ALIMENTOS E BEBIDAS

Unicamp aponta adulteração em até 40% dos produtos analisados

‘Caçadores de fraudes’ da universidade testam e identificam falhas e falsificações

Edimarcio A. Monteiro/ edimarcio.augusto@rac.com.br
28/08/2022 às 09:54.
Atualizado em 28/08/2022 às 09:54

Rodrigo Ramos Catharino, coordenador do Laboratório Innovare de Biomarcadores da Unicamp, realiza testes com as mesmas mercadorias compradas pelos consumidores em supermercados e mercadinhos da região (Gustavo Tilio)

Pesquisas desenvolvidas pelo Laboratório Innovare de Biomarcadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) apontam adulterações entre 30% e 40% dos produtos analisados. As alterações envolvem principalmente itens de alto valor agregado, como azeite de oliva, bebidas destiladas, tempero e vinagre balsâmico, sendo que os testes foram feitos com as mesmas mercadorias que os consumidores compram no comércio. As amostras são adquiridas em supermercados, mercadinhos de bairros e outros estabelecimentos da região de Campinas ou de qualquer outra parte do País.

As adulterações podem ser causadas por falhas na produção, fraudes ou falsificações para aumentar o lucro na comercialização, que podem colocar em risco a vida dos consumidores. “Nas bebidas, por exemplo, já foi encontrado metanol, que pode provocar cegueira e problemas sérios de saúde”, alerta o coordenador do Laboratório Innovare de Biomarcadores da Unicamp, o professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas e cientista Rodrigo Ramos Catharino.

Após passar os últimos dois anos com as pesquisas focadas na covid-19, em função da situação de emergência da pandemia, os pesquisadores da Unicamp retomaram em 2022 as análises dos produtos em geral. De acordo com Catharino, as adulterações encontradas este ano estão em um nível alto, semelhante ao registrado em 2013. Ele explica que, em períodos de crise econômica, isso ocorre com mais frequência.

Segundo o coordenador, as pesquisas desenvolvidas são contínuas porque os fraudadores estão sempre inovando e adulterando produtos de consumo elevado que garantam um alto ganho no volume de venda. “Eles inovam de forma rápida e estão sempre se reinventando”, afirma Catharino. O trabalho desenvolvido pela universidade não é o de controlar a qualidade dos produtos, mas desenvolver tecnologias de identificação das irregularidades e repassá-las para os órgãos fiscalizadores.

Tecnologia de ponta 

“Imagine o ganho obtido com a adição de óleo de soja em toneladas de azeite de oliva comercializadas”, explica o professor. Os testes são desenvolvidos usando uma tecnologia de ponta, o espectrômetro de massas, que permite uma análise altamente precisa e extremamente específica das moléculas presentes no produto analisado, o que permite identificar as adulterações. Os pesquisadores do Laboratório Innovare já foram chamados, dentro da instituição, como os “caçadores de fraudes” e, descontados os exageros da ficção, tiveram o trabalho comparado com os dos personagens da série televisiva CSI.

Isso porque os cientistas investigadores se utilizam de conhecimentos sofisticados e equipamentos de última geração para decifrar os mais intrincados casos de assassinatos. No caso da Unicamp, a tecnologia empregada é cara. Um espectrômetro de massa custa em torno de R$ 5 milhões. O equipamento permite analisar os biomarcadores do produto (daí o nome do laboratório), o que é uma técnica de ponta, mas de fácil compreensão.

No caso do azeite de oliva extravirgem, por exemplo, os pesquisadores coletam amostras na fábrica após a primeira prensa. O material é analisado e identificados todos os materiais presentes, a síntese molecular, definindo um ponto de referência. A partir daí, o produto é adquirido no varejo, analisado e feita a comparação. “Quanto mais números surgirem indicam alteração da massa e mais produtos estranhos estão presentes”, explica o coordenador do Laboratório Innovare.

Além de apontar a alteração, o exame permite identificar o que foi usado na adulteração. De acordo com ele, essa situação ocorre tanto com produtos nacionais quanto importados, com as fraudes ocorrendo principalmente com produtos muito consumidos. Já foi encontrada até serragem de madeira em temperos, com as análises envolvendo itens como orégano, canela e pimenta do reino.

Os pesquisadores da Unicamp vão ampliar as análises também para cosméticos, avaliando cremes, batons, lápis de olho e outros itens. “Muitas pesquisas podem surgir da curiosidade. Você está em uma festa, em uma mesa do bar e começa a se perguntar o que está presente na bebida que está no copo”, explica Catharino.

Bebidas e embalagens falsificadas estavam sendo transferidas de um caminhão para outro em Campinas, numa das maiores apreensões do tipo no Brasil (Kamá Ribeiro)

Dinheiro e azulzinho 

As pesquisas do Innovare já desenvolveram tecnologia para identificar até dinheiro falso, que foi repassada à Polícia Federal. A analise química das cédulas de real, dólar ou euro permite analisar os compostos presentes, com a obtenção do resultado em apenas dez segundos. A nota verdadeira tem a presença constante de quatro íons, chamados de íons diagnósticos. Se eles não estiverem presentes, a cédula é falsa.

A mesma tecnologia permite identificar até falsificação de documentos, que sempre trazem a assinatura no final. Se for acrescentada uma linha após ser assinado, o espectrômetro de massa permite reconhecer por meio da análise das tintas. A diferença entre a tinta usada originalmente e a parte acrescida apontará a adulteração do documento.

do pelos pesquisadores da Unicamp permite identificar se o medicamento para disfunção erétil é falsificado ou adulterado. Eles analisaram seis medicamentos disponíveis no mercado e identificaram alterações em três deles, exatamente a metade. Em 30 segundos, é possível avaliar a composição do remédio e se realmente possui o que está descrito na bula.

As tecnologias desenvolvidas pelo Laboratório Innovare são transferidas para órgãos como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e a Polícia. Catharino aponta que os testes criados são 100% nacionais. “Nós não copiamos nada, não trazemos nada de fora. É tudo desenvolvido aqui”, afirma o cientista, com um certo tom de orgulho.

Pandemia 

Os pesquisadores do laboratório da Unicamp passaram os anos de 2020 e 2021 focados exclusivamente em estudos envolvendo a covid-19. A mais recente criação é um exame rápido que permite identificar não só se o paciente é positivo ou negativo para a doença, mas também o grau de gravidade – leve, médio ou grave. Essa nova tecnologia já está pronta para ser disponibilizada para laboratórios e hospitais, com a utilização dependendo do interesse desses agentes. 

O avanço desse exame está em desenvolvimento para criar uma versão de autoteste rápido para ser comercializada em farmácias, a exemplo dos tradicionais já disponíveis. Os pesquisadores já haviam criado um teste rápido com o uso de uma fita colocada na nuca do paciente, mas essa tecnologia não chegou ao mercado. 

As pesquisas também colaboraram na definição de novos protocolos de tratamentos para pacientes durante o colapso do sistema de saúde de Manaus no início de 2021, quando houve uma explosão de casos da doença na capital amazonense. “Nós fizemos o acompanhamento dos pacientes em tempo real e analisamos os resultados dos vários medicamentos usados isoladamente e em conjunto. A partir daí, verificamos quais eram os mais eficientes e, então, definidos novos protocolos de tratamento”, explica Catharino.

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