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TJSP exige apresentação de estudo sobre possível venda de áreas de institutos de pesquisa

TJSP também quer saber do governo estadual o valor que seria obtido com a comercialização dos 35 lugares listados, 11 deles localizados na RMC

Edimarcio A. Monteiro/[email protected]
25/04/2025 às 10:21.
Atualizado em 25/04/2025 às 10:49
Governo definiu onze glebas na Região Metropolitana de Campinas que seriam vendidas para a iniciativa privada; são áreas da Fazenda Santa Elisa (foto), do Instituto Biológico, da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios e do Instituto de Zootecnia, localizado em Nova Odessa (Alessandro Torres)

Governo definiu onze glebas na Região Metropolitana de Campinas que seriam vendidas para a iniciativa privada; são áreas da Fazenda Santa Elisa (foto), do Instituto Biológico, da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios e do Instituto de Zootecnia, localizado em Nova Odessa (Alessandro Torres)

A 3ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) exigiu que o governo do Estado apresente um estudo acerca dos impactos nas pesquisas e o valor a ser obtido com a venda de 35 áreas experimentais de institutos de pesquisa de São Paulo. Entre elas, 11 glebas estão na Região Metropolitana de Campinas (RMC), incluindo áreas da Fazenda Santa Elisa, pertencente ao Instituto Agronômico de Campinas (IAC), do Instituto Biológico (IB), da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (Apta) e do Instituto de Zootecnia, em Nova Odessa. Na prática, fica suspensa a realização de audiência pública sobre a alienação até a apresentação desses levantamentos. A decisão é um desdobramento da liminar de suspensão da audiência, que estava marcada para o último dia 11 para discutir a venda das áreas. 

A determinação da 3ª Câmara foi tomada anteontem durante o julgamento do agravo de instrumento apresentado pelo governo na ação civil pública impetrada pela Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC). Os três desembargadores presentes seguiram o parecer do relator do processo e presidente do subgrupo do TJ-SP, Kleber Leyser de Aquino. “Esses eixos informativos são essenciais a fim de respaldar a opinião da comunidade científica sobre a proposta de venda, tendo em vista ainda os impactos que ela pode causar no trabalho desenvolvido pelos institutos científicos”, disse o desembargador na sentença.

“Essas informações importantes são essenciais à apreciação da comunidade científica acerca da viabilidade da desvinculação pretendida e, caso apresentadas apenas no contexto interno à própria audiência pública, podem torná-la ineficiente, já que os participantes não poderão realizar, sem conhecimento prévio, o debate qualificado da proposta”, completou. O governo ainda pode recorrer.

A Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento divulgou, em nota oficial, que “o Estado ainda não foi intimado e está à disposição do Tribunal de Justiça para esclarecimentos.” A Pasta reiterou que “nenhuma área que consta na proposta de estudo para alienação possui atividades de pesquisa ativa e a totalidade das áreas somadas equivale a 6% do total da área de bens imóveis da Secretaria”.

No recurso ao TJ-SP, o Estado informou o interesse de vender 1.300 hectares, o equivalente a 1.203 campos de futebol, dedicados à pesquisa agropecuária. A lista de fazendas experimentais inclui propriedades espalhadas por diferentes regiões do Estado, dedicas à pesquisa em diferentes áreas da agricultura, como cana-deaçúcar, amendoim, café, citrus, pecuária e uva. As áreas pretendidas para alienação estão localizadas também em Monte Alegre do Sul, Piracicaba, São Roque, Ribeirão Preto e outros municípios.

REPERCUSSÃO

O presidente da 3ª da Câmara do TJSP citou que a exigência está prevista no artigo 272 da Constituição do Estado de São Paulo. “O patrimônio físico, cultural e científico dos museus, institutos e centros de pesquisa da administração direta, indireta e fundacional são inalienáveis e intransferíveis, sem audiência da comunidade científica e aprovação prévia do Poder Legislativo”, de acordo com o que consta no artigo.

A advogada da APqC, Helena Goldman, destacou a importância do Tribunal de Justiça demandar a apresentação dos estudos. “É uma decisão fundamental para garantir transparência neste processo, uma vez que ele vinha sendo realizado sem apresentação de estudos que orientem as decisões do governo, com riscos flagrantes à produção de conhecimento.”

