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Traços expressam o realismo e a realidade

Adolescente com autismo é autoditada e mostra sua vocação artística em retratos

Daniel de Camargo
18/05/2019 às 20:05.
Atualizado em 03/04/2022 às 20:40

Diagnosticado com autismo e deficiência intelectual, João Vitor Gomes da Silva, de 17 anos, não vê sua condição como uma barreira e anseia vencer na vida por meio de um talento nato para arte. O jovem cria desenhos tão realistas que parecem fotografias. A rotina diária do adolescente se resume a passar as manhãs na casa de uma tia fazendo retratos, em sua maioria de astros do futebol, esporte pelo qual é apaixonado. João Vitor diz que descobriu sua vocação artística há cerca de cinco anos. Na ocasião, ele e o irmão mais velho estavam desenhando. "Fiquei bravo porque o desenho dele ficou melhor que o meu. Então, me concentrei e desenhei novamente. Ficou ótimo. Meu irmão olhou e disse que eu tinha um dom", comentou. A partir daí, o rapaz começou a exercitar sua habilidade diariamente. Em 2014, chegou a participar de uma oficina de histórias em quadrinho com duração de 20 horas na escola em que estudava, em Itanhaém, na Baixada Santista. Segundo ele, a única capacitação que, de fato, já recebeu. O desejo de aprimorar o seu talento fez João Vitor pesquisar sobre o assunto na internet. Nas videoaulas do artista Charles Laveso, no Youtube, encontrou uma verdadeira escola. "Os vídeos dele ensinam direitinho", garantiu. Com base nas dicas do canal, dedicado à arte do desenho realista feito a lápis grafite, e obstinação, o desenhista atingiu um patamar profissional. Apesar disso, demonstra humildade e considera que ainda está aprendendo. Seu sonho é cursar uma faculdade relacionada à arte para que possa transformar a paixão em profissão. O jovem informou que já vendeu alguns desenhos. "Como estou começando, cobro, em média, R$ 50", disse. Por preferência, quase todos os retratos feitos por João Vitor são em preto e branco. "Procuro um cantinho na casa para ficar sozinho. Lá, começo a desenhar e não paro mais", contou, detalhando que um desenho leva, no mínimo, dois dias para ficar pronto. Além de jogadores de futebol, ele prefere retratar cantores de rap e pessoas da família. Entre os desenhos já feitos, Cristiano Ronaldo, craque da seleção portuguesa e da Juventus, da Itália, ganha destaque com mais de um retrato. "É o meu jogador favorito. O melhor. Tem uma capacidade técnica acima da média e treina mais que os outros: é uma inspiração para mim", externou. História Quando o filho tinha apenas 7 anos, Jane Tibéria Souza de Gomes Lopes, desempregada de 43 anos, percebeu que ele tinha um dom. "Fui para o Nordeste conhecer minha mãe. Lá, ele viu um quadro de Padim Ciço e fez um desenho muito similar", recordou. O sonho de uma vida melhor e mais oportunidades para o filho explorar sua arte motivaram a mudança da família para Hortolândia. Há dois meses na cidade, Jane tem encontrado dificuldades para encontrar emprego, porém, acredita ter feito a melhor escolha. "Morei em Itanhaém por quase 40 anos. Queria ter me mudado antes para cá, mas o João Vitor estava ambientado no colégio e as mudanças causam aflições nele", explicou. "Se eu alterar um móvel de lugar dentro da casa, ele sente", completou. A mãe sonha obter recursos para que o filho possa fazer uma faculdade ou curso e aperfeiçoar ainda mais suas habilidades. "Ele é perfeccionista: descarta os desenhos que analisa como ruins", disse, orgulhosa. Diagnóstico Com um ano e meio de vida, João Vitor Gomes da Silva foi diagnosticado com autismo e deficiência intelectual. De acordo com a mãe, o teste do pezinho, exame feito com o sangue do calcanhar do bebê logo após o seu nascimento, que visa identificar e impedir o desenvolvimento de doenças genéticas ou metabólicas, mostrou alterações. Em um primeiro momento, a pediatra analisou que seria necessária a aplicação