AGRICULTURA SUSTENTÁVEL

Um café orgânico, saboroso e que ajuda a regenerar o solo em Campinas

Grãos são cultivados em meio a árvores nativas e frutíferas em sítio do distrito de Sousas

Cibele Vieira
13/08/2022 às 06:01.
Atualizado em 13/08/2022 às 06:01
O dentista Cid Manicardi, que transformou em realidade o sonho de praticar e difundir a agricultura sustentável: no sítio Flor da Lua, de sua propriedade, o café brota em meio a pés de bananeiras (Kamá Ribeiro)

O dentista Cid Manicardi, que transformou em realidade o sonho de praticar e difundir a agricultura sustentável: no sítio Flor da Lua, de sua propriedade, o café brota em meio a pés de bananeiras (Kamá Ribeiro)

O que começou como um modo de vida idealizado virou realidade, na forma de um negócio inédito e sustentável. Campinas ganhou, nas serras do distrito de Sousas, o primeiro cultivo de café orgânico da cidade, em sistema agroflorestal. O sonho do dentista e professor universitário Cid Manicardi transformou-se em modelo de agricultura sustentável. O seu sítio "Flor da Lua" ganhou status de projeto experimental - em curso há 17 anos - que comprova a viabilidade de uma forma de agricultura regenerativa e biodiversa, que além da visão ambiental também agrega uma preocupação social. 

"Nosso trabalho pretende se unir a outros movimentos e contribuir para o fomento da recuperação de solos degradados, pela adoção de métodos de agricultura orgânica e similares que gerem biodiversidade, fixação e ampliação da população rural com impacto socioambiental positivo e sustentável", diz Cid Manicardi. Ele comprovou que isso é possível com sua determinação de ter um café campineiro, orgânico, agroecológico, cujo manejo do solo regenera a vida e refloresta a região. Agora, ele tem participado de intercâmbios técnicos para compartilhamento de experiências e conhecimento com outros produtores. 

Entre árvores e bananas 

Quem chega ao sítio logo percebe um cafezal diferente. Entre os pés de café cultivados no topo da montanha, são plantadas árvores nativas de várias espécies para ajudar o solo a se manter fértil. As bananeiras são inseridas entre as linhas formadas pelos pés de café - organizados cuidadosamente em curvas de nível para evitar enxurradas e erosão - e suas folhas são deixadas para compor o solo em forma de adubo (compostagem).

Abacate, palmito pupunha e limão são algumas das árvores também presentes no meio do cafezal. A cada quatro linhas de café, vem uma linha de frutíferas. E a cada dois metros, surge uma "árvore de serviço", também chamada de "adubadeira", porque recebe três podas ao ano para que seus galhos e folhas sejam incorporadas ao solo como adubação e como forma de manter a umidade. O secador, onde os grãos descansam depois da colheita, é solar e garante uma secagem limpa e uniforme, contribuindo para a qualidade final do produto.

São 20 mil m2 onde estão plantados 8 mil pés de café. A primeira colheita foi feita com ajuda da família e amigos, de maneira rústica. "O cafezinho ficou gostoso, levei para avaliar e teve uma boa classificação", conta. Agora, já na segunda colheita, feita totalmente por mulheres da vizinhança - porque elas são mais cuidadosas com os grãos - o café foi colhido, beneficiado, torrado e a bebida obtida vem sendo considerada de ótima qualidade. "Tenho estudado, me dedicado a aprender mais e quero aderir a essa causa sustentável, agregar mais gente que queira fazer disso uma realidade", comenta o produtor.

Sonho de família 

Manicardi começou a dividir sua paixão pela odontologia com o apelo rural quando se mudou com a esposa - a cantora e professora Isa Taube - e as duas filhas para o sítio em Sousas, em 2005. Mesmo com o casal trabalhando na cidade, o sítio foi sendo cultivado inicialmente com verduras e, há 14 anos, com café, com plantio inicial de mil pés. Este ano ele colheu, apenas com mulheres, a segunda safra da nova varietal Arara (nome escolhido pela Fundação Prócafé). 

O sítio Flor da Lua (referência ao nome das filhas Flora e Luana) acabou criando um novo conceito de café, cultivado em sistema familiar, orgânico e agroecológico, e processado em minitorrefações também locais. A paixão do dentista-produtor pelo café foi adquirida na vida adulta, embora na adolescência e juventude tenha frequentado bastante o sítio de um amigo de escola, onde se sentia muito sintonizado. 

Mas antes de optar pelo café, o sítio cultivou muitas verduras, como um local de produção orgânica certificada. Durante a pandemia, a família fazia cestas para abastecer outras famílias da região com os produtos da horta (mandioca, cenoura, milho, verduras), conta Isa Taube, companheira há 31 anos. Embora ainda dê aulas de música, ela ajuda na rotina do sítio e, como ele, sonha em ter todo o sistema de vida no campo autossustentável. 

Uma agricultura possível

O agravamento das mudanças climáticas e drástica redução da biodiversidade impactam de forma complexa a agricultura. Dados atuais da ONU indicam que a fome já atinge 9,8% da população global e 29,3% já estavam em quadro de insegurança alimentar em 2021. Esses dados, citados por Manicardi, revelam que "o planeta está sob pressão socioambiental imposta pelo modo de vida atual e nos vemos em uma trajetória de colapso iminente". 

Baseado em estudos recentes, ele acredita que a forma de operar do agronegócio tem intensificado o êxodo rural com a automatização dos processos e sua consequente redução de postos de trabalho. E exemplifica que "esses mecanismos degradam o solo pelo seu revolvimento excessivo e desmatamento, liberando na atmosfera altos volumes de CO2 (dióxido de carbono) que extinguem nascentes e corpos d'água". 

Nesse contexto, os pacotes tecnológicos, que associam sementes transgênicas ao uso intensivo de fertilizantes químicos e agrotóxicos, contribuem para a contaminação das águas e solos, queda da biodiversidade e padronização da alimentação humana (com alimentos de baixo valor nutricional e alto custo de produção e comercialização). Diante desta realidade, o produtor afirma que "os desafios em gerar alimento à população, renda e qualidade de vida decente aos agricultores, impõem mudanças na estratégia de produção, distribuição e principalmente medidas que gerem maior resiliência à agricultura e meio ambiente".

Entendendo a urgência dessa mudança, o Sítio Flor da Lua tem se colocado como parte da solução. Manicardi não tem dúvidas sobre a necessidade desse trabalho que pretende "difundir a adoção de uma agricultura verdadeiramente sustentável, inclusiva e baseada na economia circular estimulando cadeias de produção e consumo alinhadas aos princípios da agricultura orgânica e regenerativa". E isso inclui o envolvimento de mais trabalhadores no campo. "Quantos trabalhadores consigo incluir, quanto carbono consigo fixar no solo, quanto consigo recuperar do nosso ecossistema para evitar a extinção de espécies - inclusive a nossa - tem sido meu mantra", finaliza. 

Um café campineiro

Campinas já era reconhecida como berço do café nacional pelo trabalho de pesquisa comandado pelo Instituto Agronômico desde sua criação (1887). Essa tradição agora se renovou com a criação de um café 100% local, cultivado pelo Sítio Flor da Lua. A varietal Arara - nome escolhido pela Fundação Prócafé - é nova, brasileira "e tem chamado a atenção pelas características sensoriais, muito doce, delicada, com uma acidez cítrica suave e se adaptou muito bem ao cultivo orgânico pelo vigor da planta", explica o dentista-produtor. 

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