílias. Com a estimativa de que cada família possua de 15 a 20 pessoas, cada aldeia chega a ter até mil indígenas.
A região, explica, não foi atingida pelo garimpo e a invasão do branco, algo que, apontou, ocorre em outras regiões mais ao Sul da sua localidade. Ainda que esteja salvaguardado, ele deixou um apelo, reforçado pelo intérprete Beto, para que suas áreas sigam protegidas.
“Falamos que somos os guardiões da floresta porque vivemos em total harmonia. Oferecemos a ela nossa pintura, nossa festa tribal, nossas danças, cantos e, da mesma forma, ela nos oferece a caça e o pescado. Essa interação é válida para nós. Quando a floresta está em pé, os espíritos estão em harmonia”, frisou, sendo incrementado pelo intérprete: “Onde tiver muito desmatamento, a floresta limpa, não há espírito para nos cuidar. Então, se a gente não estiver lá, mandam derrubar e fazer agronegócio. Mas ela só existe para que o yanomamis vivam.”
Expedicionários da Saúde
A Associação Expedicionários da Saúde (EDS) é uma organização brasileira sem fins lucrativos criada em 2003 por um grupo de médicos voluntários.
Em atuação desde 2004, a EDS já atendeu a uma área demográfica do tamanho da França, ao longo das mais de 40 expedições. Todo o atendimento é oferecido de forma gratuita. Além dos médicos voluntários, a EDS conta com o apoio de outros profissionais e instituições que ajudam a viabilizar seu programa. O patrocínio de empresas, pessoas físicas e instituições sociais auxilia na continuidade do trabalho.