TRATAMENTO PRECOCE

Unicamp confirma caso de hepatite medicamentosa relacionada ao kit covid

Remédios que compõem o kit covid e a médica Ilka Boin do HC da Unicamp: uso indiscriminado dessas drogas representa risco à saúde

Mariana Camba/ Correio Popular
25/03/2021 às 10:38.
Atualizado em 21/03/2022 às 23:18
Remédios que compõem o kit covid e a médica Ilka Boin do HC da Unicamp:  uso indiscriminado dessas drogas representa risco à saúde (Diogo Zacarias/ Correio Popular)

Remédios que compõem o kit covid e a médica Ilka Boin do HC da Unicamp: uso indiscriminado dessas drogas representa risco à saúde (Diogo Zacarias/ Correio Popular)

O Hospital das Clínicas (HC) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) divulgou ontem o primeiro caso de hepatite medicamentosa causada pelo uso de remédios que compõem o chamado kit covid. De acordo com Ilka Boin, professora titular do Departamento de Cirurgia e coordenadora da Unidade de Transplante Hepático do HC, o paciente diagnosticado com a doença é morador da região de Campinas e está relativamente bem. Ele testou positivo para a covid-19 em dezembro do ano passado.

Ilka afirma que o paciente foi encaminhado para o HC depois de ter sido atendido em São Paulo. Depois da infecção pelo novo coronavírus ele apresentou fadiga, olhos e peles amarelados e alterações nas enzimas hepáticas. "A pessoa fez duas biópsias em São Paulo, uma em janeiro e outra em fevereiro, que detectaram a perda dos ductos biliares. Essa é uma das características da intoxicação por medicamentos. Esse paciente tomou por breve tempo os remédios que fazem parte do kit covid, que pode ser composto até por nove drogas", contou.

A médica afirmou que o paciente não está mais internado, e que ele deve fazer novos exames semanalmente para que possa continuar sendo observado e incluído na lista para transplante de fígado. "Não é um transplante de urgência. Essa possibilidade está sendo estudada para ver se ele realmente vai precisar. Nós o colocamos na lista e estamos observando qual será a resposta do organismo. O caso serve de alerta para as pessoas, para que tomem cuidado com o uso incorreto dos medicamentos. Muitos estão tomando altas doses de remédios e de maneira contínua, o que vai contra a recomendação de uso de medicamentos", explicou Ilka.

Errol Wilson Santos, presidente do Sindicato Patronal de Farmácias e Drogarias, afirmou que houve aumento nos últimos cinco meses na venda dos medicamentos que estão inclusos no kit covid, como Hidroxicloroquina, Ivermectina e Azitromicina. "A procura por esses remédios cresceu em torno de 30% a 40% na região de Campinas, e se intensificou no último mês. As pessoas estão recorrendo a essas drogas como uso preventivo da covid-19, ou mesmo depois de testarem positivo para a infecção do novo coronavírus", pontuou.

Perigo

Para o médico Luís Francisco Zeni, cirurgião de fígado e hepatologista do hospital do PUC-Campinas, o problema no uso do kit covid é a automedicação, porque drogas como Hidroxicloroquina, Ivermectina e Azitromicina são seguras e utilizadas há muito tempo, mas em dosagens ideais e para o combate de outras doenças. "Primeiro é necessário fazer testes para comprovar a possível eficácia desses medicamentos no combate à covid-19. Isso ainda não existe. No caso da Cloroquina, há estudos que comprovam que ela é ineficaz para esse fim", esclareceu.

Quando a Ivermectina foi estudada em laboratório na Austrália, foi usada alta concentração do remédio, superior a que é encontrada no comprimido. "Colocaram o remédio em um tubo de ensaio junto com o novo coronavírus. Em 48h a droga fez com que não houvesse mais replicação do vírus. Atualmente, as pessoas estão tomando altíssimas doses dessa mesma droga, para tentar realizar o efeito encontrado apenas em laboratório, mas essa é uma busca em vão. A Ivermectina é um antiparasitário, utilizada para tratamento de vermes como o piolho. A dose única para um adulto com 70 kg é composta por dois compridos. Mas as pessoas estão ingerindo a droga todos os dias, durante meses. Esse é o problema", explicou o médico.

Há cinco casos de complicações causadas pelo uso do kit covid no Estado de São Paulo, de acordo o médico Zeni. Mesmo com a biópsia do fígado, não é possível definir qual medicamento causa o agravamento da saúde. "As pessoas que estão fazendo o uso descontrolado desses remédios podem evoluir de uma hepatite medicamentosa para uma hepatite fulminante", alertou.

Hepatite é a inflamação genérica do fígado. Existem as causadas por vírus, que são as mais comuns; a tóxica, causada na maioria dos casos pelo álcool; e a tóxica medicamentosa, devido ao uso de remédios. Os casos fulminantes ocorrem com o agravamento da hepatite, seja ela qual for. Nessa hipótese, se não for realizado um transplante de fígado, há 80% de chances de o paciente morrer. "As pessoas que fazem uso desse kit estão correndo risco à toa", reforçou o cirurgião.

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