Especialistas alertam para a necessidade de mudanças na gestão arbórea da cidade
Perito da Polícia Civil inspeciona raiz do eucalipto de grande porte que caiu e matou uma menina de 7 anos em Campinas (Rodrigo Zanotto)
A tragédia ocorrida na terça-feira (24) com a queda de um eucalipto no Parque Portugal, conhecido como Lagoa do Taquaral, reacendeu a discussão sobre o papel da Prefeitura de Campinas no manejo das árvores que compõem as áreas verdes da cidade. Se por um lado a Administração municipal garante que a manutenção das árvores é feita continuamente pelas equipes da Secretaria de Serviços Públicos e também pela concessionária de energia, que executa podas quando necessário, por outro, especialistas são unânimes em dizer que o município carece de uma melhor gestão nessa área.
Segundo o pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Ivan André Alvarez, a cidade precisa urgentemente de um inventário arbóreo. Alvarez afirma que a situação de quedas de árvores, como as que fizeram duas vítimas fatais em menos de um mês - entre elas uma criança, terça-feira -, poderia ter sido monitorada se a Prefeitura tivesse um melhor conhecimento da situação das árvores da cidade, inclusive as do Parque Taquaral.
O pesquisador reconhece o efeito das mudanças climáticas e o impacto das fortes chuvas que castigam cidade em relação aos referidos acidentes, mas não isenta o poder público municipal da responsabilidade de um conhecimento mais aprofundado e atualizado sobre o patrimônio arbóreo do município - até como forma de conseguir antecipar providências, evitando-se a tomada de decisões apenas após episódios trágicos.
O especialista questiona a determinação da Prefeitura de interditar todos os parques da cidade. Para Alvarez, a prioridade, a partir de agora, deveria ser concentrar esforços em mapear as áreas de risco e verificar as árvores que possam apresentar alguma situação que configure perigo de queda. O pesquisador diz temer por uma eventual ação de poda indiscriminada de árvores, o que poderia agravar o problema e também gerar prejuízos para o município do ponto de vista ambiental.
"É muito importante que a gente tenha árvores na cidade, porém, é muito importante também que a Prefeitura faça uma gestão eficiente das espécies, evitando cortes e podas indiscriminadas e, muitas vezes, sem critério, prejudicando os indivíduos. A Administração precisa de equipes que executem um estudo das árvores e realizem as podas corretamente e, sobretudo, orientem a população quanto ao plantio voluntário correto", defendeu.
Sobre os eucaliptos existentes na Lagoa do Taquaral, o especialista disse que a Prefeitura precisa estudar a possibilidade de, aos poucos, substituir essas espécies, que são muito antigas e não são nativas, porque elas oferecem risco de quedas, por serem muito altas e com mais de 50 anos.
‘Tragédia Anunciada’
O advogado Marcos Roberto Boni, especialista em Gestão Ambiental, também critica a gestão feita pela Prefeitura nas árvores da cidade. Sobre a queda do eucalipto na Lagoa do Taquaral, Boni vai além e credita em 'tragédia anunciada'.
Segundo ele, em março de 2015, época em que atuou como membro do Conselho Municipal de Meio Ambiente (Comdema), representando a Secretaria Municipal do Verde, onde era diretor, alertou a Prefeitura sobre o potencial perigo que os eucaliptos daquele tamanho e naquela região representavam.
"Com base da Lei 11.571 de 17 de junho de 2003, que prevê a cada seis meses um estudo qualitativo e quantitativo por amostragem das árvores da cidade, fiz um alerta sugerindo a criação de um grupo para tocar um estudo sobre a substituição gradual e progressiva de eucaliptos do Parque Taquaral por árvores nativas", contou.
Segundo Boni, na época da proposta ele foi duramente criticado. "E acabou que o estudo nunca foi feito e meses depois caiu um eucalipto dentro da Lagoa. Felizmente, naquele episódio, ninguém foi atingido", acrescentou.
Como estudioso da Lei de arborização de Campinas, Boni disse que, na época, quase dez anos atrás, justificou a proposta de estudo de substituição gradual dos eucaliptos da Lagoa do Taquaral, trabalho que levaria de 15 a 20 anos, afirmando que as espécies são árvores exóticas, que não trazem benefícios ambientais significativos para a fauna e que representam uma ameaça à integridade física das pessoas pelo risco de quedas, mesmo que aparentemente estejam saudáveis.
O especialista explicou que, na ocasião da queda do eucalipto, a Secretaria de Serviços Públicos informou que faria uma tomografia nas árvores próximas à pista de caminhada para verificar a necessidade de extração preventiva. Ele questiona ainda a forma como são conduzidas as podas de árvores na cidade. "Na maioria das vezes, o que vemos são podas mal realizadas e que acabam por comprometer ainda mais os exemplares", disse.
Sem providências
O engenheiro Denilson Magalhães, que entre 2020 e 2021 atuou como guarda-vidas na Lagoa do Taquaral, afirmou ter presenciado queda de galhos dos eucaliptos no local. "A queda de galhos grandes acontecia. É muito perigoso. Fizemos diversos avisos para a Administração, mas não houve providências", afirmou.
A atual presidente do Comdema, Maria Helena Novaes Rodrigues disse que está há quase três anos como presidente do conselho, período no qual a Comissão de Arborização Urbana esteve sempre ativa, em estudos profundos conduzidos por profissionais técnicos de alta qualificação.
Entretanto, para ela, mesmo com encaminhamento de ofícios com solicitações de providências às autoridades municipais, em nenhum momento o conselho recebeu respostas adequadas. Maria Helena conta não há obediência ao Guia de Arborização Urbana (GAUC) e também sequer um contrato formalizado com a concessionária de energia elétrica da cidade, seja a respeito das espécies adequadas, seja sobre podas drásticas.
Obediência à legislação
A Prefeitura de Campinas informou que realiza há dois anos o levantamento fitossociológico, que é o estudo das características, classificação e distribuição das árvores. Conforme a Administração, foram inspecionadas mais de 30 mil árvores em algumas regiões da cidade, como o Taquaral. Todas estão catalogadas e com laudos técnicos. Na cidade, segundo a Prefeitura, existem entre 700 e 800 mil árvores adultas.
Dentro desse universo, o levantamento é um trabalho complexo que exige que os técnicos vistoriem individualmente cada exemplar. Com relação à poda, a Prefeitura diz que segue os critérios estabelecidos na Lei de Arborização Urbana de Campinas, nº 11.571, de 17 de junho de 2003.