FALTA DE CONSCIÊNCIA

Vidro mal embalado fere coletores de material reciclável

Entidades apelam para que população proteja profissionais da exposição a materiais cortantes

Guilherme Ferraz/ Correio Popular
27/02/2021 às 14:04.
Atualizado em 22/03/2022 às 03:17
O coletor de lixo, Wadenson Denord, se cortou quatro vezes em três anos: "Tenho mais cortes do que anos de profissão. Infelizmente, os acidentes são quase que diários” (Diogo Zacarias/ Correio Popular)

O coletor de lixo, Wadenson Denord, se cortou quatro vezes em três anos: "Tenho mais cortes do que anos de profissão. Infelizmente, os acidentes são quase que diários” (Diogo Zacarias/ Correio Popular)

O coletor de material reciclável de Nova Odessa, Fedner Laguerre, sofreu um corte profundo na perna direita enquanto estava trabalhando na coleta, na semana passada. Ele não percebeu que um dos sacos de lixo estava cheio de cacos de vidros e cortou-se. Fedner foi levado ao pronto-socorro, onde levou seis pontos e teve que ficar afastado do trabalho por oito dias.

"Durante a correria do dia é muito difícil ficarmos olhando o que tem em cada saco de lixo. Já temos que correr muito para acompanhar o caminhão e ter cuidado com o trânsito. Naquele dia do acidente, eu não vi a hora que cortou, mas depois senti como se tivesse escorrendo água da minha perna e quando vi era sangue", relatou Fedner.

Segundo o coletor, que voltou a trabalhar ontem, sua perna ainda dói. Fedner disse que essa é a segunda vez que ele se corta no trabalho e que não deve ser a última, pois é pequena a parte da população que avisa sobre materiais perigosos no lixo.

"Voltei a trabalhar hoje e hoje mesmo peguei um saco cheio de cacos de vidro sem qualquer sinalização. Isso porque a minha perna ainda dói e estou mancando. Sinto como se tivesse cortado um ligamento. Têm pessoas que separam o lixo e até escrevem avisando sobre os vidros, mas infelizmente são muito poucas. As que não separam pensam que nós somos animais", afirmou.

Esse é apenas um dos muitos casos de acidentes com coletores de materiais recicláveis durante o trabalho. O colega de trabalho de Fedner, Wadenson Denord, diz que em três anos como coletor, se cortou quatro vezes. "Tenho mais cortes do que anos de profissão. Infelizmente os acidentes são quase que diários. Cada dia é um de nós. Já cortei mãos, braços e pernas, mesmo usando o material de proteção".

O ex-presidente da Associação de Cooperativas de Reciclagem de Campinas e um dos coordenadores da cooperativa Remodela, José Carlos de Souza, diz que já viu muitos acidentes por descarte equivocado e por isso tenta conscientizar a população sobre a importância de se desfazer do lixo da forma correta.

"A gente pede sempre para as pessoas não apenas limparem e separarem o material reciclável, mas principalmente embrulharem o lixo cortante. É tão fácil, não custa cortar uma garrafa pet, colocar os vidros dentro e deixar um bilhete avisando", solicita.

O gerente comercial e morador do bairro Chácara Primavera, em Campinas, Julio Cesar Ferraz, é uma das pessoas que se preocupa com a saúde dos coletores e sempre que vai descartar algum objeto cortante prepara o lixo antes de colocar para fora.

"Sempre embalo o material quebrado em papéis, coloco em uma caixa de papelão e ainda escrevo avisando sobre o risco. Não me custa nada fazer isso. Tanto para os coletores das empresas privadas, mas principalmente para o pessoal que passa apalpando lixo por lixo para saber qual material é, para conseguir seu sustento, pois muitas vezes essas pessoas não tem nenhum material de proteção", declara.

