CRISE NA CÂMARA

Vereadores de Campinas se mobilizam por saída imediata de Zé Carlos

Áudios de suposto esquema de propina ampliaram movimento por afastamento

Rodrigo Piomonte
24/09/2022 às 09:28.
Atualizado em 24/09/2022 às 09:28
Presidente da Câmara Municipal, José Carlos Silva, o Zé Carlos, é alvo de investigações no Ministério Público por suspeita de pedido de propina em contratos no Legislativo e também no caso de rachadinha (Kamá Ribeiro)

Presidente da Câmara Municipal, José Carlos Silva, o Zé Carlos, é alvo de investigações no Ministério Público por suspeita de pedido de propina em contratos no Legislativo e também no caso de rachadinha (Kamá Ribeiro)

A divulgação dos áudios que escancarou o esquema de pedido de propina para renovação de contratos de empresas terceirizadas que prestam serviço à Câmara Municipal de Campinas na gestão do atual presidente na Casa o vereador José Carlos Silva (PSB), o Zé Carlos, deixou praticamente insustentável a permanência do parlamentar à frente do Legislativo campineiro. Há vereadores que anunciam a mobilização para afastamento imediato do presidente da Câmara, outros pretendem instaurar uma CPI para apurar todos os contratos legislativos, e o Ministério Público informou na sexta-feira (23) que está realizando as diligências pendentes para concluir as investigações de suspeita de corrupção passiva na Câmara.

"Com a divulgação dos áudios que indicam prática de corrupção passiva na Câmara, as bancadas do PT e do PcdoB defendem o afastamento imediato do vereador Zé Carlos da presidência do Legislativo campineiro. As bancadas definirão suas ações conjuntamente e defendem uma rigorosa apuração dos fatos e o amplo direito de defesa dos envolvidos", diz o trecho da nota assinada por vereadores do PT e PcdoB. O líder da bancada do PT, vereador Cecílio Santos, disse que os parlamentares se reunirão para definir os próximos passos.

Para a vereadora Paola Miguel (PT), ficou insustentável a permanência de Zé Carlos na presidência da Casa. "Defendíamos a investigação e, agora, com os indícios de corrupção passiva, é necessário uma providência. Estamos discutindo qual o melhor caminho. Vamos acionar também a Corregedoria da Câmara e a CPI não está descartada."

O vereador Zé Carlos e seu assessor Rafael Creato são investigados pelo Ministério Público por cobrança de propina de prestadores de serviço. Zé Carlos ainda enfrenta uma outra investigação de suposta prática de 'rachadinha', quando o parlamentar confisca parte do dinheiro de assessores.

Abertura de CPI

Em paralelo ao pedido de afastamento feito pelas bancadas do PT e do PCdoB, outros parlamentares defendem a abertura de uma CPI para investigar todos os contratos de empresas terceirizadas da Câmara. Esse pedido está capitaneado pela bancada de direita da Câmara, com o vereador Nelson Hosrri (PSD). Hosrri e o vereador Marcelo Silva (PSD) também apelaram à Justiça pela retirada de Zé Carlos da presidência da Câmara.

"Com esses áudios, não existe a menor possibilidade de Zé Carlos permanecer presidindo a Câmara. A corrupção passiva está consumada. Vou fazer o pedido para colher as assinaturas para a CPI. Agora, quem não assinar está aprovando esse escândalo", disse Hosrri.

Apesar da pressão das bancadas de esquerda pelo afastamento de Zé Carlos, a maioria não assinou a CPI que quer investigar as denúncias.

A resistência em assinar a CPI pode estar ligada aos proponentes, que são vereadores de direita: Marcelo Silva (PSD), Nelson Hossri (PSD), Major Jaime e Paulo Gaspar (Novo). Dois deles, Marcelo Silva e Nelson Hossri, são parlamentares que têm feito enfrentamento muito grande contra os vereadores da esquerda.

Até agora, a CPI teve seis assinaturas - além dos quatro vereadores de direita, mais duas dos vereadores do PSOL, Paulo Búfalo e Mariana Conti. Com a participação da bancada do PT e PCdoB, a CPI somaria dez votos, faltando um para poder ir a plenário para ser votada.

Além do encalço do Ministério Público e de vereadores, a permanência de Zé Carlos no cargo ainda enfrenta o seu próprio partido — o PSB —, que disputa as eleições e vê desgastes com a proporção que o caso de corrupção está tomando.

Áudios

O esquema de corrupção no Legislativo partiu de uma operação do Ministério Público que revelou tentativa de extorsão contra um empresário responsável pela empresa que opera a TV Câmara e que foi responsável pelas gravações. Os alvos da operação do MP são o presidente do Legislativo, Zé Carlos (PSB) e o subsecretário de Relações Institucionais da Casa, Rafael Creato. Ambos aparecem nas gravações, feitas pelo empresário. Ao todo, foram gravados oito áudios.

Em um deles, inclusive, Zé Carlos, pergunta se está sendo gravado e pede para o empresário tirar o relógio. "Eu vou fechar aqui, a única coisa que eu quero que você faça: tira o relógio, tira o celular. Vou deixar o meu aqui também. É conversa de amigos", mostra trecho do áudio.

