SAÚDE À MESA

Teste concebido pela Unicamp indica se alimento é orgânico

Cientistas querem adaptar a tecnologia a uma fita adesiva descartável para ser usada diretamente pelo consumidor no momento da compra

Edimarcio A. Monteiro/ [email protected]
17/08/2022 às 16:53.
Atualizado em 17/08/2022 às 17:02
A engenheira química Alessandra Miloni, que é consumidora de alimentos orgânicos, considera que o teste ajudaria no momento da compra: "De uma forma geral, não dá para saber o que é orgânico ou não" (Dominique Torquato)

A engenheira química Alessandra Miloni, que é consumidora de alimentos orgânicos, considera que o teste ajudaria no momento da compra: "De uma forma geral, não dá para saber o que é orgânico ou não" (Dominique Torquato)

A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) desenvolveu um teste para identificar a autenticidade de produtos orgânicos e agora trabalha na criação de um teste portátil, em forma de uma pequena tira adesiva descartável, para ser usado pelo consumidor. O trabalho de sete pesquisadores do Laboratório Inovare de Pesquisa foi publicado na última quinta-feira (11) na Food Chemistry, uma das revistas científicas da área de alimentos mais importantes do mundo.

De acordo com o coordenador do laboratório, o professor e cientista Rodrigo Ramos Catharino, o objetivo é dar garantia aos clientes do que estão adquirindo e facilitar a vida deles. "O uso do teste vai dar ao consumidor e ao produtor a garantia da qualidade do que é produzido, criando uma certificação de fácil aplicação, além de ajudar a regular o mercado", afirma.

O Brasil é hoje o 16º maior mercado mundial de produtos orgânicos, que movimenta US$ 800 milhões (R$ 4,1 bilhões) por ano no país, o equivalente a 0,825% dos US$ 97 bilhões (R$ 498,7 bilhões) do setor no mundo. O Censo Agropecuário de 2017 aponta a existência de 68.716 estabelecimentos agropecuários orgânicos certificados em território nacional. A Associação de Agricultura Natural de Campinas e Região (ANC), responsável pela certificação do selo orgânico e pelas três feiras ecológicas existentes na cidade, tem 126 produtores cadastrados.

De acordo com Catharino, o teste portátil dará autonomia e facilitará a verificação do produto. A tira adesiva, que contará com um tipo de reagente, seria colocada no alimento e em poucos segundos daria o resultado se ele é orgânico ou não. O pesquisador explica que pretende usar a mesma tecnologia criada pela Unicamp para teste de covid-19, o que facilitará o desenvolvimento e a chegada da tecnologia ao mercado, mas não faz uma previsão de quando isso ocorreria.

De acordo com ele, isso depende de obtenção de verba para pesquisa e o interessa de empresas no produto. No caso do teste da covid, a tira era colocada na nuca no paciente e indicava se estava doente ou não. Ela não chegou a ser produzida comercialmente.

Tomate

Os pesquisadores da Unicamp usaram o tomate para identificar a presença de agrotóxicos ou não e comprovar a qualidade do produto orgânico. O teste inédito foi desenvolvido a partir do uso do espectrômetro de massa, equipamento de alta tecnologia que identifica a presença de qualquer material estranho, associado à inteligência artificial. Ele identifica todos os compostos presentes no fruto e até mesmo vitaminas, como C, B; antioxidantes; micronutrientes; e betacaroteno, substância que dá a cor vermelha.

De acordo com Catharino, o teste desenvolvido tem 92% de eficácia. O coordenador do Inovare acrescenta que a metodologia desenvolvida permite a aplicação em qualquer produto orgânico. "O que foi desenvolvido é uma grande plataforma, que poder ser aplicada em hortaliça, fruta, legume, verdura do mercado, orgânico e não orgânico", explica Catharino. O cientista afirma que ela permite identificar qualquer sinal de agrotóxico e dos componentes benéficos dos produtos.

Bem-vindo

O fisioterapeuta e empresário do setor de orgânicos Bento José Pereira Neto vê com bons olhos a chegada ao mercado desse equipamento. Para ele, "isso vai ser o grande trunfo" para dar tranquilidade aos consumidores quanto à qualidade dos produtos comercializados, com potencial de ajudar a aumentar as vendas.

