impactos dos estragos

Um olhar campineiro em Brumadinho

O professor Jefferson Picanço, do Instituto de Geociências (IG) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), está em Brumadinho

Francisco Lima Neto
francisco.neto@rac.com.br
31/01/2019 às 08:54.
Atualizado em 05/04/2022 às 09:20

O professor Jefferson Picanço, do Instituto de Geociências (IG) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), está em Brumadinho, palco da tragédia ambiental e humana, em Minas Gerais, em uma missão que busca avaliar as consequências dos estragos causados pela lama após o rompimento da barragem de rejeitos. O estudo vai fornecer recomendações às autoridades que estão à frente das operações. O docente é membro do Centro de Apoio Científico em Desastres (Cenacid), da Universidade Federal do Paraná. Uma equipe do centro vai estudar o rompimento, em especial, os mecanismos e consequências do fluxo da lama-rejeito. O Cenacid foi ao local a convite da Secretaria de Crise da Presidência da República, já que tem vasta experiência em tragédias, tendo atuado em vários desastres no País e também no Exterior. Uma das atuações fora do Brasil se deu no Haiti, quando o país foi desolado por um terremoto em janeiro de 2010. O evento assolou o país e deixou milhares de mortos. Inicialmente, o grupo deve permanecer até hoje em Minas e vai apoiar no enfrentamento da calamidade por meio de avaliações e análises realizadas com base na experiência do Cenacid em desastres em todo o mundo. O professor da Unicamp está atuando na obtenção dos dados gerais do desastre e na análise do processo do fluxo de lama, suas características e seus efeitos destrutivos. De acordo com o professor, o Cenacid realiza ações durante os desastres para auxiliar todos os agentes envolvidos no desastre, como bombeiros, população e governo. “Estamos fazendo uma avaliação de risco, o que aconteceu, como aconteceu. Depois podemos apontar algumas medidas a serem tomadas para que esse tipo de coisa não volte a acontecer”, diz. Picanço ainda não conseguiu acessar a mina, que fica na parte mais alta, porque lá é onde tem mais corpos e onde está sendo feito o trabalho humanitário. Os trabalhos estão concentrados na parte mais baixa e o estudo é para entender como esses fenômenos ocorrem. “O material vem com muita força e energia e altera totalmente o meio, casas, plantações e a lama se deposita em tudo. É aterrador”, aponta. O professor explicou ainda que o trabalho não envolve avaliar a barragem e nem o motivo do rompimento. Os trabalhos nesse caso são para avaliar as consequências da lama após o rompimento. “O trabalho é avaliar a partir do momento que rompeu. Como a lama veio descendo e a destruição que foi causando no caminho", conclui. Guerra O professor conta que no início tudo parece uma bagunça, com muita gente andando pra lá e pra cá, de uma forma aparentemente desencontrada. “Mas depois de um tempo, percebemos que é um local de trabalho intenso e cheio de protocolos de atendimento”, explica. “Conversamos com o coordenador. Ele nos alertou: isto aqui é como guerra. Não dá pra se locomover para qualquer canto, existem restrições diversas. E foi isso que me pareceu ao longo do dia. Brumadinho está cheio de barreiras com policiais e bombeiros, e é difícil de se locomover em determinados lugares”, diz. A equipe da missão chegou ao local na noite de segunda-feira e começou a trabalhar no dia seguinte. Os membros devem ficar até amanhã no cenário do desastre, mas, segundo o professor, estão em constante contato com outros órgãos e se for necessários podem retornar ao local para outras avaliações. Quem comanda a missão é o professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Renato Lima, diretor da Cenacid, reconhecido internacionalmente como expert em avaliação e gestão de grandes desastres. Também integraram a equipe Aline Freitas, diretora do serviço geológico do Rio de Janeiro, e Fabiane Aline Accordes, especialista em riscos e desastres. Universidade faz denúncias sobre barragens desde 2018 A Unicamp, desde 2018, denuncia os problemas das barragens no Estado de Minas Gerais. No dia 18 de abril de 2017, foi lançado na universidade o livro Vozes e Silenciamentos em Americana: crime ou desastre ambiental?. No ano passado, ele foi publicado pelo Jornal da Unicamp, dividido em capítulos. A trajetória e os desdobramentos do derramamento de rejeitos da barragem de Fundão, em Mariana, em Minas Gerais, no dia 5 de novembro de 2015, é o tema sobre o qual a obra se aprofunda com pesquisas, entrevistas, reportagens, crônicas, poesias e diferentes formas de abordagens. Entre os temas abordados, se destaca a ineficiência da política ambiental brasileira, que contribuiu para mais uma tragédia, talvez de proporções ainda maiores, desta vez em Brumadinho. No capítulo Licenciamento ambiental e política o livro aponta que etapas fundamentais para a concessão do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e seu respectivo Relatório de Impacto Ambiental (Rima) nem sempre são cumpridas. De acordo com a publicação, essa