CEMITÉRIO

Túmulos da Saudade ficam expostos com muro de gradil

Considerado um “museu a céu aberto”, local reúne obras de arte tumulares

Luis Eduardo de Sousa/ luis.reis@rac.com.br
20/05/2023 às 10:08.
Atualizado em 20/05/2023 às 10:08

Obra tem prazo de seis meses para ser concluída, com previsão de término para setembro; de acordo com a Setec, uma cerca viva será plantada junto ao gradil, o que deve tirar a visibilidade de quem passa de fora (Rodrigo Zanotto)

Considerado um “museu a céu aberto”, o Cemitério da Saudade, em Campinas, começa a ganhar um ar ‘mais jovem’ com a construção do novo muro, alinhado à Avenida Engenheiro Antônio Francisco de Paula Souza, via que liga a cidade a Valinhos. Quem passa pela avenida agora consegue visualizar o interior do cemitério, fundado em 1881 e patrimônio histórico do município. A novidade, entretanto, não agradou quem trabalha na mesma topografia da necrópole.

Isso porque agora, diferente de que é vigente há mais de um século, tudo o que acontece no interior do local vem a público com maior facilidade. A obra, que deu trabalho à Serviços Técnicos Gerais (Setec) para sair do papel, está 30% concluída, suficiente para gerar críticas.

Comerciantes que atuam na avenida reclamam da vista fúnebre conferida pela paisagem, da sujeira que emana, do barulho que agora escapa de dentro para fora e da facilidade para se pular o gradil.

“Agora temos que limpar os carros todos os dias”, reclama Rafael Amaro, 40, que gerencia uma loja de veículos na via. “Sobe uma poeira de dentro desse cemitério que antes, quando tinha o muro, não chegava até aqui. Antes, limpava os carros duas vezes por semana, agora tem que limpar todo dia” diz. O gerente conclui dizendo que se surpreendeu com uma celebração de aniversário sobre um túmulo, realizado nas últimas semanas. “Imagina estar vendendo um carro e de repente tem uma série de pessoas cantando parabéns em volta de uma sepultura, dentro de um cemitério”.

No geral, a reclamação é que o novo cenário do cemitério confere um desconforto comercial para quem deseja vender algum produto. “Esse cemitério é um modelo antigo, com mausoléus, que já não é mais usado em nenhum lugar. Fica esquisito olhar para lá e ver esses túmulos, ver sepultamento todo dia é tenso”, fala o proprietário de uma loja especializada em ar-condicionado veicular, Adriano de Jesus, de 47 anos. O sócio dele, inclusive, “morre de medo” dos mortos, mas defende a nova cerca. “É melhor eu saber o que tá acontecendo lá dentro que não fazer ideia”, rebate Arianderson Soares, de 45 anos, sobre a posição do sócio.

O novo muro atraiu opinião negativa também do vendedor Anderson Aquino, de 42 anos, que trabalha em uma loja de peças para motocicletas em operação no local há 10 anos. “Preferia que fosse como era antes. Já que derrubaram o muro todo, o que a meu ver é desnecessário, que se construísse outro. Fica muito visível e o próprio cemitério já é abandonado, ou seja, a visibilidade traz à tona o que está feio lá dentro”, conta.

O muro veio à pauta depois que um trecho despencou, em 30 de março do ano passado. O problema foi resolvido, mas o trecho voltou a desabar em dezembro de 2022. A Setec justificou que a estrutura do muro estava comprometida e, portanto, precisaria de uma nova estrutura.

Uma licitação foi realizada e a empresa vencedora começou as obras há dois meses. Até o momento, foram concluídos 30% da intervenção. Conforme projeto elaborado pela Secretaria Municipal de Serviços Públicos, são 1.076 metros lineares do novo muro, que tem média de 1,50 metro. Sobre a parte de alvenaria está sendo instalado um gradil com 2 metros, totalizando 3,5 metros de altura. O fato de a maior parte ser composta pelo gradil e não por alvenaria, inclusive, torna mais fácil ultrapassar a barreira. “Qualquer um pula isso aí e entra para mexer nos túmulos. Sem contar que, se roubam até alambrado aqui nas imediações, é capaz que roubem essas grades aí também”, comenta Aquino.

SOLUÇÃO

Embora a maioria dos comerciantes que conversaram com a reportagem tenha se posicionado contra o novo modelo, os que defendem avaliam como exagero a posição contrária. Caso de Tatiane Mendes, de 38 anos, que é dona de uma loja de artigos para festas. “Ficou mais bonito e mais transparente, mais iluminado. Até tem cliente que não gostou, mas não a ponto de deixar de comprar alguma coisa em razão da vista”, disse.

Outra questão, que é apontada como benéfica pelos comerciantes, é o barulho, que na versão deles, reduziu com o novo modelo, já que o som, antes refletido pelo “paredão”, agora se dilui pelas brechas do cercado.

De acordo com a Setec, uma cerca viva será plantada junto ao gradil, o que deve, novamente, tirar a visibilidade de quem passa de fora.

A obra tem prazo de seis meses para ser concluída, com previsão de término para setembro. O custo é de R$ 2.47 milhões. A Setec prevê ainda uma série de outras intervenções no local, que é considerado um “museu a céu aberto”, devido às obras de arte tumulares presentes em grande parte das 112 quadras.

O cemitério é tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas (Condepacc) desde 2003. Por lá foram sepultadas vítimas de epidemias, pessoas ilustres, barões, baronesas, monarquistas, republicanos, políticos, médicos, juristas e outras personalidades, além dos conhecidos milagreiros como Maria Jandira, os três anjinhos e o escravo Toninho.

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