CLIMA EXTREMO

Unicamp revela que cidade ficou 1,2ºC mais quente em 34 anos

Mudanças climáticas afetam Campinas e média das temperaturas máximas

Edimarcio A. Monteiro/ [email protected]
09/08/2023 às 08:46.
Atualizado em 09/08/2023 às 08:46
Pesquisa aponta tendência de elevação década após década; na de 1990, a média da máxima ficou em 27.9˚C, subiu para 28,3˚C na de 2000 e fechou em 29˚C na de 2010 (Kamá Ribeiro)

Pesquisa aponta tendência de elevação década após década; na de 1990, a média da máxima ficou em 27.9˚C, subiu para 28,3˚C na de 2000 e fechou em 29˚C na de 2010 (Kamá Ribeiro)

Campinas registrou aumento de 1,2ºC na média das temperaturas máximas em 34 anos, reflexo das mudanças climáticas que afetam o planeta e causam aquecimento global. Ela ficou em 28,65ºC, revela estudo feito por pesquisadores dos Instituto de Biologia (IB) e Geociências (IG) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) com base em dados de 1989 a 2022 coletados na estação meteorológica do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri), no campus da instituição em Barão Geraldo.

A pesquisa revela a elevação da temperatura ao longo das décadas e aponta uma tendência. De acordo com o levantamento, a média da máxima ficou em 27,9ºC na década de 1990, subiu para 28,3ºC na de 2000 e fechou em 29ºC na de 2010. Para o professor e pesquisador David Lapola, que coordenou a análise dos dados, o estudo é um “alerta” para os efeitos do aquecimento global no município.

“Embora tenhamos agora esse estudo preliminar, que precisa passar por escrutínio, incluindo a análise de outras variáveis, como os dados de chuvas e ventos, arrisco dizer que o aumento de temperatura observado tem a ver diretamente com as emissões de gases de efeito estufa, aquelas produzidas não somente pelo Brasil, mas por todos os países, incluindo a China e os Estados Unidos”, disse. Isso porque as mudanças climáticas ocorridas em uma região do planeta refletem nas condições atmosféricas de outras num efeito circular.

REFLEXOS

“Há o aquecimento global, mas você vai dando zoom e vendo os efeitos que chegam nas fazendas, nas áreas urbanas”, explicou a pesquisadora do Cepagri Ana Maria Heuminski de Ávila. Ela cita, como exemplo da busca por condições climáticas mais favoráveis, a redução da área plantada de café no Estado de São Paulo nas últimas décadas e o retorno e aumento da produção no Paraná. Para evitar o impacto econômico, a solução encontrada pelos órgãos de pesquisas agropecuários é o desenvolvimento de novas variedades ou aprimoramento genético das existentes para se adaptarem melhor às mudanças climáticas.

São Paulo, que foi o maior Estado produtor de café do século XIX até meados do século XX, ocupa hoje o terceiro lugar no ranking nacional, com uma estimativa 4,72 milhões de sacas do café arábica na safra 2023, de acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). A cultura foi importante para o desenvolvimento econômico de várias cidades paulistas, entre elas Campinas, que já foi conhecida como a terra dos “Barões do Café”. O município tinha várias fazendas produtoras até a década de 1980, número que caiu a partir de então. A produção local foi afetada por outros fatores, como crise econômica do café, com o clima sendo um fator a mais para afetar a cultura.

A ferrovia foi um símbolo de desenvolvimento econômico gerado pela cafeicultura e chegou a Campinas para facilitar a exportação. O produto era levado para o Porto de Santos pelas linhas da então Companhia Mogiana, que depois veio a se tornar a Ferrovia Paulista S.A. (Fepasa). A estatal surgiu em 1971 para a assumir a operação de cinco empresas privadas: Paulista, Araraquarense, São PauloMinas, Mogiana e Sorocabana. Ela foi extinta em maio de 1998, quando foi incorporada pela Rede Ferroviária Federal.

MUDANÇAS NAS ESTAÇÕES

O estudo sobre o clima feito pela Unicamp mostra ainda a alteração da temperatura em diferentes estações do ano. De acordo com a pesquisa, a média das temperaturas máximas no verão subiu 1,3ºC nos últimos 34 anos, enquanto que nos meses de inverno o aumento foi de 1,8ºC. Essa alteração é sentida na prática pela população.

“Antigamente, até o início dos anos [19]80, ocorriam geadas no inverno. Havia também mais dias frios, o que não ocorre mais”, afirmou a aposentada Cláudia de Faria, de 68 anos. “Quem tem alergia, como eu, sente muito essa variação”, completou. Para o também aposentado Waldemar Augusto, de 79 anos, a mudança climática pode ser verificada pela alteração nas estações do ano. “Antes, as estações eram bem definidas, com períodos de frio, chuva. Agora, está uma bagunça só."

Ele mudou para Campinas aos 9 anos de idade, indo morar em uma fazenda. Augusto se recorda da família acordando de madrugada para proteger a lavoura do frio intenso, acendendo fogo em tambores para evitar que produção fosse prejudicada pelas baixas temperaturas.