etapa é fundamental para a análise da viabilidade ou não de grandes obras. “Para a concessão do licenciamento ambiental, são necessários três tipos de licenças: prévia, de instalação e de operação. Sem esse rito, nenhum empreendimento pode ser efetivado. Porém, nem sempre essas etapas são cumpridas adequadamente”, traz trecho do livro. O capítulo aponta que é flagrante a falta de fiscalização do planejamento. “As evidências apontadas pela Delegacia de Crimes contra o Meio Ambiente e o Patrimônio Histórico da Polícia Federal de Minas Gerais de que a barragem de Fundão foi mal construída, mal monitorada e usada acima de sua capacidade deixam claros os problemas relacionados à fiscalização e ao monitoramento do que foi planejado no licenciamento ambiental”, traz trecho da obra. A publicação ainda ressalta que são temerárias algumas iniciativas de parlamentares de propor alterações nas leis para que as licenças ambientais sejam concedidas mais rapidamente para embalar o crescimento econômico. Outro capítulo alerta que os mecanismos criados pelo governo não têm sido suficientes para conter danos. Entre os principais problemas ambientais provocados pela mineração estão a poluição da água, do ar, da qualidade do terreno e a poluição sonora. “No caso da exploração do ferro, os principais problemas são a poluição de águas superficiais e a idade das barragens de contenção, que podem ser danificadas pela falta de manutenção adequada. Em relação a essas questões, ações preventivas poderiam ser aplicadas como o cadastramento adequado e a avaliação sistemática e continuada da estabilidade de barragens existentes, tanto as ativas quanto as abandonadas”, conclui. Salto Grande e Jaguari vão ter de ser fiscalizadas já O Conselho Ministerial de Supervisão de Respostas a Desastre do governo federal publicou anteontem duas resoluções que determinam a fiscalização imediata de barramentos de diferentes finalidades, enquadrados como Categoria de Risco (CRI) alto ou com Dano Potencial Associado (DPA) alto. Duas barragens da região constam na lista: a Salto Grande, em Americana, e a Jaguari, em Pedreira. Desde 2011, a Agência Nacional de Águas (ANA) consolida o Relatório de Segurança de Barragens (RSB) a partir de informações disponibilizadas pelos órgãos responsáveis pela fiscalização de barragens, a depender de seu tipo de uso (produção de energia elétrica, contenção de rejeitos de mineração, disposição de resíduos industriais ou usos múltiplos da água). O RSB é um instrumento para dar transparência à situação das barragens no País, segundo o órgão. Um total de 3.386 barramentos será vistoriado por seus respectivos órgãos fiscalizadores. Deste universo, 824 estruturas estão sob a responsabilidade de órgãos federais fiscalizadores, sendo 91 delas da (ANA), 528 ligadas à Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e 205 estão sob a responsabilidade da Agência Nacional Mineração (ANM). Os demais empreendimentos são de responsabilidade dos estados. No total, o Brasil possui 43 agentes fiscalizadores. O Brasil tem 45 barragens com algum risco de desabamento, segundo relatório da Agência Nacional de Águas (ANA). A análise, feita em 2017 e referendada em novembro do ano passado, mostra que o número de barragens nessa condição aumentou. Em 2016 eram apenas 25. A represa Salto Grande, em Americana, consta na lista com classificação de alto risco. Número de mortes confirmadas em Minas sobe para 99 A Defesa Civil de Minas Gerais informou, no fim da tarde de ontem, que há 99 mortos e 259 desaparecidos após a tragédia provocada pelo rompimento de uma barragem da mineradora Vale em Brumadinho, na região metropolitana de Belo Horizonte. Nesse sexto dia de buscas, a chuva forte fez com que houvesse interrupções pontuais nos trabalhos. Dos 99 mortos confirmados até agora, 57 já foram identificados. O número de pessoas desalojadas subiu de 135 para 175, segundo o governo de Minas Gerais. A barragem de rejeitos, que ficava na mina do Córrego do Feijão, se rompeu na sexta-feira. O mar de lama varreu a comunidade local e parte do centro administrativo e do refeitório da Vale. Entre as vítimas, estão pessoas que moravam no entorno e funcionários da mineradora. A vegetação e rios foram atingidos. O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, determinou a liberação de R$ 192 milhões para hospitais e clínicas de Minas ligadas ao Sistema Único de Saúde (SUS). O recurso extra será usado para tentar reduzir a crise da saúde que o Estado enfrenta, agravada com o rompimento da barragem. Mandetta deverá visitar a região afetada pelo acidente hoje, quando será realizada a missa de 7º dia da primeira vítima identificada, a médica Marcelle Porto Cangussu. Os recursos serão repassados para Minas a partir de fevereiro. Pelo cronograma, serão enviados para instituições que prestam serviços ao SUS e que atualmente não têm contrapartida do governo federal R$ 16 milhões mensais. Mas, diante da crise, instituições deverão receber R$ 64 milhões.

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