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Um pedaço da África em Campinas

Tudo começou quando o baiano radicado em Campinas Luiz Antonio Castro de Jesus, atualmente com 75 anos, abriu a primeira casa de Candomblé da cidade

Francisco Lima Neto
17/11/2019 às 01:46.
Atualizado em 30/03/2022 às 12:29

Esculturas, máscaras, bengalas, tambores e peças em madeira originárias de várias partes do continente africano, como Gabão, Nigéria, Costa do Marfim, Guiné-Bissau, Congo, Angola, entre outros, contam um pouco da cultura dos diversos povos africanos, seus rituais e suas crenças. Toda essa variedade compõe um acervo de cerca de 12 mil peças do Instituto Cultural Babá Toloji, em Campinas, que difunde a memória e identidade afro. Tudo começou quando o baiano radicado em Campinas Luiz Antonio Castro de Jesus, atualmente com 75 anos, conhecido como Babá Toloji, abriu a primeira casa de Candomblé da cidade, em 1976, no Jardim São Pedro. Em 1983, ele mudou-se para um novo espaço no Jardim São Vicente e procurava peças para decoração. "Quem tinha uma peça, uma escultura africana, ou não vendia ou era muito cara. Então, eu comecei a esculpir algumas peças pra enfeitar minha casa", relembra. Até que a situação começou a mudar. "Na década de 1980 começou o intercâmbio Brasil-África. Essas pessoas vinham da África e traziam peças pra negociar. E eu fui adquirindo peças. Eu não tinha intenção de formar esse acervo que eu tenho hoje. Comprava uma peça e faltava outra, fui adquirindo, adquirindo...", revela. Nem todas as peças, diz, têm ligação com religião. Algumas estão relacionadas ao culto de egungun, que são espíritos ancestrais, outras aos orixás, que são energias que emanam da matéria, explica. Outras são para danças, rituais ou apenas ornamentais. "As máscaras de dança eles colocam em festivais, é como um teatro, as pessoas dão risadas das trapalhadas daquele animal que está ligado à máscara, depois descobrem que estão rindo de si mesmos, dos desacertos dos seres humanos", explica. Toloji comprou vários terrenos vizinhos a sua casa e ampliou consideravelmente sua propriedade. "Aqui são três órgãos civis: a Comunidade da Tradição e Culto Afro Ilesin Ogun Lakaiye Osinmole, o Instituto Cultural Babá Toloji, que compreende o museu, o acervo, e o ponto de cultura chamado A Cultura Mora Aqui. Culto Afro Toloji nasceu em Monte Santo, cidade distante 352km de Salvador, mas foi criado entre a capital da Bahia e cidades de Sergipe, já que os pais se separaram cedo. Com 16 anos, passou a morar em Santos. Apesar de ter nascido no estado conhecido por suas manifestações da cultura e religiosidade afro, o interesse de Toloji pelo assunto aflorou com sua chegada a Campinas, em 1968, quando veio trabalhar na Rhodia. "Quando cheguei fui morar em Barão Geraldo. Aqui eu findei me interessando porque começaram a aparecer coisas na porta da minha casa, colocavam farofa, um bicho lá e eu não sabia que diabo era aquilo", lembra aos risos. Toloji, levado por um funcionário da empresa, passou a frequentar a umbanda, até migrar para o candomblé. Mesmo sendo branco, ele se apaixonou pela cultura e fez questão de estudar tudo possível sobre a matriz africana. "Sou baiano, pra mim não faz diferença se é branco ou se é negro. Eu só fui ver que tinha negro aqui em Campinas, só senti que havia essa diferença aqui em Campinas. Eu nunca tinha percebido isso", afirma, mostrando espanto sobre o racismo ainda recorrente na sociedade. Motivado por esse amor à cultura africana, ele já expôs as peças em diversas cidades e espaços. "O intuito é a cultura. Desmistificar para que as pessoas não olhem para o culto afro com essa ignorância, como se tivesse olhando para coisas ligadas ao diabo, a satanás e essas coisas bestas criadas pelas pessoas. Na realidade, isso é a cultura de vários povos. Eu nunca vi tanta imaginação criativa para criar tantas formas diferentes, eu to desde 87 adquirindo peças. Quando eu penso que já vi tudo chego à conclusão que não vi nada", fala. Toloji afirma não estar preocupado com o que vai acontecer com seu acervo depois de sua morte, mas não esconde que gostaria que as peças fossem preservadas. "Eu imaginava que Campinas fosse uma cidade cultural, que gostasse de cultura. Tem várias universidades, tem intelectuais, tem condições, mas, infelizmente não tem um museu que preste em Campinas, um único museu que valha a pena ir visitar, a não ser museus particulares. Me diga um museu público que valha a pena ir? Não tem, não tem. Nada", reclama. Ele já pensou em deixar o acervo para universidades ou para museus, no entanto, não sente interesse de nenhum deles — ou capacidade para o manuseio e preservação necessária. “Muitos prefeitos vieram aqui, prometeram mundos e fundos, mas quando se elegem, esquecem, não se interessam por isso. É uma riqueza imensa. Uma pena que as pessoas públicas não enxergam essas coisas assim. Talvez seja porque é coisa de negro”, especula. SAIBA MAIS Toloji trabalhava como chefe de automação e controle industrial. O nome da casa, Ilesin Ogun Lakaiye Osinmole, significa: Ilesin (casa de adoração), ogun (orixá da guerra), lakaiye (aquele que possui o mundo) e oximole (é aquele que possui a luz). Babá é pai e toloji significa: Deus me eleva suficientemente. Toloji conta que recebia 75 salários mínimos. Por isso, conseguiu investir tanto nas peças. Mas, se aposentou com apenas um salário mínimo. Ele perdeu as contas de quanto vale o acervo. Uma das peças, por exemplo, custa R$ 25 mil. A coleção passa da casa dos milhões. Toloji recebeu o título de cidadão campineiro em 20 de junho de 1999, quando inaugurou o instituto. SERVIÇO O quê: Instituto Cultural Babá Toloji Onde: Rua Mario Bassani, 154, Jd. São Vicente, Campinas Contatos: 3276-5687 e 3276-5759, [email protected] Custo: de graça Obs: É preciso agendar as visitas, que são guiadas e comportam no máximo 25 pessoas por vez. Confira o vídeo:

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