O mais recente é do Cidade Jardim, onde a queda na criminalidade caiu em torno de 90% segundo o tutor do programa local, Luís Henrique Alves
Marcos Alves Ferreira, coordenador do Programa de Vizinhança Solidária, em frente de residência que participa do projeto no Jardim Madalena (Patrícia Domingos)
Apesar de ainda não haver um estudo oficial, coordenadores e moradores de bairros onde existe o Programa de Vizinhança Solidária (PVS) garantem que a sensação de segurança aumentou e que os índices de furtos e roubos caíram de forma sensível. Campinas já conta com ao menos 31 núcleos ativos, sendo o primeiro a abraçar o projeto o bairro Taquaral, implantado em 2012. O mais recente é do Cidade Jardim, onde a queda na criminalidade caiu em torno de 90% segundo o tutor do programa local, Luís Henrique Alves. "Vale destacar que o programa vai além de avaliar índices de criminalidade. A origem dele é levar o exercício da cidadania para as pessoas para que elas possam identificar os órgãos de segurança e também os órgãos que não são de segurança, responsáveis por cada problema no bairro", disse o capitão da Polícia Militar (PM), Hercílio Costa, da 2ª Companhia do 8º Batalhão, responsável pela região do Taquaral. Ao longo da implantação do PVS em sua região, o capitão Costa iniciou uma pesquisa que deve ser concluídas nos próximos meses. O estudo verificou que 89% dos moradores dos núcleos de sua área não sabiam para quem ligar quando deparavam com algum problema no bairro. Eles acreditavam que o canal era o telefone 190 da Centro de Operações da Polícia Militar (Copom). "A polícia é apenas um elo de segurança e a redução de criminalidade é um dos propósitos do programa. O maior deles é o exercício de cidadania das pessoas. O mato alto gera insegurança, mas para quem o morador deve ligar? Para a polícia? Não, ele vai ligar para um determinado setor e é isso que passamos através do programa", explicou o capitão. O bairro Taquaral faz parte da região Leste de Campinas e dos 76 bairros que integram a área do 4º Distrito Policial (DP) 23 já contam com núcleos do Vizinhança Solidária. O programa também tem ramificações nos distritos de Barão Geraldo, Sousas e Joaquim Egídio. No distrito de Barão Geraldo já foi implantado o PVS nos bairros Vale das Garças, Village, Solar Campinas, Cidade Universitária 1 e 2 e Bosque dos Palmeiras e atualmente está em estudo a inclusão no Bosque de Barão Geraldo. "Considero o PVS um sucesso total. É bom para os moradores e bom para a polícia que consegue fazer um policiamento planejado, já que os policiais fazem constantemente contato com os tutores. O programa traz a sensação de segurança para os moradores", frisou o vice-presidente do Conselho de Segurança (Conseg) do Taquaral e coordenador do PVS, Marcos Alves Ferreira Há dois meses foi implantado o PVS nos bairros Cidade Jardim e Residencial Parque Eldorado. O Cidade Jardim possui cerca de 5 mil moradores e é formado por 40 ruas, sendo que 12 delas contam com a placa de identificação de adesão. No total somam 70 imóveis. "A situação estava fora de controle. Hoje temos a polícia mais presente, sem contar que os moradores que fazem parte do programa se uniram e um alerta o outro quando há algo suspeito no bairro", disse Alves. De acordo com as regras, o morador que adere ao PVS recebe uma placa de identificação que é instalado no muro do imóvel. Quando há um grande número de vizinhos da mesma via é também colocada em poste de iluminação da rua uma segunda placa. Para este caso, a seleção do poste é feita pela Polícia Militar (PM), responsável pelo programa. "Só o fato de ter uma placa de identificação do programa já intimida o ladrão, pois ele sabe que ali é monitorado pela PM, a Guarda Municipal (GM) e pelos vizinhos", disse Alves. Ferreira disse que a proposta é ativar as associações de bairros e os Consegs de todas as regiões de Campinas para a implantação do PVS. No final do ano passado foram feitas reuniões com representantes de bairros do Distrito do Ouro Verde e Campos Eliseos para reativação dos conselhos de segurança. "Estamos conseguindo adesão de alguns bairros da periferia da cidade e esse passo é muito importante. A criminalidade pode ser combatida com a união da comunidade, das forças de segurança e também de outros setores administrativos. As pessoas precisam se conscientizar disso", falou. A implantação do programa também ganhou força em bairros de luxo. Na região do Gramado, por exemplo, condomínios de alto padrão também começaram a desenvolver o PVS. Um deles implantou o programa após ter o local invadido por bandidos por ao menos nove vezes no segundo semestre do ano passado. "Fizemos várias mudanças e o trabalho surtiu resultados positivos. Tudo é feito em união com o Conseg Leste e a CPFL", disse o presidente da Associação dos Condomínio Parque Gramado e da comissão de segurança local, Helder Lopes. SAIBA MAIS O que é o Programa Vizinhança Solidária É desenvolvido pela Polícia Militar em conjunto com o Conseg. Para aderir ao programa, os representantes de bairro têm que ter um grupo de moradores interessados em participar do trabalho, que se resume em ações de prevenção primária, como a identificação das