Neto disse que teria interesse em disponibilizar um teste desse tipo em sua loja de produtos orgânicos. Atualmente, ele faz o controle através dos laudos emitidos pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) ou entidades autorizadas, que devem ser renovados anualmente.

Para a engenheira química Alessandra Miloni, consumidora de orgânicos, a "fé em Deus" é o que hoje usa ao fazer compras. "Apenas observando, não tem diferença. De uma forma geral, não dá para saber o que é orgânico ou não", explica. Para ter mais segurança, ela procura comprar em estabelecimentos que ganharam a sua confiança e conseguiram ter credibilidade após anos de mercado.

A prática a leva a ter um contato mais próximo e até a chamar pelo nome a atendente de uma loja de orgânicos em Valinhos. Alessandra acrescenta que evitar comprar esse tipo de mercadoria em supermercados para evitar a geração de lixo. "Geralmente, em supermercado, o orgânico está fechado em embalagens e isso gera mais lixo. Eu prefiro pegar o produto", afirma, por ser adepta de um conceito ambiental mais amplo.

A assistente da loja, Indiara Gonçalves Pereira, aponta alta de 30% nas vendas de orgânicos desde o início da incidência da covid-19, em 2020. "A pandemia fez com que muitas pessoas ficassem mais em casa e elas voltaram a cozinhar", diz. De acordo com ela, o volume não aumenta mais porque a produção não consegue atender a demanda.

Segundo a Associação de Promoção da Produção Orgânica e Sustentável (Organis), no primeiro semestre de 2020 a venda de produtos orgânicos teve crescimento de mais de 50% no Brasil. A loja onde Indiara trabalha compra de produtores até de fora da região de Campinas, como Bragança Paulista e também cidades do Sul de Minas Gerais, como as frutas vindas de Camanducaia. Além de exigir a certificação oficial, Indiara explica que o proprietário visita e conhece a produção dos fornecedores.

Tomas Felipe da Silva de Moraes, motorista encarregado das entregas de uma fazenda de orgânicos de Itatiba, explica que atende várias cidades da região, como Campinas, Valinhos e Vinhedo, mas também de outras. A empresa atende clientes até de São Paulo.

O governo brasileiro vem estimulando a produção nacional, oferecendo incentivos para que esse mercado cresça e tenha condições de atender a demanda interna e também as exportações. Por enquanto, segundo a Organis, apenas 15% dos brasileiros consomem esses produtos e a aquisição está restrita às classes mais abastadas e esclarecidas da população, dado que seu preço é mais elevado.

Crescimento

A área ocupada com a produção orgânica cresce, em média, 2% ao ano no Brasil, mas com possibilidade de avançar ainda mais. De 2000 a 2017, a área agricultável mundial destinada a cultivos orgânicos aumentou 365%, quase 10% ao ano, aponta estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), fundação vinculada ao Ministério da Economia.

Em termos absolutos, a agricultura orgânica saltou de 15 milhões de hectares de terras para 69,8 milhões de hectares nesse período. Deste total, 51% da área agrícola destinada à produção orgânica encontra-se na Oceania, seguida pela Europa (21%), América Latina (11%), Ásia (9%), América do Norte (5%) e África (3%).

No Brasil, principal produtor latino-americano, a produção orgânica ocupa 1,13 milhão de hectares, de acordo com o Mapa, o que representa 0,4% da área agricultável do país. Em 2000, eram 803 mil hectares. Segundo a Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário (SEAD), 70% da produção nacional orgânica é exportada para a Europa, com destaque para Suíça, Dinamarca e Suécia.

Os produtos mais comercializados no exterior são açúcar, castanhas, frutas e seus derivados. A Suíça é o maior consumidor de produtos orgânicos do mundo, com média de 288 quilos por essa por ano. Na Dinamarca, são 278 kg, enquanto o consumo da Suécia é de 237 kg.

Segundo Ministério da Agricultura, a região Sul é a maior produtora de orgânicos no país, sendo responsável por 40% do total. Em segundo lugar aparece o Nordeste (24%), seguido pelo Sudeste (22%). Já a região Norte tem participação de 9% e o Centro-Oeste, 5%.

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