ABUSO

Violência infantil se alastra e alarma autoridades

Casos registrados em Campinas estão muito aquém da realidade, apontam os especialistas

Rodrigo Piomonte
09/02/2021 às 13:22.
Atualizado em 22/03/2022 às 04:52
A ministra da Mulher, da Fam?lia e dos Direitos Humanos, Damares Alves, em reuni?o ontem com o prefeito D?rio Saadi: defesa do trabalho do Conselho Tutelar e da necessidade de mais verbas para fortalecer o ?rg?o (Prefeitura Municipal de Campinas)

A ministra da Mulher, da Fam?lia e dos Direitos Humanos, Damares Alves, em reuni?o ontem com o prefeito D?rio Saadi: defesa do trabalho do Conselho Tutelar e da necessidade de mais verbas para fortalecer o ?rg?o (Prefeitura Municipal de Campinas)

A comoção em relação ao caso do menino de 11 anos encontrado acorrentado dentro de um barril em Campinas suscitou a discussão sobre a violência contra a criança na cidade. Dados que constam no último boletim (2019) do Sistema de Notificação de Violência (SISNOV), divulgado pela Secretaria Municipal de Assistência Social, apontam que Campinas registrou 1.121 casos de violência contra crianças no período. Apesar do significativo volume de notificações, especialistas afirmam que esse número pode ser muito maior devido à quantidade de casos subnotificados e da falta de uma cultura de denúncia.

Segundo os registros contidos no boletim, do total de casos, 678 (60,5%) ocorreram contra crianças de 0 a 11 anos. As notificações constantes no documento concentram apenas os atendimentos realizados pela rede municipal de enfrentamento e prevenção às violências sexual e física, que incluem a estrutura das secretarias municipais de Saúde e de Assistência Social. Do universo total de casos registrados, 348 chegaram ao conhecimento dos órgãos de atendimento através da primeira Pasta e 484, da segunda.

O boletim da SISNOV indica que a negligência segue sendo o tipo de violência mais notificado, com 379 casos (33,8%). Em seguida vêm os episódios de violência sexual, com 269 (24%) e violência física, com 200 casos. A região Sul da cidade, que inclui o Jardim Itatiaia, bairro onde o menino de 11 anos foi encontrado pela Polícia Militar no último dia 30, concentra o maior número de ocorrências. Para a assistente social Fabiana Aparecida de Carvalho, docente do curso de Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), casos de violência contra a criança estão muito ligados à desigualdade social.

Para ela, apesar dos números presentes no boletim serem expressivos, a violência contra a criança esconde uma realidade ainda mais dramática, que é a subnotificação. "Apesar de todo esforço e estrutura das políticas de assistência social do município, as notificações oficiais estão muito aquém do que realmente acontece na cidade. Temos uma rede que não suporta toda a demanda existente. As situações de pobreza e desigualdade social características de certas regiões, aliadas à carência no atendimento, acabam dificultando a identificação. Muita coisa não chega oficialmente ao conhecimento da rede de proteção pública", advertiu.

Para a especialista, a necessidade de um fortalecimento na rede e das políticas de assistência e distribuição de renda é fundamental. "O que temos são profissionais atendendo dezenas de famílias ao mesmo tempo. Eles frequentemente lidam com casos, numa mesma família, que envolvem diversos problemas relacionados à violência e que são tratados de maneiras diferentes", informou.

A própria estrutura do Conselho Tutelar do município, ligada à defesa dos direitos da criança e do adolescente em situação de vulnerabilidade, está deficitária em relação ao que estabelece a resolução 171 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). O documento aponta a necessidade da existência de um Conselho Tutelar para cada 100 mil habitantes. "Essa resolução é clara e nós em Campinas estamos muito defasados. A região Sul da cidade, por exemplo, tem cerca de 370 mil habitantes, mas conta somente com um conselho e cinco conselheiros", reforçou o conselheiro Moisés Sesion.

Segundo ele, após a divulgação do caso envolvendo o menino acorrentado dentro do barril, houve um aumento expressivo de denúncias. "Ocorreu um numero razoável de denuncias após a divulgação do caso do menino. Isso indica que apesar dos episódios normalmente notificados, a realidade na cidade é muito mais preocupante", avaliou. O último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontou que a população de Campinas é de 1,2 milhão de habitantes. O município dispõe de cinco conselhos tutelares, divididos entre as regiões Norte, Sul, Noroeste, Sudoeste e Leste. Pela resolução do Conanda, Campinas deveria ter 12 conselhos, três a mais somente na região Sul, a mais complexa e na qual ocorreu o caso do "menino do tambor".

Aliado ao trabalho dos conselhos, a rede municipal de enfrentamento e prevenção da violência contra a criança conta com uma política pública que envolve a estrutura dos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS), do Distrito de Assistência Social (DAS) e o Centro de Referência Especializado da Assistência Social (CREAS), além das dezenas de entidades parceiras e cofinanciadas que prestam serviços para as famílias assistidas.

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