necessidades de onde mora. A partir daí, o representante entra em contato com o Conseg de sua região para mostrar interesse em aderir o PVS. O morador não paga nada. Os moradores que se dispõem a participar do monitoramento recebem uma placa para colocar em seu imóvel. Por outro lado, a PM também vai colocar uma em um poste previamente escolhido para receber a identificação. Todo o trabalho é documentado. Para fazer o policiamento preventivo, a PM designa policiais que sempre farão o patrulhamento no local. Também são montados dois grupos no WhatsApp, que serve de monitoramento tanto para a polícia como para o morador. "O programa é um canal das demandas dos bairros. Falta de iluminação, de poda de árvore, problema de asfalto não faz parte da Segurança Pública, mas são resolvidos com o programa, uma vez que a população identifica as necessidades de seu bairro e passa para o grupo. Toda a demanda é discutida nas reuniões. Quando participa do programa, a pessoa exercita a cidadania", frisou Marcos Alves Ferreira. Especialista diz ser possível participar sem se expor O advogado e especialista em segurança pública Ruyrillo Pedro de Magalhães vê com bons olhos a participação da comunidade no controle da segurança pública. Segundo ele, a Constituição Federal estabelece que a segurança é um dever do Estado e um direito de todos, porém, ele frisa que esse direito significa em sua forma mais direta que todas as pessoas têm o direito de cooperar com a segurança pública como um todo. "O cidadão não precisa se expor. Não é papel dele se expor, mas eu digo participar no anonimato. Se ver algo estranho, pegue o telefone e ligue para a polícia. Fotografa, filma, hoje a tecnologia está muito avançada e ela pode ser usada de forma discreta para fazer denúncias", disse. Entre as medidas que devem ser tomadas por uma pessoa também é a de "vigiar" o vizinho. Quando um morador viajar, o outro se incumbe de ficar atento a tudo o que acontece nas proximidades. "Anotar número de carros suspeitos, ficar atento a alarmes de casas vizinhas. São ações que ajudam muito coibir o crime. Com essas atitudes, o marginal vai perceber que todo mundo no bairro está de olho e vai sair do local. Com ações assim, diminui-se a obrigação do Estado em fazer o policiamento e ter muitos policiais." Para Magalhães, é essencial haver uma inteiração das polícias Militar, Civil e Guarda Municipal com a comunidade. Essa união, segundo ele, pode acontecer até mesmo quando um PM ou GM for designado para atuar no trabalho preventivo. O seu superior deve questioná-lo sobre qual bairro ele gostaria de atuar, para que assim ele esteja sempre atuando no mesmo local e sempre em contato com os moradores. "Tem que ter entrosamento. Há casos em que policiais se tornam amigos do morador e fornecem seus telefones de contato", falou. Projeto aproxima vizinhos e ajuda a resolver problemas Além de contribuir para a redução de crimes e de soluções para o bairro, o Programa de Vizinhança Solidária (PVS) também tem aproximado os moradores. De acordo com coordenadores dos núcleos, muitos dos moradores que fazem parte do programa voltaram a ter amizade com seu vizinho. Caso por exemplo, da professora primária Fátima Aparecida Lacerda, de 56 anos, moradora no Jardim Madalena. Ela mora no bairro há 35 anos e garante que ao longo dos anos perdeu vinculo com a vizinhança devido à correria do dia a dia. Porém, a cerca de um ano, quando se inscreveu no programa do bairro, voltou a ter contato com os moradores. "Também criei novas amizades. Hoje converso quase que todos os dias com meus vizinhos. Temos dois grupos de WhatsApp, um que é de segurança e outro que é de bate-papo. Neste último tiramos dúvidas, trocamos experiência, conversamos. Ele serve para nos unir", disse Fátima. O programa foi criado no bairro após os moradores não suportarem mais o número de roubos e furtos. Inclusive Fátima foi vítima de roubo seguido de sequestro. Cansados com as ocorrências, eles criaram um pequeno grupo com conhecidos, mas a ideia ganhou força e foi implantada com ajuda do Conseg Taquaral. "O grupo reforçou algumas amizades e trouxe novas. A gente vive trancada em casa ou então trabalhando, mas, mesmo assim, um cuida do outro e sempre está mantendo um ao outro atualizado do que ocorre no bairro", frisou a professora. Para a psicóloga Priscila Ribeiro Manzoli, do Instituto de Terapia por Contingências de Reforçamento (ITCR), é importante a recuperação do contato social. "As pessoas não conseguem viver sem o outro. Precisamos de outra pessoa. Em uma cidade pequena, os moradores se conhecem, se ajudam um ao outro, mas nas grandes cidades isso se perde, porque existe o medo, a insegurança. Quando entramos em contato com outra pessoa e ela corresponde, constrói-se um vinculo", disse. Segundo ela, uma pesquisa feita pela Universidade Harvard, nos Estados Unidos, sobre fatores que proporcionam a felicidade, mostra que a relação que estabelecemos ao longo da vida contribui para uma vida e velhice saudáveis. "O Vizinhança Solidária resgata a amizade e o conhecimento entre vizinhos, vínculos esses que se perderam com o tempo", frisou o presidente do Conseg de Barão Geraldo, Antônio da Silva Ramos.