Uma das frentes do ETCR será apoiar projetos de desenvolvimento de tecnologia e infraestrutura para a descarbonização da produção e exploração de petróleo e gás
Carros elétricos terão um papel importante na transição energética para uma economia de baixo carbono e para ajudar a mitigar emissões de gases de efeito estufa; frota de veículos de Campinas com algum nível de eletrificação teve crescimento de 170,86% em um ano (Denny Cesare)
A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) inaugurou um novo centro de excelência em pesquisa sobre transição energética que receberá investimentos previstos de R$ 36 milhões. Os recursos serão destinados para projetos de desenvolvimento de tecnologia e infraestrutura para a descarbonização da produção e exploração de petróleo e gás, estudos relacionados à energia solar, à captura e ao sequestro de carbono, biogás e ao armazenamento de energia em baterias.
O ETCR (sigla em inglês para Centro de Pesquisas para Transição Energética) começa com a participação de 85 pesquisadores e 11 projetos em andamento, antes distribuídos por unidades diferentes da universidade. O novo hub está instalado no Centro de Estudos de Energia e Petróleo (Cepetro) da instituição. O núcleo é um acordo entre a Unicamp e uma multinacional francesa, da área de energia, que atua no setor petroquímico e energético. A empresa está presente em cerca de 130 países, entre eles o Brasil, e emprega 100 mil pessoas.
“A instalação aqui no Cepetro desse novo centro só confirma uma característica da Unicamp: a de que estamos olhando essa questão da sustentabilidade há muito tempo e de forma muito abrangente”, disse o reitor da instituição, Antonio José de Almeida Meirelles. Ele convidou o grupo empresarial a montar um novo centro de pesquisa no Hub Internacional de Desenvolvimento Sustentável (HIDS), projeto da universidade para criação de um distrito inteligente voltado a atrair empresas e instituições de alta tecnologia em uma área de 11,3 milhões de metros quadrados (m²) na região de Barão Geraldo.
A ampliação do uso de energias renováveis é uma das frentes para reduzir as emissões de dióxido de carbono ou gás carbônico (CO2), uma das principais causas do efeito estufa, que provoca o aquecimento global e contribui para as mudanças climáticas. O Brasil emitiu 2,3 bilhões de toneladas brutas de gases de efeito estufa em 2022, de acordo com estudo mais recente divulgado pelo Observatório do Clima, rede de entidades ambientalistas brasileiras que foi formada para discutir o problema do aquecimento global no país.
A poluição atmosférica, além de afetar o meio ambiente, prejudica a saúde humana. Estudos da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) mostram que morar na capital é o equivalente a fumar dois cigarros por dia. Porém, duas cidades da Região Metropolitana, Campinas e Paulínia, estão no mesmo patamar em relação à São Paulo, ou bem perto, nas emissões de poluentes em três dos quatro indicadores, segundo a classificação de qualidade do ar da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb). Os indicadores são as emissões de partículas inaláveis, dióxido de nitrogênio (NO2) e ozônio (O3).
Apesar de Campinas ficar de fora do quarto parâmetro, Paulínia empata com São Paulo nas liberações de dióxido de enxofre (SO2). “Isso nos traz um alerta: precisamos trabalhar no enfrentamento das mudanças climáticas e na construção de uma economia que seja sustentável”, disse o secretário estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação, Vahan Agopyan, ao participar da assinatura do acordo de criação do ETCR.
PROJETOS
Um dos projetos em execução na Unicamp é o desenvolvimento de tecnologia inédita no mundo para usar etanol com o objetivo de mover carros elétricos, o futuro da indústria automobilística. Os cientistas do Laboratório de Otimização, Projeto e Controle Avançado (Lopca) da Faculdade de Engenharia Química criaram um microrreator que utiliza o combustível para a produção de hidrogênio para gerar energia elétrica e movimentar os veículos.
Segundo a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), agência da Organização das Nações Unidas (ONU), os carros elétricos terão um papel importante na transição energética para uma economia de baixo carbono e para ajudar a mitigar emissões de gases de efeito estufa. A frota de veículos de Campinas com algum nível de eletrificação (100% elétricos ou híbridos) teve crescimento de 170,86% em um ano. O número saltou de 1.009 unidades de carros, motocicletas, caminhões ou ônibus em julho de 2023 para 2.733 em igual mês deste ano, de acordo com dados da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran), órgão do Ministério dos Transportes.
No entanto, o alto preço, a autonomia dos veículos com essa tecnologia e a falta de uma ampla rede de recarga são barreiras para aumentar a utilização. O novo centro de pesquisa da Unicamp pretende ampliar os conhecimentos e promover melhorias do setor de energia renovável. Um dos projetos a serem estudados envolve também a evolução do processo de produção biogás. O país tem hoje potencial para produzir 84,6 bilhões de metros cúbicos normais (Nm³) de biogás, mas a capacidade atual instalada é de apenas 4,85% dessa capacidade – 4,1 bilhões de Nm³, de acordo com a Associação Brasileira de Biogás (Abiogás). O estudo da entidade apontou ainda a possibilidade de mudança da origem dessa matriz energética. Hoje, grande parte vem dos aterros sanitários, mas metade do potencial poder ser proveniente do setor sucroenergético, a produção de cana-deaçúcar.
“Com esse projeto, estamos buscando criar pontes entre dois lados que muitas vezes não se conversam: o da produção científica com o da aplicação. Por isso, além de toda uma revisão da literatura e um levantamento de patentes, estamos indo a campo, visitando usinas de produção de biogás a partir de resíduos da canade-açúcar para entender quais são os gargalos que nos impedem de chegar mais perto do potencial do biogás no país”, disse a coordenadora do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético (Nipe) e pesquisadora associada do Cepetro, Bruna de Souza Moraes.
Outros cinco projetos do hub visam desenvolver soluções tecnológicas para melhorar a segurança e o desempenho de usinas de energia solar. Atualmente, são 1,89 milhão de sistemas fotovoltaicos ligados à rede, com a produção de energia elétrica a partir do sol com potência instalada de 20.417 megawatts (MW), segundo a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar). Esse volume é suficiente para abastecer 20,3 milhões de casas por mês. O uso da energia solar corresponde hoje a 13,1% de toda a matriz elétrica brasileira, sendo a energia solar residencial responsável por 78,9% do montante. Na sequência, aparecem empresas de comércio e serviços (10,7%) e a energia solar rural (8,5%).
De acordo com o professor Tárcio Barros, coordenador Laboratório de Energia e Sistemas Fotovoltaicos Marcelo Villalva (LESF-MV) da Unicamp, os projetos vão abordar, entre outros temas, ampliação da segurança e estabilidade do sistema. Tárcio Barros está à frente dos trabalhos nessa área no novo ETCR. Entre os objetos de estudos estão o desenvolvimento de um sistema de detecção e interrupção de arcos elétricos em usinas solares, fenômeno que pode causar incêndios; o monitoramento de usinas em tempo real para detectar anomalias e quedas de performance; e o uso de inteligência artificial para a modelagem de dados reais em sistemas de geração solar.
O novo centro de pesquisas na Unicamp é o terceiro no país com a participação da multinacional francesa. O grupo tem parcerias também com a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), totalizando 41 projetos e R$ 181 milhões em investimentos, segundo a diretora de Pesquisa da empresa, Isabel Waclawek. “O que nós queremos com esse centro é ajudar o Brasil a se tornar uma potência mundial na área de transição energética, a transformar-se na potência que o país pode ser”, afirmou o diretor do Cepetro, Marcelo Souza de Castro.