BAÚ DE HISTÓRIAS

Um jornalista que deixou sua marca

Com seu domínio na escrita, Luso Ventura teve papel importante na fundação da Unicamp

Francisco Lima Neto
14/06/2020 às 11:03.
Atualizado em 29/03/2022 às 08:25
Luso Ventura morreu aos 62 anos no dia 12 de outubro de 1975 (Cedoc/RAC)

Luso Ventura morreu aos 62 anos no dia 12 de outubro de 1975 (Cedoc/RAC)

A imprensa profissional, livre e atuante é um dos maiores ativos que um País pode ter. Ela é capaz de dar luz àquilo que se quer esconder e, muitas vezes, até mudar o curso da história. Exemplo disso, é o jornalista Luso Ventura, que com sua vasta cultura e domínio exemplar da escrita, marcou seu nome em Campinas. Ele foi um dos primeiros indicados para a Academia Campinense de Letras (ACL), mas decidiu criar e Academia Campineira de Letras e Artes (ACLA), fundou a Casa de Portugal e foi o responsável pela instalação da Faculdade de Ciências Médicas (FCM), o embrião da Unicamp. Luso, por mais que o nome leve a crer em um primeiro momento, não era português. Nasceu em Amparo, no dia 18 de janeiro de 1913. Foi chefe e diretor de redação no extinto Diário do Povo e no Correio Popular — ambos veículos do Grupo RAC. Devido à sua proeminente cultura, consta que produziu mais de 5 mil artigos ao longo de sua carreira. A criação do Aeroporto de Viracopos teria sido motivada por sua atuação nos periódicos. Mas talvez um de seus maiores marcos tenha sido a batalha pela Faculdade de Ciências Médicas (FCM), que culminou com a criação da Unicamp. Desde 1946, por iniciativa de Luso Ventura, o jornal Diário do Povo encampou a luta para a instalação de uma faculdade de medicina por aqui. Ele dedicou cerca de 200 publicações a esse tema. À época, só existiam dois cursos de formação de médicos, o da Universidade de São Paulo (USP) e a Escola Paulista de Medicina, ambos na capital. Depois de Luso Ventura muito argumentar e ganhar o apoio da massa, a lei que instituiu a Unicamp foi assinada em 28 de dezembro de 1962 pelo governador Carlos Alberto de Carvalho Pinto. No ano seguinte, a FCM foi autorizada a funcionar, de forma provisória, nas dependências da Maternidade de Campinas. Em abril do mesmo ano foi realizado o primeiro vestibular, que teve 1.592 inscritos para as 50 vagas existentes. Somente em 5 de outubro de 1966, foi lançada pedra fundamental para a construção da Unicamp. De 1965 a 1985, a FCM funcionou dentro da Santa Casa de Misericórdia após assinatura de convênio. Em 1986, se transferiu para a Cidade Universitária. Luso, junto de outros 15 notáveis, foi um dos escolhidos para ocupar uma das cadeiras na fundação da Academia Campinense de Letras, em 17 de maio de 1956. Ele também faria parte do grupo que elegeria os outros 24 que formariam o primeiro quadro de imortais da ACL. Contudo, na sessão de posse e instalação, em 22 de novembro daquele mesmo ano, o jornalista teria se desentendido com Francisco Ribeiro Sampaio e se recusou a tomar posse. O motivo ainda não foi totalmente explicado, mas consta que ele teria se revoltado com o fato de o poeta Paranhos de Siqueira, que era muito importante, não ter sido indicado para a Academia. Possivelmente, isso se deu porque o poeta não tinha diploma de curso superior, uma imposição elitista, já que poucos o tinham. Passados 14 anos, em 11 de novembro de 1970, Luso fundou a Academia Campineira de Letras e Artes (ACLA), juntamente com o poeta Paranhos de Siqueira, o jornalista e escritor Rubem Costa e poeta, historiador e radialista Jolumá Brito. Enquanto pôde, fez questão de usar seu dom com as palavras em prol dos movimentos culturais, políticos e sociais de Campinas. Morreu aos 62 anos, em 12 de outubro de 1975. Provocação no Correio fez surgir a Casa de Portugal  O pontapé inicial para uma maior união da comunidade portuguesa em Campinas partiu de uma provocação feita pelo jornalista, na edição do Correio Popular de 6 de abril e 1957. Essa publicação causou o movimento que fundou a Casa de Portugal de Campinas em 28 de março de 1958. "Onde estão os Portugueses? Não é indiscreta a pergunta. Quando perguntamos onde estão os portugueses, sabemos, efetivamente, que no Brasil, estão eles em toda a parte, particularmente no coração dos brasileiros. Mas a pergunta tem outro sentido: por que não estão os portugueses de Campinas arregimentados sob uma mesma bandeira que seria, por exemplo, a de uma Casa de Portugal?”, questionava. “Desde a infância, sob o teto de minha família, aprendi a amar e respeitar Portugal — terra de meu pai e de meus avós. Os primeiros jornais que li falavam-me de perto à sensibilidade sobre coisas e homens da velha terra lusa. Livros de Portugal, li-os todos retirados das estantes paterna”, trazia outro trecho. “Com a alma carregada de tantas reservas doces e amoráveis no que respeita ao tronco racial de onde procedemos, é natural que pensemos em nuclear os portugueses de Campinas sob um mesmo teto de fraternidade. Não compreendemos a dispersão de uma colônia de tão profundas raízes de patriotismo — esse patriotismo que a fez levar aos quatro cantos do mundo, como obra de fé e solidariedade humana, os alicerces das casas de beneficência, lidimas invenções da nunca desmentida generosidade portuguesa. Torna-se imperativo que os lusos se reúnam, em Campinas, numa sociedade que nos dê, permanentemente, um retrato daquele Portugal que não adormece na nossa saudade, pois nela palpita, e vibra, e sonha, e até nela se eterniza pelos milagres do mais entranhado afeto", completava. Luso estabeleceu em 1958 o ponto de partida, reunindo vários portugueses para adquirir um velho casarão à Rua Ferreira Penteado. Em 1970, começou a construção do Palácio Luso Brasileiro para reunir aquele povo que sonhava com a pátria mãe.

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