CRISE NA SAÚDE

UPA São José vive situação crítica

Funcionários e usuários dizem que faltam medicamentos e até itens básicos, como esparadrapos

Letícia Guimarães
01/02/2018 às 22:09.
Atualizado em 22/04/2022 às 09:36
Cadeiras da área de espera em péssimo estado; há problemas também na manutenção de banheirosr
 (Dominique Torquato/AAN)

Cadeiras da área de espera em péssimo estado; há problemas também na manutenção de banheirosr (Dominique Torquato/AAN)

A Unidade de Pronto Atendimento (UPA) São José, no bairro Jardim das Bandeiras, em Campinas, uma das mais movimentadas da cidade, está sucateada. Segundo funcionários, faltam desde itens básicos, como esparadrapo, remédio para hipertensos, roupas de cama e banho, camisolas para pacientes, cadeiras de rodas, macas, papel sulfite para fichas de pacientes e pessoal para reforçar as escalas de trabalho. Além do que falta, há equipamentos e estruturas quebrados, como cadeiras de rodas, camas, ventilador, cadeiras para espera e ventilador, além do encanamento do banheiro, que frequentemente tem problemas. Em um esforço para manter a unidade funcionando, trabalhadores pedem doações à população e às vezes acabam usando dinheiro do próprio bolso para comprar insumos. De acordo com funcionários que não quiseram se identificar por medo de represálias, a unidade está sobrecarregada, fazendo cerca de 400 atendimentos diários. “Após o fechamento da UPA Centro, no final de 2016, a população passou a vir no São José, que passou de cerca de 170 atendimentos por dia para 400. Isso se soma à redução do quadro de pessoal: antes eram quatro enfermeiros por período, agora são três, além de redução das horas extras, por exemplo”, explicou o servidor. A Prefeitura confirmou o volume de atendimentos informado pelo homem, e citou que “desde 2013, foram contratados mais de 4,5 mil profissionais, sendo que cerca de 2,5 mil foram para a rede municipal de Saúde, para a recomposição das equipes das unidades”. Com a sala de espera lotada, é comum que a população precise esperar certo tempo para ser atendida. Um dos gargalos, de acordo com uma servidora, a sala de medicação onde os pacientes tomam soro na veia é pequena e não comporta a demanda. Quem presenciou isso foi a autônoma Maria da Paz Santiago de Araújo, de 48 anos, que acompanhava o marido que sentia dores na coluna. Ela conta que ele chegou ao local com muita dor, mas teve que esperar para receber a medicação, já que a sala estava cheia. “A pessoa chega morrendo de dor e tem que aguardar desocupar a sala para tomar o remédio com o soro. Enquanto isso, fica lá, sofrendo. E ainda tem que tomar o soro sentado, porque não tem maca”, afirmou. Ela também conta que o local está superlotado e que a falta de mais médicos para atender a população é uma questão constante. A empregada doméstica Neuza Alves, de 46 anos, também precisou receber remédio com soro para aliviar as dores que sentia na tarde de ontem. “Tive que ficar sentada tomando soro porque não tinha como deitar. Ainda ouvi avisarem que tinha pouco esparadrapo. Está difícil a situação, estão atendendo a população da forma que dá”. Um funcionário lamentou o fato, mas afirmou que esta é a única maneira de dar andamento aos atendimentos. “Tem que esperar liberar vaga para o soro, não dá para colocar um paciente sentado no colo de outro”, disse. Os funcionários relatam que as macas da UPA estão, na maioria, quebradas, e que não há roupas de cama, banho e nem camisolas para vestir os pacientes. “A gente precisa pedir para os familiares do paciente trazerem de casa. Nós pedimos à população também para doar roupas, porque quando chega um paciente aqui que está com a roupa ensanguentada, por exemplo, não tem avental para colocar nele, então usamos as roupas doadas para vesti-los”, disse uma trabalhadora do local. Bernadete Rocha, de 48 anos, cuidadora de idosos, esteve na tarde de ontem na UPA São José acompanhando o filho a bordo de uma ambulância. Ele havia passado mal em casa e desmaiou. “Ele chegou aqui e já foi atendido, mas como estava com o corpo muito gelado, perguntei aos funcionários se tinha algo para eu cobrir ele. Me disseram que não havia nem lençol, e tive que voltar para a minha casa lá no Parque Industrial para pegar uma coberta”, disse. A mulher conta ainda que, como as macas disponíveis estavam quebradas, ele precisou ficar deitado na maca da ambulância em que foi levado. O equipamento é do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), e de acordo com um funcionário do serviço, é comum que as macas fiquem ‘emprestadas’ na unidade. “A gente deixa o paciente aqui com