campinas, 246 anos

Um golpe na pujante economia

1889 marca a chegada da 1ª e devastadora pandemia de febre amarela

Francisco Lima Neto
14/07/2020 às 11:02.
Atualizado em 28/03/2022 às 21:33
Fachada da Sociedade Portuguesa de Beneficência na época da febre amarela (Reprodução)

Fachada da Sociedade Portuguesa de Beneficência na época da febre amarela (Reprodução)

Campinas, na penúltima década do século 19, era uma cidade vibrante, que florescia, sua economia era pujante por conta do ciclo do café. No ano de 1889, quando a febre amarela chegou e alcançou status de pandemia, o Município tinha entre 15 mil e 20 mil habitantes e tinha tamanho crescimento econômico, que se comentava que poderia tomar o lugar de São Paulo como capital do estado. Contudo, escondia sérios problemas estruturais. No ano anterior, os escravizados haviam sido libertos, sem nenhum tipo de apoio ou plano estratégico para serem inseridos na sociedade. A necessidade de mão de obra atraiu imigrantes italianos, alemães, franceses, entre outros, além de gente de outras partes do País. Os ricos construíam palacetes na região central, mas passavam bastante tempo nas fazendas acompanhando a plantação e colheita de café. Os libertos viviam nos chamados cortiços - casarões construídos que eram divididos e alugados para os pobres. Não havia rede de esgoto e a questão sanitária era periclitante. Esse cenário foi preponderante para que a febre amarela fosse tão devastadora. “Campinas era uma cidade imunda, suja. As casas, fossem ricas ou pobres, em geral, tinham poço de água no quintal e ao lado tinham as latrinas ou casinhas, e muitos ainda criavam porcos, tudo perto uma coisa da outra. A higiene em Campinas era um horror. O principal local de sujeira no Centro era o Jardim Carlos Gomes, onde é a Praça Carlos Gomes. Todo mundo jogava lixo lá”, conta Jorge Alves de Lima, advogado, presidente da Academia Campinense de Letras (ACL), historiador, membro da Academia Paulista de História (APH) e do Instituto Histórico, Geográfico e Genealógico de Campinas. Ele tem uma série de livros dedicados a esse período da história da cidade. De acordo com ele, os empregados das famílias ricas e as pessoas pobres descartavam lixos e dejetos naquela localidade. Isso ocorria de manhã. Durante a noite quem fazia isso eram os presos, já que a cadeia velha ficava no mesmo prédio da Câmara, ali na Praça Bento Quirino. “Além disso, Campinas tinha muitos córregos e riachos, que cortavam e alagavam a cidade, era cheia de pântanos”, reforça Lima. Nos anos de 1888 e 1889, o Rio de Janeiro, capital do império, e Santos, já sofriam com os problemas causados pela febre amarela. Conforme Lima reproduz em seu livro O Ovo da Serpente - Campinas 1889, desde os primeiros dias de janeiro daquele ano, a imprensa campineira publicava artigos sobre a necessidade urgente de as autoridades tomarem medidas de saneamento por conta de doenças causadas pela falta de higiene. A imprensa falava sobre a fedentina das ruas, os lixos, restos de comida, e a água usada - de banhos e fezes, que eram jogadas nas vias. Também alertava para doenças que constantemente acometiam os moradores do entorno do Jardim Carlos Gomes. Trágica história de amor leva ao início da epidemia Em fevereiro de 1889 desembarcou em Campinas, já moribunda, a suíça Rosa Beck, aos 24 anos, vinda de Paris. Era professora de francês. Ela desembarcou no porto do Rio de Janeiro no dia 21 de dezembro de 1888. Ficou por lá algum tempo, antes de chegar em São Paulo pelo Porto de Santos. No Rio de Janeiro ela foi acometida pela doença. Ao chegar em Campinas, se hospedou na Padaria Suíça, que ficava na Rua Bom Jesus - hoje Avenida Campos Sales, esquina com a Rua José de Alencar. O dono, Ulrich Banninger, era suíço e, além dos quitutes, alugava quartos para seus conterrâneos. Rosa estava em estado deplorável. Ficou aos cuidados do médico Germano Melchert, mas durou dois dias. Morreu em 10 de fevereiro. Antes de partir para o outro lado, só conseguia falar o nome de Luiz Roberto Camargo de Souza Penteado, filho de uma família abastada de Campinas. Ela conheceu o campineiro em 1888, em Paris, onde ela morava e ele cursava o último ano da faculdade de medicina. Se encantaram e noivaram. Com o fim do ano letivo, ele voltou à Campinas para abrir seu consultório e preparar a vinda da amada. O combinado era que ele voltaria à cidade luz em julho de 1889, para se casarem na Catedral de Notre Dame. Mas, inebriada de amor e saudade, ela veio ao encontro do amado no mesmo ano, sem seu conhecimento. O médico recém-formado só soube da vinda dela após sua morte, ao ser avisado por Dr. Germano de uma jovem que em delírio, no leito de morte, chamava por ele. Os poucos dias em que a moça suíça viveu em Campinas foram suficientes para disseminar a doença. Vizinhos, frequentadores e funcionários da padaria foram acometidos e morreram, além do dono e seu filho de menos de dois anos. A peste se alastrou e o pânico tomou conta da cidade. Campinas tinha 27 médicos, apenas sete continuaram por aqui para ajudar os adoentados, os ricos se esconderam em suas fazendas ou fugiram para outras cidades e estados. O comércio fechou as portas, os trens distribuíam passagens de graça. Os políticos foram para bem longe. Restaram aqui entre cinco e seis mil pessoas. Justamente as mais pobres, entre eles, os libertos e os imigrantes, não à toa, foram as principais vítimas fatais. Desses que sobraram, 1.981 morreram, de acordo com o historiador Jorge Alves de Lima. Para piorar, ninguém sabia como se dava a contaminação da doença, que atacava fígado, rins, entre outros órgãos, causava febre alta, hemorragia, e deixava pele e branco dos olhos amarelados. Menos ainda que era transmitida por mosquito. Diziam que ela brotava da terra. As autoridades aplicavam piche nas vias. Outros diziam que era transmitida pelo ar, então colocavam alcatrão nas vias e ateavam fogo. “As pessoas andavam pisando naquele piche mole e inalando aquela fumaça horrenda. Muitos morreram de infecção pulmonar”, afirma Lima. Essa primeira epidemia da cidade foi a mais violenta, com pico em abril. Apenas no dia 17 daquele mês, 58 pessoas morreram. “A epidemia começou a passar em junho e o pessoal foi retornando para cá, mas muitos ficaram na capital, e com isso alavancaram São Paulo, enquanto Campinas ficou devastada”, finaliza o historiador.

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