Dados são do Ceamo, que somente entre janeiro e abril já atendeu 749 casos
Para Vandecleya, o Casada por 13 anos, hoje com 39 de idade, há dois anos ela se separou: "Fui agredida e tiraram minha liberdade. Mas todo o apoio recebido no Ceamo transformou a minha vida” (Alessandro Torres)
A naturalização da cultura da violência contra as mulheres tem destruído sonhos e vidas de muitas famílias brasileiras. Com dois crimes bárbaros cometidos nesta semana na região - um em Campinas e outro em Hortolândia - essa banalização do mal se reflete nos números divulgados pelo Centro Especializado de Atendimento à Mulher de Campinas (Ceamo), que registrou 749 casos de violência doméstica somente entre os meses de janeiro a abril deste ano, ou seja, uma média de 187 atendimentos por mês. Só para demonstrar a explosão de casos de violência de gênero ocorrida no período, nos quatro primeiros meses de 2019, foram registrados 152 casos, com 38 acolhimentos por mês, um aumento de incríveis 392,76% nos últimos cinco anos.
Os números foram divulgados pela Secretaria de Assistência Social como parte das ações da Semana Municipal de Combate ao Feminicídio, instituída em Campinas pela lei 15.848 de 2019. A data escolhida marca os quatro anos do feminicídio de Thaís Fernanda Ribeiro. O município registrou também em 2023, três casos de feminicídio até o mês de abril, contra sete casos durante todo o ano de 2022, cinco em 2021 e sete em 2020.
Thaís Fernanda Ribeiro tinha 21 anos quando foi assassinada pelo namorado, em 10 de maio de 2019. A vítima trabalhava como operadora de caixa de um supermercado em Barão Geraldo. O assassinato de Thaís gerou grande comoção em Campinas, especialmente no bairro Vila San Martin, na Região Norte de Campinas, onde morava.
Para a secretária de Assistência Social, Pessoa com Deficiência e Direitos Humanos de Campinas, Vandecleya Moro, a pandemia de covid-19, além de suas implicações sanitárias e econômicas, trouxe consigo o fenômeno da subnotificação de casos de violência contra a mulher. O isolamento social, estresse e insegurança financeira criaram um ambiente propício para essa situação.
A subnotificação ocorre quando vítimas de violência não denunciam seus agressores por motivos diversos, que incluem o medo de retaliação e a falta de recursos.
As vítimas de violência de gênero ou todos que souberem de situações assim, devem também buscar os canais de denúncia já existentes, como o Guarda Amigo da Mulher de Campinas no telefone 153, o Disque 100 e a Delegacia de Defesa da Mulher. São meios fundamentais para garantir que as vítimas de violência tenham suas vozes ouvidas e que os agressores sejam punidos.
"A luta contra a violência doméstica é um desafio que exige a mobilização de toda a sociedade. A Secretaria de Assistência Social, Pessoa com Deficiência e Direitos Humanos de Campinas desempenha um papel importante, mas é imprescindível que todos estejam engajados nesse combate. Só assim será possível criar um ambiente seguro para todas as mulheres, onde elas possam viver livres do medo e da violência", enfatiza a secretaria.
A especialista em psicologia e professora da PUC-Campinas, Rita Khater, alerta que mesmo sem o isolamento social, os registros de violência contra as mulheres não só continuaram como se registrou um aumento desses casos. "O grande vilão é a cultura de violência presente na sociedade toda. Há uma naturalização dos casos, o que dificulta muita a sua redução dos casos e atuação do poder público."
A banalização da violência possui seu alicerce nos casos de feminicídio ocorrido nos últimos meses não só no estado de São Paulo como no Brasil. As relações sociais estão comprometidas, se agravaram na pandemia da covid-19 e se fortaleceram após o seu fim. Para Rita, o trabalho de comunicação não violenta é um dos caminhos para combater a naturalização das violências contra as mulheres.
"As políticas de acolhimento foram fundamentais para expor os agressores e proteger as vítimas. Há 15 anos, as mulheres possuíam apenas as delegacias especificas e muitas vezes eram recebidas ou atendidas com desconfiança e falta de preparo. Hoje, mesmo sendo poucos os locais preparados para acolhimento à vítima, houve mudanças consideráveis na atuação dos órgãos públicos e de entendimento da sociedade", completa.
