PERSEVERANÇA

Treinador renova os sonhos de garotos

Jovem de 21 anos, que ensina futebol na periferia desde os 12, é a esperança para meninos

Francisco Lima Neto
27/10/2019 às 15:10.
Atualizado em 30/03/2022 às 10:37

Os ponteiros do relógio marcam quase 15h, em uma tarde de quarta-feira de muito sol e calor. Cerca de 35 garotos de várias idades, se aglomeram na Praça da Juventude (Pastor Alessandro Monare) no DIC V, em Campinas. Eles estão ansiosos para ouvir o apito que indica que mais um treino de futebol vai começar. O dono do apito é o estudante Rafael Alves, de 21 anos, que desde os 12 se dedica a ensinar as técnicas do esporte mais popular do Brasil para crianças, que assim como ele, são de regiões periféricas da cidade. Ele dá aula três vezes por semana, de manhã e a tarde. Apesar da empolgação, a maioria dos meninos se mantém sentados, na pequena sombra proporcionada por um muro. Conversam entre sim, sem fazer bagunça ou falar palavrões. Quando Alves aparece, as expressões mudam e a energia é contagiante. Chama a atenção o respeito e a disciplina dos garotos enquanto o treinador fala e explica como será o treino e as divisões das equipes por idades. Sob um sol escaldante, os meninos entram no gramado e começam o treino. Com o apito ora na boca, ora na mão, o jovem treinador deixa os meninos cada vez mais familiarizados com as regras, posicionamentos, e respeito ao fair play. Em dado momento, um dos goleiros ficou com a chuteira desamarrada. Mais que depressa, um dos jogadores de linha recuou e se abaixou para amarrar o cadarço do colega, já que as luvas o impediam de fazer isso por si mesmo. Início Alves tinha o sonho de ser jogador de futebol. Desde pequeno treinava em escolinhas da cidade e até mesmo fora. Mas aos 12 anos, os recursos financeiros ficaram ainda mais curtos. E ele, o mais velho dentre os quatro irmãos, teve de abortar o sonho. " Eu fiquei muito triste. Porque era meu grande sonho e eu tinha talento", conta. Para mudar a própria história e tentar evitar que outros garotos sofressem a mesma decepção, ele colocou outro plano em ação. "Eu tava com 12 anos e comecei a dar aula de futebol para os garotos da minha rua, no Jardim Shangai. Tinha garoto de 17 anos e eu ensinando. Começou com 17 meninos, mas logo foi para 30, depois 70. Começou a vir povo de outros bairros", relembra. "Eu já tinha um conhecimento. Mas passava a noite na internet pesquisando tipo de treinos para passar para eles", revela. Garrafas de água faziam as vezes de cones, uniforme não existia e a bola era velha e rasgada. Mas a iniciativa não foi muito bem vinda pelos vizinhos, que não gostavam muito daquela invasão de meninos jogando tomando a rua para jogar bola. O garoto passou a ocupar qual espaço nos bairros onde poderia dar as aulas. Os interessados eram avisados ao longo da semana e ele ia de bairro em bairro levando suas aulas. Nessa época já eram mais de 100 alunos. "A minha maior motivação é que eles possam ter a oportunidade que eu não tive", repete como um mantra. Junto com um tio procurou a Secretaria de Esportes entre 2012 e 2013. "Saí de lá com bola, coletes e cones", diz. A partir de 2014 o projeto cresceu ainda mais. A Secretaria de Esportes explicou quais espaços públicos poderiam ser usados. O projeto passou a atingir cerca de 21 bairros e 700 crianças. Logo nasceu o time Shalk 09, para que os alunos pudessem disputar campeonatos. "O time hoje tem 250 alunos em toda a região dos DICs e Campo Grande", explica. Alves estuda o máximo que pode e faz cursos livres para se tornar um técnico profissional. "To fazendo cursos para me qualificar como treinador. Meu foco primordial é minha equipe e a minha qualificação. Em 5 anos eu quero estar treinando um time grande. Quero realizar meu sonho de treinar um time profissional", revela. Além de ajudar no sonho dos garotos, o projeto ajuda a estreitar os laços familiares. "Tinha pai que não tava nem aí, nunca aparecia. Mas, hoje são presentes. Quando tem joga aparece pai até de baixo da terra", brinca. O treino inclusive é acompanhado atentamente por dois desses pais. Rosangela Couto dos Santos, de 37 anos, estava assistindo ao filho de 13 anos. "Já tem um ano que meu menino participa. Eu gosto do projeto, é muito sério. O Rafael é bem responsável, sabe o que quer. Com isso aí eles ficam mais responsáveis não só pelo jogo, mas pela vida pra frente também. É muito importante", diz. José Adilson da Silva vê os lances do filho de 14 anos de perto. "O projeto ajuda bastante a tirar a molecada da rua. É um incentivo para o esporte, tira das drogas, dos crimes. O que ele tá fazendo é muito bonito. É o sonho deles ser jogar de futebol. Eu dou parabéns para o Rafael. Eu sempre to acompanhando, levando meu filho para os jogos. Meu filho gosta demais. Principalmente quando eu to junto, incentivando", afirma. Acompanhamento Alves revela ainda que cobra muito dos meninos. "Tem que ter respeito e responsabilidade. Tem que cuidar da saúde e da alimentação", diz. Até o desempenho escolar é levado em conta. "Tenho uma parceria com um amigo do Conselho Tutelar. Eu passo os nomes para ele e ele faz contato com as escolas. Se algum aluno falta, a escola entra em contato com a gente. A gente acompanha tudo", afirma.

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