ABRIL VERDE

Violações na saúde e segurança do trabalho disparam com aumento de 73,28%

Ministério Público do Trabalho (MPT) da 15ª Região recebeu 1.362 denúncias de irregularidades laborais no ano passado

Edimarcio A. Monteiro/ edimarcio.augusto@rac.com.br
03/04/2024 às 08:46.
Atualizado em 03/04/2024 às 08:46

Para os procuradores do Ministério Público do Trabalho (MPT) da 15ª Região, a precarização das relações de trabalho, resultante da legislação em vigor há sete anos, piorou a situação (Kamá Ribeiro)

O Ministério Público do Trabalho (MPT) da 15ª Região registrou um aumento nas denúncias de irregularidades relacionadas à saúde e segurança do trabalho na região de Campinas no ano passado, totalizando 1.362 casos, o que representa um aumento de 73,28% em relação às 786 denúncias de 2022. Este balanço, divulgado como parte das atividades do Abril Verde, mês dedicado à conscientização sobre a importância da prevenção e notificação de doenças ocupacionais, é embasado nos dados fornecidos pelo Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho (SmartLab), uma ferramenta que utiliza informações públicas e tecnologia para subsidiar a formulação de políticas públicas de prevenção.

O procurador Mário Antonio Gomes, coordenador regional de Defesa do Meio Ambiente do Trabalho e da Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (Codemat) do MPT, atribui esse aumento a diversas causas interligadas, destacando principalmente a precarização das relações de trabalho, resultante da legislação de terceirização em vigor há sete anos. A lei federal nº 13.429, de 31 de março de 2017, ampliou as possibilidades de contratação e prestação de serviços por terceiros, inclusive para atividades-fim das empresas. "Essas mudanças nas relações de trabalho foram prejudiciais", afirmou o procurador.

Gomes também aponta para a desestruturação do mercado de trabalho causada pela pandemia de covid-19 em 2020 e 2021, agravada pela subsequente crise econômica, resultando em mais competição por vagas de emprego. "As empresas querem produzir mais com menos", acrescentou o coordenador do Codemat, destacando que esse cenário intensifica as cobranças e pressões sobre os funcionários, expondo-os a um maior risco de acidentes e problemas de saúde.

REFLEXOS

Novas doenças identificadas como relacionadas ao trabalho, incluindo transtornos mentais, tornam-se evidentes em meio ao cenário de denúncias crescentes de irregularidades laborais. Segundo o procurador Mário Antonio Gomes, esses transtornos, embora sempre presentes, antes não eram associados ao ambiente de trabalho pelos trabalhadores.

Este panorama reflete-se no aumento dos atendimentos no Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest) de Campinas, órgão vinculado à Secretaria Municipal de Saúde e referência para oito cidades da região. O Cerest oferece uma gama de serviços, desde exames de identificação de doenças ocupacionais até orientações sobre direitos laborais, além de atendimentos psicológicos e fisioterápicos.

Christiane Sartori, coordenadora da Vigilância em Saúde do Trabalhador e Determinantes Ambientais da Saúde, destaca que o trabalho do Cerest vai além do atendimento individual, incluindo intervenções coletivas nos locais de trabalho em caso de acidentes recorrentes.

O aumento nos atendimentos é atribuído a uma ampla gama de condições, desde Lesões por Esforços Repetitivos (LER) ou Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT) até transtornos mentais, como ansiedade, estresse e depressão. Essas condições são muitas vezes desencadeadas por pressões excessivas, como metas inatingíveis impostas pelas empresas ou práticas de assédio moral por parte de superiores ou colegas de trabalho.

Os números revelam uma tendência preocupante. No âmbito da 15ª Região do Ministério Público do Trabalho, que engloba 599 municípios do interior de São Paulo e litoral paulista, as denúncias de doenças e acidentes de trabalho aumentaram em 65,14% no último ano. Passaram de 2.057 em 2022 para 3.387 em 2023, com uma média diária que saltou de 5,6 para 9,3 denúncias.

O procurador Mário Antonio Gomes ressalta casos extremos, como o dos motoristas submetidos a jornadas excessivas de trabalho, chegando a 16 ou 18 horas por dia. Para ele, essa sobrecarga inevitavelmente resultará em acidentes de trabalho. "O corpo não aguenta, uma hora vai resultar em acidente de trabalho", disse o procurador.

CASOS

"Esse aumento é muito grave e está ligado a precarização das condições de trabalho", disse o diretor de Saúde e Prevenção de Acidente do Sindicato dos Trabalhadores de Campinas e Região, Wilson Tourinho. Para ele, tão importante quanto fazer denúncias e dar apoio aos funcionários é atuar na prevenção. A entidade, explicou, tem parcerias com empresas e Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (Cipas) para fazer campanhas internas juntos aos funcionários, que incluem palestras de cuidados com a saúde e de importância de uso dos equipamentos individuais de segurança (EPIs).