O estudo climático mostra outras alterações ocorridas no município, como redução da temperatura mínima, aumento da amplitude térmica e maior frequência de dias consecutivos de calor, fenômenos que favorecem eventos externos, como seca severa, enchentes e temporais. De acordo com o doutorando em Ecologia pela Unicamp Rômulo Celestino, houve aumento de 0,039ºC por ano na média das temperaturas máximas no período de verão e de 0,048ºC na média das máximas durante o inverno.

“Tivemos temporadas de frio mais extremo”, disse a doutoranda em Biologia Vegetal Bruna Hornik, que também participou da pesquisa. Segundo ela, a média da temperatura mínima foi de 15ºC entre 1989 e 2003. No período 2004-2022, houve a queda de 1,7ºC. “O que chama a atenção é que, desde 2020, tem havido redução de 0,2 a 1ºC na temperatura mínima em grande parte das estações do ano”, afirmou a pesquisadora.

A queda de 2020 a 2022 é atribuída ao fenômeno La Niña, que provoca resfriamento abaixo da média na temperatura das águas superficiais do Oceano Pacífico equatorial. Isso provocou temperaturas mais amenas na Região Sudeste do Brasil, onde está o Estado de São Paulo. A pesquisa da Unicamp mostra ainda as ocorrências de dias de calor aumentaram de forma acelerada a partir dos anos 2000. Essas ondas são caracterizadas por períodos de seis ou mais dias consecutivos de temperaturas altas.

De acordo com os pesquisadores, esses períodos de alta com essa duração não eram registrados até 2001, mas eles se tornaram frequentes a partir do ano seguinte. Os dados do Cepagri mostram que a primeira onda preocupante ocorreu em 2002, com 16 eventos. Nesse ano, foram registrados 96 dias com temperaturas mais altas acima da média da máxima.

O fenômeno apresentou uma pequena queda nos anos seguintes, mas temperaturas voltaram a aumentar significativamente a partir de 2010, quando foram registrados 13 ocorrências, somando 78 dias ao longo do ano. Em 2012, foram 13 episódios de seis ou mais dias consecutivos com temperaturas máximas acima da média, totalizando 102 dias. Campinas registrou o recorde na repetição desse quadro em 2014, quando ocorreram 30 fenômenos.

“O verão de 2014 foi 2,64ºC mais quente se comparado com a média do verão do período de 1989-2003. O mesmo ocorreu na primavera de 2012 (+2,43ºC) e no inverno de 2010 (+1,96ºC)”, acrescenta Bruna Hornink. Em 2014, a região Sudeste enfrentou uma séria crise hídrica e um pico no número de incêndios florestais. A falta de chuvas no decorrer do ano obrigou empresas de saneamento a adotarem esquemas de racionamento de água em várias cidades da região, inclusive em Campinas.

O abastecimento entrou em colapso no mês de outubro, quando, por 11 dias, a Sociedade de Abastecimento de Água e Saneamento S.A. (Sanasa) precisou fazer rodízio de água nos bairros, suspendendo o fornecimento por períodos pré-determinados, porque a vazão do Rio Atibaia estava muito baixa. Esse manancial, que é abastecido pelo Sistema Cantareiras, é responsável por 95% do abastecimento de Campinas. Outras cinco cidades da região adotaram, na época, alguma medida de restrição de abastecimento – Indaiatuba, Valinhos, Vinhedo, Artur Nogueira e Santo Antônio de Posse.

As represas que formam o Cantareiras se configuram como o principal sistema de abastecimento da cidade de São Paulo, que também adotou o rodízio de água. O problema atingiu outras regiões do Estado, que sofreu a pior crise de água de sua história naquele ano. Entre outras cidades afetadas estavam Salto, Conchas, Porto Feliz, Itu, Sorocaba e Orlândia.

De acordo com o estudo a Unicamp, Campinas registrou no dia 8 de outubro de 2020 a temperatura máxima de 39ºC. Para o coordenador da análise dos dados, David Lapola, as prefeituras precisam adotar medidas para se adaptar as mudanças climáticas. “É preciso que as cidades adotem ações a fim de minimizar os efeitos do aquecimento”, afirma.

Campinas reduziu as emissões de dióxido de carbono (CO2), principal causador do efeito estufa que causa a elevação da temperatura, em 2,34% entre 2012 e 2021, caindo de 2,42 milhões de toneladas/ano para 2,35 milhões de toneladas/ ano, de acordo com o “Anuário Energético por Município no Estado de São Paulo – 2022/ano base 2021”, elaborado pela Secretaria Estadual de Infraestrutura e Meio Ambiente (SIMA). Apesar da queda, o documento mostra, porém, que o município subiu uma posição no ranking das cidades paulistas com maior emissão, passando do quarto para o terceiro lugar.

A Região Metropolitana de Campinas (RMC) tem ainda outra cidade entre as cinco com maior liberação de CO2 na atmosfera. Paulínia está na quarta posição, com 1,39 milhão de toneladas/ano. O ranking traz ainda São Paulo na liderança, Guarulhos (2º lugar) e Cubatão (5º).

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