Acompanhado de outros governadores, João Doria mostra a Coronavac, motivo da polêmica: testes na fase 3 têm voluntários em Campinas (Divulgação)
O presidente Jair Bolsonaro acusou ontem o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), de fazer um "jogo político" quanto às negociações para compra de uma vacina contra a Covid-19. O chefe do Executivo afirmou que Doria distorceu as palavras do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, em videoconferência realizada anteontem, na qual foi assinado protocolo de intenção para compra de vacinas de origem chinesa, que seriam produzidas no Brasil pelo Instituto Butantan e que atualmente são testadas por voluntários em Campinas. "É um jogo político que, lamentavelmente, parece que ele (Doria) só sabe fazer isso. Parece que é a última cartada dele na busca de popularidade e de resgatar tudo aquilo que ele perdeu durante a pandemia", disse o presidente em conversa com jornalistas em visita ao Centro Tecnológico da Marinha, em Iperó (SP). Bolsonaro destacou na entrevista que está "afinado" com Ministério da Saúde e que vacinas sem comprovação estão descartadas, informações além disso seriam "especulações". "Grande parte das decisões tomadas pelo senhor João Doria não batiam com aquelas que eu gostaria de tomar caso eu não fosse tolhido pela Justiça", disse. Aliados durante a campanha de 2018, desde o início da pandemia, Bolsonaro e Doria têm divergido quanto às medidas de prevenção e combate à Covid-19. A última desavença, intensificada na semana passada, envolveu a vacina contra a doença. Doria defende a vacinação obrigatória, enquanto Bolsonaro tem dito que a imunização será voluntária. O chefe do Executivo disse ainda que tem "zero" diálogo com o governador. "Eu não converso com uma pessoa que usou meu nome por ocasião das eleições e poucos meses depois começou a me atacar visando me desgastar e assim atrapalhar a política brasileira, pensando numa futura eleição", disse. E acrescentou: "Não dá para conversar com esse tipo de gente que não tem qualquer responsabilidade com a vida do próximo, a não ser consigo próprio." Cancelamento O presidente Jair Bolsonaro mandou cancelar o protocolo de intenções assinado na terça-feira, pelo Ministério da Saúde, para a aquisição de 46 milhões de vacinas da farmacêutica chinesa Sinovac, a Coronavc. Bolsonaro destacou que está "perfeitamente afinado com o Ministério da Saúde trabalhando na busca de uma vacina confiável". "Nada será despendido agora para compraremos uma vacina chinesa, que desconheço, mas parece que nenhum país do mundo está interessado nela. Pode ser que tenha algum país aí. Agora, as vacinas têm que ter comprovação científica, diferente da hidroxicloroquina", declarou. Anvisa afirma que o importante é qualidade e não origem O presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antônio Barra, garantiu ontem não estar preocupado com a origem das candidatas à vacina contra o coronavírus, e sim com sua qualidade, segurança e eficácia. Barra também negou que a autarquia possa passar por influências externas nos processos de avaliação de eficácia das vacinas contra a covid-19. Segundo ele, ainda não há data predefinida para conclusão dos estudos clínicos ou concessão de registro a qualquer um dos quatro imunizantes em desenvolvimento no País contra o novo coronavírus: de Oxford, da Sinovac (Coronavac), da Biontech e Wyeth/Pfizer e da Jansen-Cilag. Doria pede 'grandeza' para liderar o País O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), rebateu as declarações do presidente da República, Jair Bolsonaro, e pediu a ele "grandeza para liderar o País para a saúde". O tucano pediu ainda que ele respeite seu ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. "A vacina do Butantã é a vacina do Brasil, de todos os brasileiros", disse. O medicamento, em fase de testes contra a Covid-19, é desenvolvido pela chinesa Sinovac e o Instituto Butantã. Doria fez um discurso no Senado, acompanhado de alguns parlamentares, inclusive o deputado General Peternelli (PSL-SP) da base do governo federal. Antes das declarações, o grupo fez fotos com amostras da vacina Coronavac nas mãos. O diretor do Instituto Butantã, Dimas Covas, acompanhou a coletiva. Doria mais uma vez rebateu o governo e questionou então se todos haviam entendido errado a mensagem e ressaltou que em nenhum momento foi dito que a vacina já estava aprovada. "Esperamos que a posição do ministro expressa ontem (terça-feira) seja a do governo Bolsonaro", disse. O tucano disse que sempre defendeu o desenvolvimento de todos as vacinas e que o Brasil não pode estar numa corrida pelas vacinas e sim pela vida. "Como pai desejo que meus filhos tomem a vacina", disse. "Não é processo eleitoral que salva, é vacina", completou. Governadores criticam decisão de cancelar o acordo Governadores de diferentes partidos e regiões do País criticaram a decisão do presidente Jair Bolsonaro de suspender o acordo de compra da vacina Coronavac, desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantã. Eles defenderam o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, classificaram a decisão de "política, eleitoral e ideológica" e cogitaram até acionar a Justiça para que os Estados tenham acesso a todas as vacinas. Nas redes sociais, ao menos nove governadores já se pronunciaram de forma crítica contra a decisão do presidente. O governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), afirmou que Bolsonaro só pensa em "palanque e guerra" e quer fazer uma "guerra das vacinas". Ele defendeu a credibilidade do Instituto Butantã. "É um patrimônio do povo brasileiro, fundado há mais de 100 anos, e merece respeito." Na mesma linha, Paulo Câmara (PSB), governador de Pernambuco, afirmou que "a influência de qualquer ideologia em temas fundamentais, como a saúde, só prejudica a população". Em um vídeo publicado no Twitter, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), declarou que a escolha da vacina "deve ser eminentemente técnica, e não política". Renato Casagrande (PSB), governador do Espírito Santo, foi mais um a se posicionar nesse sentido ao pontuar que "não há espaço para discussão sobre assuntos eleitorais ou ideológicos" nesse contexto. Já o líder do Ceará, Camilo Santana (PT), disse que "não se pode jamais colocar posições ideológicas acima da preservação de vidas". "Que o governo federal guie suas decisões sobre a vacinada da Covid por critérios unicamente técnicos", disse. Depois de Bolsonaro acusar o ministro da Saúde de traição mais cedo em uma publicação nas redes sociais, o governador da Bahia, Rui Costa (PT), defendeu que Pazuello "tomou medida sensata de garantir acesso à vacina de qualquer país para salvar vidas". Costa prestou "total solidariedade" ao ministro, afirmando que "o presidente não pode desmoralizá-lo e desautorizá-lo".