“Quando São Paulo enfrentou a crise do café, as pragas da laranja – ainda presentes nos laranjais – foi a pesquisa feita pelos institutos públicos que orientou a tomada de decisão. Sem pesquisa não há futuro”, disse a presidente da Associação dos Pesquisadores, Helena Dutra Lutgens. “Governos são passageiros, mas o patrimônio público dedicado à ciência deve ser preservado e ampliado, especialmente em momentos em que a sociedade é desafiada com o avanço da emergência climática”, acrescentou.

A Fazenda Santa Elisa ocupa 692 hectares e nela foram desenvolvidas, desde 1932, variedades responsáveis hoje por 90% do café cultivado no Brasil, maior produtor mundial, e também em outros países. Além disso, 35% da propriedade é ocupada por áreas ciliares, cerrados, várzeas, Mata Santa Elisa, nascentes, córregos e represas. No caso dessa unidade de pesquisa, a possibilidade de comercialização envolve uma gleba de 7 hectares a ser desmembrada, pouco mais de 1% do total, denominada de São José. Porém, nela existem exemplares únicos de diversas espécies de café, além de abrigar a população mais antiga do mundo da variedade arábica clonada por cultura de tecidos.

DISPUTA

A polêmica em torno da venda das áreas científicas chegou também à Assembleia Legislativa, envolvendo deputados da oposição e da base de apoio do governo. No último dia 16, o Legislativo aprovou requerimento da deputada estadual Beth Sahão (PT) para cobrar do Estado a apresentação de cópias integrais de todos os estudos realizados, para avaliar a viabilidade da alienação dos centros de pesquisa, pela Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp) e outros órgãos ligados à Secretaria Estadual da Agricultura e Abastecimento. “Não se pode vender o patrimônio público científico sem diálogo, transparência e respeito à Constituição”, disse a parlamentar. 

Já o deputado Itamar Borges (MDB) apresentou moção de apelo ao Instituto Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), autarquia do Ministério da Cultura, para reconsiderar a proposta de tombamento da Fazenda Santa Elisa. Ele argumentou que a proposta “representa grave ameaça à continuidade dessas atividades (de pesquisa)”. Para o deputado, “ainda que reconheçamos a importância da preservação patrimonial e da memória histórica, o tombamento integral da Fazenda Santa Elisa pode resultar em restrições operacionais e legais que inviabilizem a ampliação e modernização de instalações científicas e laboratoriais; incompatibilidade com exigências técnicas de biossegurança e inovação, que demandam constante adaptação estrutural; e comprometimento da viabilidade técnica de convênios e projetos de cooperação internacional, que exigem infraestrutura atualizada e capacidade de expansão.”

A moção de Itamar Borges está em tramitação. Na terça-feira (22), a solicitação foi encaminhada à Comissão de Atividades Econômicas (CAE) do Legislativo. O pedido de tombamento foi apresentado, no final do ano passado, pelo Instituto Fazendas Paulistas (IFP), como estratégia para barrar a venda da área de pesquisa do IAC. A análise foi incluída no estudo do Iphan para criação da Rota do Café de São Paulo. Ela envolve Campinas, que no passado foi uma das maiores produtoras do país; Vila de Paranapiacaba, em Santo André, onde ainda existe a ferrovia por onde passava o grão voltado para exportação; e o Porto de Valongo, área portuária mais antiga de Santos, onde ocorria o embarque.

Em uma audiência realizada na Câmara Municipal de Campinas, no final do mês de março, o superintendente do Iphan em São Paulo, Danilo Nunes, disse que a análise pode levar até cinco anos e considerará a importância nacional da Santa Elisa. Além disso, ele afirmou que “o tombamento não impede a venda”, mas faria que o uso da fazenda fosse voltado para sua vocação natural de pesquisa e avanços em ciência, inovação e tecnologia no campo. Ele negou que o eventual tombamento prejudique as pesquisas em andamento ou futuros trabalhos.

A proposta da criação da Rota do Café paulista será apresentada nos dias 22 a 24 de maio no Fórum Internacional do Patrimônio Cultural Brasil-Portugal, que será realizado na Universidade de Aveiro, no país europeu. Para a coordenadorageral do Fórum e vice-presidente do IFP, Maria Rita Amoroso, a Santa Elisa é um patrimônio histórico, cultural, científico e ambiental. “É um patrimônio de importância internacional”, disse.

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