cárcere privado

Vítima quer ficar perto da 'patroa'

Mesmo reconhecendo que era tratada como se fosse uma escrava, Iva disse que não quer deixar a idosa Maria Luísa Okido, de 88 anos

Alenita Ramirez
27/06/2019 às 07:40.
Atualizado em 30/03/2022 às 23:41

“Hoje (ontem) vistamos dona Iva. É uma senhorinha fantástica. Ela chorou, se emocionou e nos agradeceu. Disse que foi libertada”, contou um policial civil que participou do resgate da cuidadora Iva da Silva de Souza, de 63 anos, mantida em cárcere privado com situação análoga à escravidão por quase 20 anos pelo casal Marina Okido, de 65 anos, e o companheiro, Écio Pilli Júnior, de 47 anos, presos na última segunda-feira em Vinhedo. Iva se reencontrou com a idosa, Maria Luisa, de quem cuidava, na casa de repouso onde as duas estão e disse que não quer deixar sua “patroa”. Mesmo reconhecendo que era tratada como se fosse uma escrava, Iva disse que não quer deixar a idosa Maria Luísa Okido, de 88 anos, para a qual dedicou sua vida inteira. “Ela é totalmente submissa às patroas”, disse a delegada do caso, Denise Margarido. Relação denominada na área de Saúde como Síndrome de Estocolmo, quando o estado psicológico particular da vítima submetida a um tempo prolongado de intimidação, passa a ter simpatia e até mesmo amor ou amizade pelo seu agressor. As duas idosas já estão juntas na casa de repouso mantida pela Prefeitura. Maria Luisa recebeu alta ontem de manhã e foi levada para o mesmo abrigo onde está Iva. “Percebemos que há uma ligação afetiva muito grande entre elas e queremos restabelecer esse vínculo. A Iva acha que dona Maria Luisa tem necessidade dela e se sente responsável pela idosa”, disse o secretário de Assistência Social, Eduardo Galasso. Iva está com a família da idosa desde 1979, ainda quando era adolescente, mas foi a partir da morte do marido de dona Maria Luisa, por volta de 2005, que passou a ficar em cárcere privado, sem receber salários nem benefícios por Marina. Marina e Écio foram presos em flagrante por suspeita de cárcere privado, mas também será investigada por tortura. “Temos informações de que Iva era agredida e humilhada por Marina”, disse a delegada. A história de Iva foi descoberta pelos investigadores ao apurarem um estelionato em um comércio da cidade. Marina se passava por Iva com intuito de emitir cheques sem fundo e também alugar imóveis em nome da cuidadora. Segundo os investigadores, ao menos quatro pessoas registraram boletim de ocorrência nas últimas 48 horas, contra Marina, uma vez que ela se passou por Iva. Uma das vítimas, inclusive, é dona do imóvel, localizado em outro bairro, onde vivia Marina e Écio. Marina também tinha se apossado do cartão beneficiário da mãe. Enquanto ela morava em um imóvel de padrão classe alta, a mãe e a cuidadora moravam em dois quartos, no porão de uma casa. Anteontem à noite, a irmã mais nova de Iva, que mora em Araraquara, reencontrou a cuidadora. As duas se comoveram. Segundo os policiais civis, Marina chegou a fazer uma página social falsa, em nome de Iva, para mostrar para parentes da vítima que estava tudo bem. “Estamos investigando tudo. Marina dizia para Iva que a família dela não queria vê-la”, contou a delegada, que deve formalizar o depoimento de Iva nos próximos dias. Submissão à Marina Okida choca policiais Marina é filha do empresário Shiro Okido, fundador da rede de padarias Riviera, cuja unidade em Campinas está localizada no bairro Cambuí. Segundo as investigações, a família Okido tinha um grande patrimônio e Marina era a única filha de Shiro com Maria Luisa. Com a morte do patriarca, Marina assumiu os negócios, mas acabou perdendo tudo. Como o pai de Marina era oriental, Iva foi criada de acordo com as tradições da família. Segundo os policiais, no dia do resgate, enquanto os investigadores conversavam com Iva, Marina chegou no imóvel e Iva fez reverência (o ojigi), se curvando à patroa.

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