a maca e pega outra de alguma ambulância que esteja em manutenção para usar, e depois a gente vem buscar a que ficou”, explicou o homem. Pacientes que chegam sem conseguir andar precisam ‘dar sorte’ de encontrar uma cadeira de rodas vaga. Na UPA São José são apenas duas, ambas quebradas: uma delas remendada com faixas e a outra só anda de ré. A aposentada Cleuza Aparecida da Silva, de 60 anos, chegou ontem na unidade com uma fratura no pé, levada pelo filho. Como as duas cadeiras de rodas estavam ocupadas, ela teve que entrar pulando em um pé só, amparada pelo filho e pelo segurança do local. Após passar pelo exame de Raio-X, ela deixou a UPA da mesma forma, pulando e sendo segurada pelo filho e pelo pipoqueiro que trabalha em frente ao local. “É um absurdo não ter cadeira de rodas. Além disso, mediram a minha pressão, viram que estava elevada, mas não tinha remédio. Como vou para o Hospital Mário Gatti para engessar, vou ter que ser medicada lá”, explicou. Por meio de nota, a Secretaria de Saúde informou que faz periodicamente a manutenção das unidades da rede e que hoje uma equipe irá ao local para verificar a situação dos banheiros da recepção do local. Com relação ao mobiliário, a pasta está providenciando a compra para a reposição, e a respeito dos enxovais, “não há falta destes materiais no almoxarifado geral”. “O ventilador citado é utilizado em pacientes entubados e está funcionando normalmente”, segundo a Administração. A presidente do Conselho Municipal de Saúde, Maria Haydée de Jesus Lima, afirmou que a situação de penúria não é exclusividade da UPA São José. Entretanto, o caos na unidade é de relevância, segundo ela, já que muitas pessoas procuram atendimento no local. “Nós coletamos denúncias com a população, discutimos em reuniões e submetemos à Secretaria de Saúde, mas o secretário (Cármino de Souza), que já não vai aos encontros há mais de dois anos, ignora e às vezes até desqualifica as queixas”, lamentou. A Secretaria informou em nota que “está sempre aberta a receber e discutir com os conselheiros de Saúde as reivindicações referentes a área”. Mobilização Os funcionários tentam fazer o que podem para manter o atendimento à população. De acordo com os servidores, eles tentam, inclusive, mobilizar a população para ajudar com doações. Uma funcionária conta que é preciso pedir contribuição para a comunidade para poder comprar folhas sulfite, que são usadas para fazer as fichas dos pacientes. Eles também pedem a doação de roupas usadas para poder vestir pacientes que chegam com a roupa suja. Alguns trabalhadores do local chegam a usar dinheiro do próprio bolso para comprar alguns itens, como, por exemplo, pilhas para o medidor de pressão arterial. Na última terça-feira, uma funcionária do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) relatou à reportagem do Correio Popular que foram instruídos por profissionais da UPA São José para não enviar pacientes para o local. O motivo seria a falta de esparadrapo para fazer curativos e fixar o equipo, um acessório usado para administração de medicamentos na veia. Apesar de a Prefeitura negar a informação, trabalhadores da unidade informaram que há pouco esparadrapo, e acabam utilizando bandagens como alternativa quando o material falta. Ontem, um dos funcionários comprou esparadrapos com o próprio dinheiro para não comprometer o atendimento dos pacientes. A Prefeitura afirma que “o estoque dos itens de consumo já foi reposto e não houve prejuízo no atendimento aos pacientes”. Também faltam remédios básicos para a população, como os para baixar a pressão e diurético, além de ácido acetilsalicílico (AAS) para pessoas que chegam com infarto, por exemplo. No site da Secretaria de Saúde de Campinas, há uma lista atualizada no último dia 19 com os medicamentos que faltam na rede municipal. Ao todo, são 23 fármacos em falta, entre eles antidepressivos, antibióticos, contraceptivos, remédio para Mal de Parkinson, vermes, asma, entre outros. No próprio site há um aviso, justificando que “medicamentos padronizados podem ficar temporariamente indisponíveis por diferentes motivos: indisponibilidade de produção, dificuldades de fornecedores atenderem aos quantitativos necessários, licitações fracassadas, contingenciamento de recursos, etc. Todos os esforços são envidados pelas equipes técnicas e administrativas para a regularização o mais rapidamente possível do abastecimento”. Ainda há a instrução à população no aviso de que alguns dos medicamentos em falta podem ser encontrados na rede Aqui Tem Farmácia Popular.

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