INOVAÇÃO NA SAÚDE

Unicamp cria tratamento menos invasivo para obesidade severa

Aparelho estimula estômago a secretar hormônio que reduz sensação de fome

Luis Eduardo de Sousa/ luis.reis@rac.com.br
12/09/2023 às 08:37.
Atualizado em 12/09/2023 às 08:37

Pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) estão desenvolvendo essa nova tecnologia em parceria com uma empresa sediada na capital de Santa Catarina (Pedro Amatuzzi)

Pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) estão colaborando com uma empresa sediada no Sul do país para desenvolver uma abordagem menos invasiva no tratamento de casos de obesidade severa. O foco desse esforço conjunto é um dispositivo eletroestimulador que emite sinais direcionados ao estômago, estimulando-o a secretar hormônios que, por sua vez, desencadeiam uma sensação de saciedade no cérebro.

O objetivo é proporcionar uma alternativa à cirurgia bariátrica e ao uso de balão gástrico para pacientes diagnosticados com obesidade grau 3, um estágio considerado extremamente grave pelos especialistas. Dados do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan), ligado ao Ministério da Saúde, revelam que, somente na cidade de Campinas, há 2.291 indivíduos que enfrentam esse quadro de obesidade. É importante notar que esses números se referem apenas aos pacientes acompanhados pela rede municipal de saúde, sugerindo que o número total de pessoas com obesidade grau 3 pode ser ainda maior.

O dispositivo começou a ser desenvolvido em 2011 por uma empresa sediada em Florianópolis (SC). Segundo Lucas Casagrande Neves, sócio-fundador da empresa, a motivação para esse projeto surgiu da crescente demanda no mercado por soluções que unissem tecnologia e saúde, uma área em que a empresa atua. Desde o início, a pesquisa mostrou grande promessa e recebeu apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (Fapesc). Posteriormente, em 2015, o projeto foi compartilhado com os pesquisadores da Unicamp.

Esse método terapêutico se enquadra na categoria dos "eletrocêuticos", que buscam tratar condições médicas por meio de estímulos elétricos, da mesma forma que os medicamentos farmacêuticos tratam com compostos químicos. A ideia por trás dessa abordagem é a de aumentar a sensação de saciedade em indivíduos com obesidade, levando em consideração que essas pessoas não se alimentam apenas em resposta à fome, mas também devido a fatores como ansiedade, nervosismo e estresse. Ao estimular a sensação de saciedade, o dispositivo já contribui para uma redução na massa corporal, como explica Neves.

Na fase inicial dos testes, foram conduzidos experimentos em porcos, uma escolha devido à semelhança de seus sistemas digestivos com o dos seres humanos. Os dispositivos foram implantados em porcos durante sua fase de crescimento, e os resultados revelaram que esse grupo de animais apresentou um desenvolvimento abaixo do esperado para a idade, em comparação com o grupo de controle, que não recebeu o implante do dispositivo.

"Ao realizar esta fase préclínica, implantamos o dispositivo e observamos as diferenças entre o grupo de animais que o recebeu e o grupo de animais normais. Notamos essa perda de crescimento que se dá, então, por essa sensação de saciedade. Agora, a próxima fase do estudo visa a entender o que causa essa saciedade e como será a resposta em animais maiores, antes que se parta para os testes em humanos", explica a pesquisadora Raquel Franco Leal, do Centro de Pesquisas em Obesidade e Comorbidades (OCRC na sigla em inglês). 

FUNCIONAMENTO

Os pesquisadores descrevem o dispositivo como semelhante a um marca-passo cardíaco. No caso do dispositivo cardíaco, ele monitora os batimentos do coração e, quando detecta uma diminuição na frequência cardíaca, envia estímulos para restaurar a normalidade dos batimentos. No entanto, a ferramenta que está sendo pesquisada é implantada nas proximidades do abdômen e conectada por um cabo que liga o gerador de energia ao estômago. Esse cabo é responsável por transmitir os estímulos à parede gástrica. Os pesquisadores suspeitam que esse processo aumenta a produção de hormônios relacionados à sensação de saciedade, uma premissa que será investigada na próxima etapa dos testes.