VOLTA POR CIMA
"Fui agredia, ameaçada e tiraram minha liberdade. Mas todo o acolhimento e apoio recebido no Centro foram fundamentais para uma transformação da minha vida", diz aliviada Maria Flor, nome fictício de uma das vítimas de violência doméstica em Campinas, acolhida e atendida pelo Ceamo. Maria fora casada por 13 dolorosos anos, hoje com 39 de idade e há dois anos se separou. Era humilhada e morria de vergonha.
Mas por um momento de fé, pois acredita que tenha sido Deus quem a colocou em um dia intenso de trabalho e medo, ela se deparou com uma palestra de acolhimento a mulher vítima de violência, realizada na Avenida da Saudade, no bairro Ponte Preta. Era setembro de 2021, Maria conheceu o trabalho e as pessoas do Ceamo e com toda orientação psicológica e jurídica superou anos de sofrimento.
"Eu não conhecia o Ceamo, aliás, se tivesse descoberto antes, com certeza eu teria tomado uma atitude com muita mais antecedência. Durante o tempo de casada, fui bloqueada de contatos e acessos, tanto de familiares quanto de amigos. Minha autonomia se deu quando conheci as ações do Ceamo. As pessoas me ajudaram e fortaleceram a construção de uma nova vida."
Hoje, Maria conquistou uma nova profissão graças às atividades empreendedoras oferecidas pelo Centro. "Fiz cursos na área de Massoterapia e tenho minha renda obtida através do meu trabalho. Tenho muita gratidão com as pessoas que me atenderam e me acolheram. Com outro olhar, faço a minha parte retribuindo com massagens a preços simbólicos para as mulheres atendidas pelo Ceamo. Entendo as mulheres que ainda passam por isso e não conseguiram se libertar. Digo a elas que procurem uma rede de apoio, ultrapassem os limites da vergonha e do medo. Esse é o primeiro passo para uma nova vida que te esperam", finaliza Flor.
FEMINICÍDIO
Os dados de atendimento do Ceamo corroboram com violência fatal, o feminicídio. Dois registros recentes em Campinas e Hortolândia demonstram a realidade da violência iniciada nos lares. A morte da influenciadora digital Micaelly dos Santos Lara, de 19 anos, e da gerente de uma franquia de chocolates finos em Campinas, Dalila Mosciati, de 38 anos, escancaram a cultura de violência que acomete a sociedade desde sempre e que agora se parece ainda mais intensa.
Para a doutoranda em saúde coletiva e especialista na área de feminicídio da Unicamp, Thamiris Gomes, os números do Ceamo chamam a atenção para a gravidade do assunto. "A violência contra a mulher tem aumentado no município e consequentemente a procura das vítimas por atendimentos também. Em 2021, houve um aumento de 15% nas medidas protetivas do Estado de São Paulo. É importante falar sobre a violência doméstica, mas é fundamental a divulgação dos serviços de atendimento a todas as mulheres, com segurança e emocionalmente para serem acolhidas no momento, evitando os desfechos trágicos", analisa a pesquisadora.
É necessário que as mulheres denunciem os agressores e fundamentalmente que conheçam os locais dos atendimentos. "O desconhecimento dos locais que recebem as mulheres vítimas de violência, distanciam cada vez mais das denúncias, devido ao medo dos agressores. O isolamento social foi outro fator que atrapalhou e muito os acessos aos serviços de atendimento. As mulheres receiam do aumento dessa violência ao denunciar o agressor, por isso, cada vez mais é imprescindível que elas denunciem, mas sejam acolhidas com segurança", alerta Thamiris.
CEAMO
Espaço de acolhimento, escuta, troca de vivências e informações sobre os direitos da mulher no exercício da sua cidadania. A principal finalidade do serviço é prestar acolhimento e atendimento social e orientação jurídica à mulher em situação de violência de gênero, realizando atendimentos individuais, familiares e em grupo, na busca do enfrentamento dos problemas que afligem as mulheres para fortalecer a sua autoestima e, consequentemente, romper o ciclo da violência.
O Ceamo está localizado na Avenida Francisco Glicério, 1269, 6º andar, Centro. O horário de Atendimento é das 9h às 17h (de segunda a sexta-feira). Para entrar em contato por telefone os números são: (19) 3236-3619 / 0800 777 1050. O e-mail, ceamo@campinas.sp.gov.br.