A demolição do Teatro Municipal de Campinas, em 1965, foi lamentada demais pelos amantes das artes. Mais de cinco décadas se passaram, mas a polêmica persiste
Fachada do antigo Teatro São Carlos, demolido ainda na década de 20 em decorrência da umidade e das rachaduras na alvenaria (Divulgação)
A demolição do Teatro Municipal de Campinas, em 1965, foi lamentada demais pelos amantes das artes. Mais de cinco décadas se passaram, mas a polêmica persiste. Para alguns, derrubaram a casa de espetáculos por "razões obscuras", favorecendo grupos que herdaram o terreno. Outros defendem a memória do ex-prefeito Ruy Novaes, que autorizou a demolição embasado em laudos técnicos que o alertavam das condições precárias da estrutura. O fato é que o Município lançou, imediatamente, um concurso público para escolher o projeto de um novo teatro de ópera. E os vencedores foram dois arquitetos paranaenses. Detalhe: o projeto está guardado, devidamente digitalizado, e segue à disposição da Prefeitura. Campinas espera há 53 anos por seu teatro de ópera. E as plantas estão lá, prontinhas, com cortes e fachadas detalhados, suntuosos traçados para o hall, os camarins e o trecho ajardinado ao redor. A reportagem do Correio teve acesso aos croquis e falou com o arquiteto que continua vivo. O cidadão - Roberto Luiz Gandolfi - tem 81 anos de idade, mantém seu escritório em Curitiba (PR) e não se imagina aposentado. Mas ele admite que guarda uma mágoa enorme no peito. Apesar de premiado no concurso, ele se diz frustrado de não ter executado a obra. E imagina até hoje a fachada imponente, a plateia elegante, as poltronas lotadas. O projeto O concurso aberto por Ruy Novaes para a construção de um novo teatro de ópera teve como júri representantes do Instituto dos Arquitetos do Brasil. A casa de espetáculos seria erguida onde existe hoje o Parque Portugal. Época em que o complexo de lazer ao redor da Lagos do Taquaral nem existia. A gleba era considera pelos campineiros um "local ermo, perigoso, longe do Centro". O projeto vencedor - símbolo de modernidade - estava esquecido no escritório curitibano. Mas acabou "descoberto" pelo historiador campineiro Jorge Alves de Lima. Advogado e integrante da Secretaria do governo Rui Novaes, ele teve o capricho de procurar pelos arquitetos premiados na época. E encontrou pelo menos um dos protagonistas do episódio. Os vencedores do concurso, na época, foram os amigos Lubomir Ficinski Dunin e Roberto Luiz Gandolfi. Um deles, no entanto, já se foi. Lubomir, notabilizado como secretário de Estado de Desenvolvimento, morreu em 2017. Ele fez parte do primeiro escalão de assessores do ex-governador paranaense Jaime Lerner. Mas o antigo parceiro no projeto do teatro, Gandolfi, segue firme no escritório. Muito feliz por ter sido procurado pela reportagem, ele falou entusiasmado de detalhes do projeto: 15,8 mil metros quadrados de área construída, dois auditórios - um para 500 e outro para 1.500 espectadores - e um sistema avançado de acionamento cênico. A cobertura era de concreto e a fachada tinha traços ousados. "Claro, o tempo passou, a tecnologia é outra. Hoje teríamos de fazer adequações ao projeto. Talvez até o adequando à nova realidade econômica. Mas o fato é que o projeto está aqui. É só o prefeito atual pedir", diz. Gandolfi não quer especular sobre as razões que, na época, levaram a Prefeitura a paralisar o plano. Ele sabe que o Município investiu na construção do Centro de Convivência. "Acho que faltou respeito com o compromisso assumido. Eu cheguei a assinar o contrato para executar a obra, e o assunto não seguiu em frente...”, afirma. "Uma pena. Campinas merecia." Pesquisa revela causos e dramas Campinas, que esqueceu o projeto irretocável dos arquitetos do Paraná, nunca conseguiu ter um teatro de ópera decente. E o historiador Jorge Alves de Lima fez questão de mergulhar na saga histórica, colher informações, documentos