As ações envolvem também fatores sazonais que colocam os funcionários em risco, como a atual epidemia de dengue em Campinas e a febre maculosa no ano passado, quando 17 casos foram registrados na cidade, com sete mortes. "Em algumas empresas que atuam em obras em áreas rurais, os trabalhadores passaram a usar roupa branca para facilitar ver o carrapato e um funcionário cuidava do outro, ficando de olho se via o inseto", explicou Tourinho. Ele se referiu ao carrapato-estrela, transmissor da febre maculosa.

O envolvimento com doenças e acidentes de trabalho podem desestruturar a vida de um trabalhador. "Eu não consigo me aposentar e não posso mais trabalhar", reclamou a ex-empregada doméstica Elaine Bezerra Siqueira. Ela sofreu rompimento de um nervo do braço direito ao ser derrubada pelo cachorro da casa onde trabalhava. O acidente de trabalho a levou a passar por cirurgia e perdeu 50% do movimento e da força da mão. Elaine Siqueira entrou com ações judiciais de indenização contra os ex-patrões e contra o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para se aposentar. O segundo processo ela até ganhou, mas o órgão federal ainda se nega a fazer o pagamento. Ontem, ela procurou a agência de Campinas para marcar uma nova perícia e tentar receber o benefício.

Hildebrando Martins Silvestre já passou duas vezes por essa situação. Aos 40 anos, perdeu a visão do olho direito devido ao descolamento de retina. De acordo com ele, os médicos atestaram que o problema foi provocado por fungos presentes em fezes de pombos e gatos da fazenda onde cresceu e trabalhou até sofrer a enfermidade. Apesar de ter recebido o auxílio-doença do INSS por oito anos, o benefício foi cortado e não conseguiu se aposentar.

Para sobreviver, montou um lava-jato. Tempos depois, sofreu um grave acidente com a motocicleta de um cliente, o que comprometeu o movimento da perna esquerda. "Estou tentando me aposentar de novo. Já ganhei na Justiça, mas o INSS recorreu. Se não sair, vou procurar a Defensoria do Trabalho", afirmou. 

Há casos também em que os problemas se repetem nas empresas. O Sindicato dos Metalúrgicos de Campinas e Região registrou no mês passado dois acidentes de trabalho no prazo de nove dias em uma metalúrgica de Indaiatuba. No dia 4, um trabalhador teve parte do polegar esquerdo decepado por uma máquina. No dia 13, uma operadora teve o polegar direito esmagado e chegou a ser internada em um hospital. De acordo com a entidade, os outros cinco funcionários do setor tiverem de continuar trabalhando, apesar do abalo emocional. Segundo ela, há seis anos a empresa se recusa a assinar a convenção coletiva, "deixando os trabalhadores sem as garantias conquistadas junto ao sindicato ao longo dos anos." 

Em janeiro, uma outra empresa da região foi condenada pela Justiça do Trabalho a cumprir as recomendações médicas e periciais de readaptação e reabilitação dos trabalhadores que retornam após afastamento por doença ou acidente de trabalho. Na ação civil pública movida pelo MPT e pelo Sindicato dos Metalúrgicos, a indústria foi acusada de tratar de forma discriminatória os funcionários vítimas de ocorrências. Segundo a entidade dos trabalhadores, o médico da empresa evita reconhecer o nexo entre as patologias apresentadas e o trabalho e emitir a Comunicação de Acidente de Trabalhador (CAT). "A CAT é o começo de tudo e é o que vai garantir os direitos dos trabalhadores", explicou o procurador do Trabalho Mário Antonio Gomes. O comunicado é o documento que informa ao INSS que o trabalhador sofreu acidente de trabalho ou suspeita-se que tenha adquirido uma doença de trabalho, devendo ser emitido um dia útil após a detecção da ocorrência.

Além das denúncias, o Ministério Público do Trabalho também registrou aumento nas soluções extrajudiciais a partir da celebração de Termos de Ajuste de Conduta (TACs). Em 2023, foram 442, contra 384 firmados em 2022, crescimento de 15,5%. Como consequência, o número de ações civis públicas ajuizadas na Justiça do Trabalho diminuiu de 146 em 2022 para 122 no ano passado. 

Durante o Abril Verde, estão previstas diversas iniciativas sobre esse tema, como seminários, audiências e iluminação de prédios e monumentos públicos. Além disso, será divulgada campanha nas redes sociais do MPT. "É uma iniciativa que busca congregar esforços para a implementação de uma cultura da prevenção, em que não só os direitos devem ser respeitados, mas a própria coletividade se beneficiará pela criação de um ambiente de bem-estar social, de respeito à pessoa humana e, também, de otimização dos recursos públicos", afirmou o procurador. "Isso passa, necessariamente, por um maior envolvimento dos empregadores, poder público e a sociedade civil como um todo", completou.

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