Os resultados iniciais já permitiram que o dispositivo fosse patenteado, tanto no Brasil quanto no exterior. Raquel Franco Leal explica que um desafio atual da pesquisa é encontrar alternativas para recarregar o gerador, que pode ser implantado logo abaixo da pele, como feito com os animais, ou até mesmo em um músculo. Uma das opções consideradas é o carregamento por proximidade a uma fonte de energia.

ALTERNATIVA

Patricia Figueira, de 48 anos, relembra todo o processo de preparação que enfrentou antes de se submeter a uma cirurgia bariátrica. Foram dois anos de consultas com diversos especialistas, desde psicólogos até endocrinologistas e nutricionistas. Após isso, passou meses em recuperação póscirúrgica, aprendendo a lidar com novos hábitos alimentares.

"Foi muito difícil a recuperação, pois nos primeiros meses você tem que se alimentar apenas por líquidos e da aquela ansiedade para comer, você pensa que não está se alimentando. Seu estomago estava enorme e de repente fica pequenininho, então é uma luta psicológica também", relata.

Patricia conseguiu reduzir seu peso de 128 kg antes da cirurgia para os atuais 70 kg. Além dela, suas irmãs Carla e Fabiana também passaram pelo mesmo procedimento. Quase quatro anos após a cirurgia, Patricia se sente uma pessoa completamente diferente, com mais energia e uma saúde emocional renovada.

O cirurgião bariátrico Hercio Azevedo de Vasconcelos, do hospital da PUCCampinas, explica que a cirurgia bariátrica é recomendada para pacientes que alcançam o grau 3 de obesidade, com um índice de massa corporal (IMC) superior a 40. Também é indicada para pacientes com um IMC entre 35 e 40 (grau 2 de obesidade) que tenham comorbidades como diabetes, pressão alta, níveis elevados de colesterol ou problemas psiquiátricos, como depressão.

"A obesidade apresenta várias facetas e, consequentemente, exige abordagens múltiplas. A cirurgia bariátrica é uma dessas abordagens, mas demanda muito do paciente. Portanto, ao avaliarmos a gama de tratamentos disponíveis, seus riscos e benefícios, é evidente que a introdução de uma nova ferramenta pode contribuir para o combate a essa condição. No entanto, é importante salientar que todos os outros fatores devem ser monitorados, pois não existe uma solução única e instantânea para o problema", enfatiza o médico.

Ele também destaca que o corpo humano não tem um mecanismo natural para combater a obesidade, pois historicamente a gordura corporal foi uma forma de garantir a sobrevivência em tempos de escassez de alimentos. O desafio atual reside nas consequências adversas da acumulação excessiva de gordura. "Temos o metabolismo de um ser que precisa caçar para sobreviver, no entanto, a comida está ao alcance dos nossos dedos, sem a necessidade de garimpá-la, e geralmente composta por muitas gorduras e açucares", complementa o médico.

A obesidade representa um fator de risco significativo para doenças graves, como o infarto do miocárdio. Portanto, a pesquisadora Raquel Franco Leal enxerga com otimismo o desenvolvimento do dispositivo, que oferece uma opção adicional e vantajosa de tratamento, uma vez que é menos invasivo.

"A cirurgia bariátrica é irreversível, ou seja, não pode ser desfeita. Se um paciente ganha peso novamente após a cirurgia, perde essa opção e enfrenta uma situação ainda mais delicada. Por outro lado, o dispositivo não requer uma intervenção cirúrgica, não envolve a remoção ou modificação de partes do estômago e não implica em um processo de recuperação prolongado", destaca Franco.

Além da cirurgia bariátrica, há também o uso do balão intragástrico como uma opção de tratamento da obesidade. Esse dispositivo, feito de silicone, é inserido no estômago do paciente por meio de uma endoscopia e inflado para reduzir o espaço no estômago.

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Anuncie
(19) 3736-3085
comercial@rac.com.br
Fale Conosco
(19) 3772-8000
Central do Assinante
(19) 3736-3200
WhatsApp
(19) 9 9998-9902
Correio Popular© Copyright 2025Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por