Ainda de acordo com as gravações, as conversas ocorreram em reuniões no gabinete e em locais fora da Câmara. Em um dos primeiros encontros, Zé Carlos fala sobre a necessidade de rever o contrato para diminuir custos. "Eu tenho tempo para fazer uma licitação, eu tenho, tenho quatro meses, eu não quero fazer se você me ajudar. Eu posso fazer essa licitação no ano que vem, se a gente não se acertar. Eu não quero prejudicar. Eu quero saber o que nós podemos melhorar", diz o áudio, que indica a intenção de incluir no contrato da TV outras despesas de serviços utilizados na operação da televisão.

Em outro trecho do áudio, em uma conversa entre Rafael e o dono da empresa, o subsecretário diz que, avaliando a proposta de uma nova licitação ou prorrogação do contrato, pergunta o que o empresário poderia oferecer para continuar sendo o prestador de serviço. Eles chegam até a citar a possibilidade de cobrança de horas, no valor de R$ 1,1 mil e redução de salário da equipe da TV para poder "transferir a quantia". O subsecretário da Câmara insiste e diz que Zé Carlos quer saber qual seria a contraproposta da empresa e de que forma o empresário poderia ajudar. "Ele (presidente) quer saber qual seria a contraproposta para manter e de que forma a empresa pode fazer para ajudar. Há uma pressão", diz no áudio.

Em outro trecho da conversa com o subsecretário, o empresário pergunta o que poderia oferecer e questiona se Zé Carlos falou em algum valor. "Ele (Zé Carlos) passou o valor?" O subsecretário disse que não.

A proposta para conseguir financiar o pagamento de propina seria tentar aumentar o número de horas do contrato da TV. No trecho do áudio, o empresário disse que o contrato estava no limite e que haveria necessidade de aumentar o número de horas. "Vou tentar trabalhar e sobrar a gordura para eu dizer: Isso não é meu", diz.

Em outro trecho, o empresário ainda afirma que a estratégia de cobrar horas a mais no contrato não daria certo porque os fiscais da Câmara suspeitariam que o Legislativo estavam pagando horas desnecessárias.

Em um outro áudio, onde ainda tentam uma definição do valor da propina, o vereador Zé Carlos atribui um número "800" possivelmente como sendo um valor a ser pago pelo prestador de serviços para a manutenção do contrato na TV Câmara, no valor de R$ 4,7 milhões. O empresário diz que quer continuar com o contrato e permanecer parceiro, ressaltando "que conhece como funciona o esquema na Câmara".

Ele justifica que a retirada de acúmulo de funções dos funcionários também prejudicaria o serviço. A retirada do acúmulo de funções seria uma alternativa para sobrar o dinheiro que seria repassado ao presidente da Câmara.

Em outro trecho, o empresário afirma que nunca pagou propina e diz que sabe que poderia perder o contrato. "Eu sei que posso perder o contrato, mas eu não vou pagar. Eu declino. Eu não sei qual o porte dessa empresa que ofereceu R$ 1 milhão para o presidente, mas eu não consigo", diz outro trecho.

No total, o empresário gravou oito conversas dos encontros com Zé Carlos e o advogado Rafael Creato.

Todo o material foi apreendido pela Operação Lambuja, do Grupo de Ação e Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público. Os promotores fizeram busca e apreensão na casa do vereador Zé Carlos e de Rafael Creato. Segundo informações do Ministério Público, que segue investigando o caso, o teor dos áudios indica prática criminosa. Conforme o MP, foi oferecida a vantagem e houve recusa no pagamento da propina desejada pelos investigados. De acordo com o MP, o pedido de vantagem já configura um crime de corrupção passiva consumado.

Defesa alega sigilo judicial para não se manifestar 

O advogado do vereador Zé Carlos, Ralph Tórtima Filho, foi procurado na noite de ontem e informou que "tanto a defesa quanto o vereador José Carlos, em respeito ao sigilo judicial decretado, deixarão de se manifestar publicamente quanto aos áudios divulgados, somente o fazendo formalmente nos autos da investigação".

O advogado Haroldo Cartella, que atua na defesa do advogado Rafael Creato, subsecretário de Relações Institucionais da Câmara, informou que ficou surpreso com a divulgação dos áudios, que estavam sob sigilo judicial, e que seu cliente vai comprovar sua inocência por meio de documentos assim que for chamado para prestar esclarecimento pelo Ministério Público.

A Câmara Municipal informou, por meio da assessoria de imprensa, que a assessoria jurídica pessoal do vereador Zé Carlos é que responde em nome do parlamentar, alegando que as denúncias não estão relacionadas à Casa de Leis. Apesar dos fatos que esquentaram o clima na cidade, ontem o presidente da Câmara esteve no Legislativo e as informações são de que ele se mantém no cargo. A Câmara terá apenas uma sessão na próxima semana, segunda-feira, devido às eleições, com Zé Carlos até então presidindo.

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