de injeções de hormônio, caso João Vitor não crescesse naturalmente. "Até o diagnóstico (do autismo), ele sofreu bastante: não aguentava barulho, chorava muito e não ia com ninguém", disse Jane. Posteriormente, já na infância, João Vitor teve problemas sérios no olho, braço e perna esquerda. "Todo o lado esquerdo do corpo dele foi afetado. Meu filho caía constantemente, devido à falta de força e coordenação motora", comentou. “Porém, com muita perseverança, João Vitor venceu esses obstáculos”, encerrou. Escola Atendendo à recomendação da neurologista que acompanhou o desenvolvimento cognitivo de João Vitor a partir do diagnóstico, Jane matriculou rapidamente o filho em uma creche. A medida visava dar autonomia à criança. Na época, ele era extremamente mimado pelos avós maternos com quem passava bastante tempo, enquanto a mãe trabalhava. "O aprendizado foi complicado", enfatiza a dona de casa, comentando que João Vitor enfrentou dificuldades para interagir com as outras crianças na escola desde pequeno. De acordo com Jane, entre outros, ele dormia por longos períodos por conta dos medicamentos que tomava, o que afetava o foco no aprendizado. Jane relembra um episódio triste, vivido em uma escola municipal de Itanhaém. Na ocasião, ela foi chamada no colégio porque o jovem havia feito algo de errado, segundo os educadores. Ao chegar, foi para a sala do diretor e se sentou. Em seguida, coloram João Vitor do seu lado. Desconfortável e agitado com a situação, o jovem começou a balançar a cabeça e uma das mãos. Nesse momento, o diretor o repreendeu, ordenando que a criança parasse de fazer aquilo, porque não era retardado. "O João Vitor fixou a cabeça, mas sem perceber continuou movimentando a mão. Eu comecei a chorar. Me segurei, porque não podia desaprovar a atitude do professor, mesmo que errada, na frente dele. Se fizesse isso, meu filho poderia pensar que ele tinha liberdade para fazer o que bem entendesse na escola", disse. Uma psicóloga que presenciou tudo foi indagada pelo diretor: "Viu? Ele (João Vitor) não tem nada". Jane relata que a mulher não concordou com seu superior e mencionou o detalhe da mão. "Chegando em casa, o João Vitor chamou o irmão mais velho, com quem é muito apegado, e disse que tinha feito eu chorar, mas que nunca mais isso iria se repetir”, relembra. Medicação João Vitor parou de ser medicado há cerca de 10 anos. A mãe assegura que o jovem é comportado e não costuma causar problemas. Sua condição, entretanto, requer cuidados especiais. Principalmente quando o adolescente está na rua. Jane recorda um mal-entendido que poderia ter tido um desfecho ruim para o filho. "Uma vez, ele e o irmão foram parados pela polícia. O João Vitor estava a poucas quadras da casa que nós morávamos na época. Mas, mesmo assim, não conseguia se lembrar disso. Um dos policiais que realizou a abordagem pensou que ele estava brincando, quando respondeu que não sabia onde residia", relembrou. "O João Vitor ficou nervoso com a situação e começou, involuntariamente, a balançar a cabeça. Nesse momento, o policial percebeu que ele era diferente e questionou ao meu outro filho se o João tinha algum problema. Ao tomar ciência que ele é autista, os policiais liberaram ambos", relatou. Realismo O Realismo é um movimento artístico voltado para a representação da realidade vivida pela sociedade, inúmeras vezes por meio de críticas. Sua linguagem é direta e objetiva, o oposto ao subjetivismo característico do Romantismo, por exemplo. Em seu blog, Charles Laveso, desenhista e professor de desenhos realistas há mais de 20 anos, esclarece que as artes plásticas possibilitam muitas formas de expressão: pintura, escultura, fotografia, colagem, gravura e desenho. "Em resumo, o artista manipula os materiais para revelar um conceito estético. Mas em cada uma delas também existem técnicas diferenciadas", afirma.

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