Morador de rua transformam locais em abrigos improvisados nos cinco viadutos da avenida
Panos formam a parede de um barraco improvisado por morador de rua sob o viaduto, em cruzamento da avenida Lix da Cunha com Alberto Sarmento (César Rodrigues/AAN)
Os cinco viadutos que passam sobre os 4,4 km da Avenida Lix da Cunha, entre a região central de Campinas e a Rodovia Anhanguera, tornaram-se abrigo de moradores de rua. Em alguns casos, pequenas casas equipadas com camas e até “guarda-roupas” foram montadas sob as pontes. Em outros, os abrigos recebem mendigos itinerantes. Em comum, todos apresentam um cenário deprimente. A revelação é mais um ingrediente da deplorável situação de zumbis humanos que vivem perambulando pelo Centro de Campinas sem eira nem beira, à mercê da criminalidade, do tráfico e do consumo de drogas como o crack.
Diariamente passam pela avenida cerca de 43 mil veículos nos dois sentidos. O movimento de pedestres também é intenso, mas está restrito às estações de transferência e pontos de ônibus, na altura da Avenida Alberto Sarmento, do Balão do Tavares e do trevo da Anhanguera. A circulação de pessoas pode até causar algum incômodo, mas não impede que os moradores de rua instalem suas casas ou busquem abrigo sob os viadutos. Os locais escolhidos ficam nos pontos mais altos, quase inacessíveis, por uma questão de segurança. Eles vão ao local à noite para dormir e, durante o dia, saem para tomar banho, procurar comida ou pedir dinheiro nos semáforos mais próximos.
Na altura da Avenida Alberto Sarmento, há sinais da presença de moradores nos dois sentidos da via. Em um deles, no sentido Campinas, um barraco foi montado com cobertores, lençóis, lonas e papelão. No que foi transformado em quintal da casa, há uma vassoura, pedaços de fio e algumas sacolas com latinhas de alumínio. No interior do barraco, uma cama, restos de alimentos e uma cômoda com algumas peças de roupa dão sinais de que uma pessoa esteve no local há pouco tempo. No sentido contrário do viaduto, roupas, papelões e pedaços de madeira para acender o fogo à noite também indicam que o lugar é habitado.
Próximo à estação de Transferência do Balão do Tavares há dois viadutos com habitações improvisadas também nos dois sentidos da Lix da Cunha. Em um deles, um colchão, pedaços de papelão, cobertor, brinquedos e um pote com restos de comida indicam que alguém passou a noite lá. No outro, a cerca de 100 metros, há apenas um sofá. A cena se repete em todos os pontilhões ao longo da importante via. Quando não há um barraco equipado, há pelo menos um pedaço de papelão, um cobertor ou as cinzas que restaram do fogo aceso para aquecer a noite gelada.
Todas as casas visitadas estavam vazias, mas não precisou ir tão longe para encontrar pelo menos dois de seus moradores pedindo dinheiro nos semáforos das vias paralelas à Lix da Cunha. Diego Marcelo de Moraes, de 26 anos, dono do sofá, não sabe precisar há quanto tempo vive no local, mas diz que procura alternar o endereço por questão de segurança. Ele conta que passa o dia na rua pedindo dinheiro para comer e chega a conseguir R$ 50,00 por dia no semáforo. Mas o dinheiro também é usado para o consumo de álcool e crack. Sem documento, ele diz que não consegue encontrar emprego e que, atualmente, deseja comprar uma passagem de volta para a cidade onde mora o irmão, em Serra Negra.
Segurança
Os comerciantes e moradores afirmam que a presença constante de moradores de rua afasta os clientes e traz insegurança para a região. “Alguns deles não mexem com ninguém, mas tem outros que brigam, que entram na loja, furtam o balcão e acabam incomodando os clientes”, diz a comerciante Silvana do Nascimento. Segundo ela, a presença dos moradores de rua no local aumentou com a mudança da rodoviária. “Depois que tiraram a rodoviária, muitos vieram para cá. Antes era menos, a gente quase não via.”
Já Wagner dos Santos, que mora na Avenida Marechal Rondon, paralela à Lix da Cunha, diz que a população de rua na região aumentou depois da construção do corredor de ônibus. “A Prefeitura vem às vezes e tira, mas eles voltam depois”, afirma.
Ele conta que foi assaltado três vezes na região, mas não atribui as ações aos moradores de rua. “O que mais prejudica a segurança aqui é o fato de ter um ponto de ônibus na frente da minha casa e de estar ao lado de uma viela. Se tem alguém no ponto não dá para identificar se está esperando o ônibus ou se está planejando um assalto”, disse.
A Secretaria Municipal de Segurança informou que realiza o patrulhamento de rotina diariamente no local em horários aleatórios e que não pode atuar em relação aos moradores de rua a menos que estes cometam algum ato ilícito. Informou que se trata de uma questão assistencial.
A assistente social Marilda Bonçalves Paim, chefe do Centro de Referência para a População em Situação de Rua, diz que o serviço de abordagem social percorre esses pontos, mas não tem respaldo legal para tirar ninguém a força. A abordagem, segundo ela é para sensibilizá-los a deixar a rua, oferecendo apoio.
“Nós providenciamos a documentação e tentamos fazer com que acessem outras políticas. Se for um dependente químico, fazemos o encaminhamento para o Caps (Centro de Atenção Psicossocial), tentamos reatar os vínculos familiares. Os que não aceitam ajuda para sair da situação em que estão, a gente volta outras vezes para ir sensibilizando”, afirmou. Marilda ressaltou que a Avenida Lix da Cunha faz parte do itinerário de abordagem social, mas atualmente não está com data agendada.
SAIBA MAIS
A última contagem da população que vive em situação de rua no município de Campinas, feita pela Prefeitura em fevereiro deste ano, aponta que há 601 pessoas vivendo nas ruas, em migrantes, itinerantes, aqueles que buscam seu sustento nas ruas e os que moram em abrigos. Desse total, 518 são do sexo masculino, o correspondente a 86%, e 83 do sexo feminino.