e imagens em arquivos públicos e particulares. Alguns causos coletados até servem para alfinetar a arrogância histórica de alguns grupos. O público que ia ao teatro, fala, se considerava culto e elegante, mas às vezes tinha atitudes que faziam a cidade virar piada. Em julho de 1886, por exemplo, a musa francesa Sarah Bernhardt interpretou no Teatro São Carlos o papel que lhe garantiu a consagração mundial, em A Dama das Camélias, obra-prima de Alexandre Dumas. A atriz - uma das mais importantes de todos tempos - brilhava nos palcos da América e da Europa. E era a atração principal de um espetáculo que levou ao auditório “campineiros de nobre estirpe". Mas o acontecimento, pensado para colocar Campinas sob os holofotes da cultura mundial, teve um efeito inverso. O staff da artista deixou a cidade reclamando demais da estrutura precária da casa, e do comportamento reprovável da plateia. Sim, sim. Os senhores, de fraque e cartola, davam exemplo de como não se comportar durante uma peça. Resmungavam, gargalhavam, faziam graça, ironizavam os personagens. Qualquer cena emotiva era motivo de gracejos. Além disso, as bengalas encostadas nas cadeiras caíam no chão, e o barulho quebrava o silêncio sagrado da encenação. Pouco? A mulherada amamentava durante a peça, e os bebês choravam o tempo todo. Situações que, digamos assim, caíram um pouco mal para a sociedade esnobe da época, e eram comentados com raiva pelos colunistas que enchiam páginas de jornais como a Gazeta de Campinas e o Diário de Campinas. A queixa mais séria do staff, no entanto era que o prédio tinha dimensões reduzidas para receber companhias importantes. O palco pequeno não comportava as montagens. E, além do projeto ruim, o prédio, estruturalmente, tinha deficiências sérias. Rachaduras imensas. E umidade que comprometia as fundações. Foi naquela época que o governo municipal decidiu demolir o teatro, e erguer outro no lugar. Começava a novela. O velho São Carlos foi demolido em 1922. No seu lugar, a Prefeitura ergueu o Municipal. Bem maior, luxuoso. Mas que funcionou por apenas 35 anos. Em 65, os técnicos do poder público alertaram o então prefeito Ruy Novaes que aquele prédio também estava condenado. E outra vez Campinas derrubou seu teatro. "Como o velho São Carlos, o Municipal tinha rachaduras e corria o risco de desabar", conta o historiador. Para Jorge, o novo teatro não foi construído por razões financeiras. Na época, analisa, a Prefeitura investia muito dinheiro na construção do Palácio dos Jequitibás. A opção pelo Centro de Convivência (que acabou inaugurado só na década seguinte), comprovava, a seu ver, que o caixa andava vazio. A cidade ainda teve de conformar com o Castro Mendes, inaugurado no prédio de um antigo cinema. Nenhum dos dois teatros tinha o porte sonhado. Mas o que não tem perdão, na sua opinião, é que, em cinco décadas, o poder público não tomou a iniciativa de resgatar o projeto paranaense e, enfim, dotar a cidade de uma casa de espetáculos digna. TONINHO QUERIA CONHECER O PROJETO A “descoberta” do projeto arquitetônico do teatro que devia ter sido construído no Taquaral acabou revelando um outro episódio desconhecido dos campineiros. Os croquis, hoje ignorados até por engenheiros que fazem parte da Administração Municipal, iam ser avaliados pelo prefeito Antonio da Costa Santos, o Toninho do PT, ainda no ano de 2001. Naquela época, Toninho recebeu em seu gabinete a visita de técnicos contemporâneos ao concurso público de 1965. Depois do encontro com os membros da antiga equipe do governo Ruy Novaes, o petista determinou que seus assessores começassem a organizar uma viagem de sua comitiva até o Paraná. Lá, o prefeito planejava se encontrar com os arquitetos Galdolfi e Lubomir. “Mas Toninho foi assassinado dias antes que a reunião fosse efetivamente marcada”, fala o historiador Jorge Alves de Lima. E ninguém mais falou do assunto.