O coletor de material reciclável de Nova Odessa, Fedner Laguerre: "Voltei a trabalhar hoje e hoje mesmo peguei um saco cheio de cacos de vidro”

Lado social

Segundo a Prefeitura de Campinas, atualmente são recolhidas 1.200 toneladas de lixo domiciliar por dia na cidade, porém apenas 2% desse material é reciclado.

Para o economista ambiental, Tairi Tonon, em relação aos resíduos, a quantidade que o Brasil envia aos aterros sanitários representa uma perda de bilhões de reais por ano, pois o lixo nada mais é do que algo que uma pessoa julga ser descartável, só que aquele material pode ser considerado um insumo para outros processos produtivos.

"Os materiais recicláveis poderiam voltar para o processo produtivo e o material orgânico poderia ser usado em uma compostagem para geração de biogás. Tem muito material no lixo que tem valor econômico muito grande, mas infelizmente a cadeia de reciclagem no Brasil está longe de ser 100%", afirma o especialista.

Tairi diz que seria necessário ser feito um trabalho de conscientização nas pessoas sobre a importância de se reciclar o lixo, tanto para conservação do meio ambiente quanto pelo valor econômico.

"Em muitas cidades há programas de reciclagem, mas não tem para onde escoar esse material, porque não tem empresas para comprar. Toda uma cadeia que deveria ser remanejada para ter esse benefício econômico. O lixo precisa de um incentivo educativo, para ter melhor reciclagem, e incentivo na área econômica para dar vazão a esse material, declara".

O economista ambiental opina dizendo que em relação à questão social, o lixo representa um problema muito grande. Algumas cidades do Brasil ainda possuem lixão, que são locais totalmente sem estrutura apropriada para receber e cuidar desse material.

"Os lixões se tornaram um problema de saúde pública, pois parte da população depende desse material. Sem falar que em muitas cidades a população faz o armazenamento errado desses materiais. Isso representa riscos para os coletores, pois eles podem contrair muitas doenças e outros problemas de saúde por manejar esse material que não está armazenado da forma correta", comenta.

Tairi diz que o lixo é uma variável que caso tenha investimento, resolverá uma série de problemas. "Então percebemos que caso não se dê uma solução para o lixo, ele se torna um problema social, ambiental e econômico. O corte de um catador de lixo, a poluição ambiental e a disponibilização de insumos para produção", conclui.

Mil toneladas de resíduos recolhidos

Em 2020, foram recolhidas mais de 1.000 toneladas de lixo nas margens das principais estradas do Estado de São Paulo que cortam a região de Campinas, segundo as concessionárias que administram as rodovias. Se em 2019 o material reciclável recolhido nas rodovias Anhanguera, Bandeirantes, Santos Dumont e no corredor Dom Pedro passou das 1.500 toneladas, no ano passado esse número caiu cerca de 50%.

A quantidade, ainda preocupante, está diminuindo. As duas principais razões para isso são a conscientização dos novos condutores e aumento do trabalho de coleta.

Segundo a gerente de Qualidade e Meio Ambiente da Autoban, Egle Humpreys, a conscientização dos recém-habilitados é fundamental para a diminuição do lixo nas margens das rodovias. "Esses novos condutores foram educados a não simplesmente jogarem seu lixo pela janela, mas sim a esperar e descartarem nos locais corretos".

A universitária e recém-habilitada, Rebeca de Oliveira Dias, 21 anos é uma das jovens preocupadas em manter o meio ambiente limpo. "Tirei minha habilitação no dia 7 de janeiro desse ano, uso o carro para ir ao meu estágio e pego estrada todos os dias. Não jogo lixo pela janela de forma alguma. Primeiro pela conservação e não poluição do meio ambiente e segundo porque pode causar acidentes."

Egle conta que o volume recolhido de lixo ainda é alto principalmente pelas ocupações às margens das rodovias, mas que o lixo retirado das das rodovias Anhanguera e Bandeirantes têm destinos corretos e que esse trabalho ajuda muitas pessoas. "O material orgânico vai para os aterros sanitários e o material reciclável vai para as cooperativas."

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