NÃO É SÓ NO SUL

Um pedaço da Alemanha por aqui

Habitado por alemães no passado, o bairro Friburgo ainda conserva tradições germânicas

Francisco Lima Neto
30/08/2020 às 08:56.
Atualizado em 28/03/2022 às 17:21
A capela luterana foi erguida no final dos anos 20 e inaugurada em 1934: religião fundada logo após a Reforma Protestante (Leandro Ferreira/AAN)

A capela luterana foi erguida no final dos anos 20 e inaugurada em 1934: religião fundada logo após a Reforma Protestante (Leandro Ferreira/AAN)

Todas as vezes em que se fala da imigração alemã no Brasil, as primeiras imagens que surgem na cabeça são quase sempre de cidades tradicionais do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. Mas Campinas também guarda um pedacinho da Alemanha fora da Alemanha: o bairro Friburgo. Tudo começou no período do café, com as fazendas cada vez mais produtivas e o produto ganhando o mundo. Os fazendeiros ficaram riquíssimos, sendo conhecidos como barões do café, e caracterizados pelos palacetes que mandavam construir. Todos mandavam os filhos estudarem nas principais capitais europeias, em especial, a cidade de Paris. Com o fim da escravidão em 1888, havia a necessidade de mão de obra para a substituição dos escravizados. Com incentivo do governo, imigrantes de diversas partes do mundo aportaram no Brasil para trabalhar nas lavouras, principalmente italianos. Nessa mesma época, os alemães sofriam com a escassez de terras, alta densidade demográfica no norte da Alemanha, na fronteira com a Dinamarca, fome e impostos altos. Contudo, mesmo antes da abolição da escravatura, esses estrangeiros já rumavam para cá. Na primeira metade do século 19, esses trabalhadores já chegavam aqui, em viagens patrocinadas por fazendeiros, interessados na mão de obra. Nesse contexto, o alemão Friedrich Thamerus, trabalhou na Fazenda Sete Quedas até quitar suas despesas com a viagem. Quando conseguiu, se estabeleceu com a família na divisa de Campinas, com Indaiatuba e Monte Mor. Nos anos seguintes, esse local recebeu mais gente da Alemanha e também da Suíça. A área recebeu o nome de Friedburg, que significa Castelo da Paz. Já no século 20 o nome mudou para Friburgo para facilitar a compreensão. O bairro era completamente rural e muito distante da região central. Isso era um problema, principalmente no século 19, sem estradas, sem transporte. Logo, os moradores identificaram a necessidade de assumir a educação de suas crianças. Por conta disso, construíam em 1879 a sede da Associação Escolar e a casa do professor, que foi trazido da Alemanha. Até a década de 1930 a língua alemã foi ensinada na escola e seu nome original foi mantido. Contudo, por conta da campanha de nacionalização encabeçada pelo governo brasileiro, a escola e a Sociedade tiveram seus nomes alterados para Escola de Friburgo e Sociedade Germano-Brasileira de Friburgo, posteriormente, Sociedade Escolar do Bairro Friburgo. Outra necessidade era ter um cemitério, já que o transporte dos mortos para o Cemitério Protestante, que ficava em área onde hoje é a Avenida João Jorge, na Vila Industrial, era difícil e caro. Para mudar esse cenário, em dezembro de 1881, em reunião na Sociedade Escolar de Friburgo, surgiu a intenção de construir um cemitério para evitar o deslocamento a pé, por cerca de 30 quilômetros. Em março do ano seguinte enviaram à Câmara, que acumulava as funções do Legislativo e Executivo (o presidente da Câmara tinha a função de prefeito), um requerimento, com uma espécie de abaixo-assinado, solicitando a autorização, que foi negada. Eles apelaram ao presidente da província (o que equivale a governador), mas ele disse que era uma incumbência do município e que não poderia interferir. Em março de 1883, foi feito novo requerimento à Câmara, que o negou mais uma vez. Com um agravante: os vereadores queriam que o povo do bairro Friburgo destinasse o dinheiro que seria usado no novo cemitério para a manutenção das estradas. A resposta foi recebida como uma afronta, já que a conservação das estradas é de responsabilidade do município, sem contar que a quantia necessária para isso superava e muito o montante a ser usado para a construção do cemitério. O requerimento só foi aprovado em novembro de 1884, depois de nova composição da Câmara. O sonho começou a tomar forma quando Ludwig Fahl doou o terreno para a construção do Cemitério de Friburgo. A obra começou pelo muro, feito de taipa, em dezembro de 1884. As chuvas atrapalharam a continuidade da construção do muro, que só terminou em junho de 1885.Em fevereiro do ano seguinte, após anos de batalha contra a burocracia, o cemitério foi inaugurado pelo vigário de Campinas, como era exigido pela Câmara. Já no final dos anos 1920, os sitiantes de Friburgo decidiram erguer sua capela luterana, inaugurada em 1934. A religião luterana foi fundada logo depois da Reforma Protestante. É fruto do conjunto das ideias e doutrinas defendidas no século XVI pelo padre e teólogo alemão Martinho Lutero que, discordando de várias práticas da igreja católica, propôs uma nova corrente religiosa cristã. Com o passar das décadas e a venda de muitas das propriedades da área, a população germânica de Friburgo foi se reduzindo. Ainda assim, algumas das famílias guardaram o hábito de visitar a comunidade e cultivar antigas tradições. O Conselho de Defesa do Patrimônio Artístico e Cultural de Campinas (Condepacc), em 2009, tombou a escola, o prédio da igreja Luterana e o Cemitério dos Alemães como patrimônio histórico. SAIBA MAIS No dia 18 de março de 1882 foi encaminhado o primeiro requerimento à Câmara pedindo permissão para a construção do cemitério. A permissão só foi concedida em novembro de 1884. A inauguração ocorreu em 6 de fevereiro de 1886.

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