Lá, os bares, as padarias e nas ruas que cercam o quarteirão da famosa região central da cidade, milhares de pessoas se aglomeram para ver a Copa
Mesmo vivendo a difícil realidade dos que não possuem um teto, essas pessoas conseguem misturar sua alegria e vibração com a de todos os torcedores que se postam em frente ao telão gigante que tem feito muito sucesso (Leandro Torres)
O semblante sério e apreensivo da catadora de papelão Ruth da Silva Nunes, de 36 anos, é de reprovação. O motivo, contudo, passa longe do fato de morar na rua e precisar se proteger das noites geladas do inverno campineiro. É também pela tensão em acompanhar o jogo sofrido entre Brasil e México, pelas oitavas de final da Copa do Mundo, no megatelão do Largo do Rosário. Lá, os bares, as padarias e nas ruas que cercam o quarteirão da famosa região central da cidade, milhares de pessoas se aglomeram para ver as partidas do Brasil no Mundial. No meio da massa, Ruth procura por seus ideais, com medo de um possível julgamento de quem a vê com desdenho, apenas por causa de seu baixo poder aquisitivo. Aos berros, ela e seus amigos “invisíveis” torcem, gritam e tentam dar, do jeito que lhes é conveniente, um apoio incondicional a cada um dos jogadores comandados pelo técnico Tite. Ao lado de seu amigo favorito, o viralata Thor, a catadora conta deixou a pacata cidade de Santa Cruz do Rio Pardo, no mês passado, em busca de oportunidades em Campinas. Assim como tantos outros, ela também garante seu sustento por meio das latinhas, garrafas e papéis recicláveis que encontra pelas ruas. “Vim até aqui hoje porque quero torcer pelo Brasil. Estou eu e meu cachorro, só está faltando o violão”, brinca a catadora. Apesar dos momentos de solidão, Ruth não está sozinha na dificuldade e muito menos no interesse pelas partidas da Seleção Brasileira. Ao seu redor, além de Thor, há um emaranhado de cobertores, garrafas, recipientes com restos de comida e outros moradores de rua, que se juntam a ela pelo mesmo motivo: acompanhar a classificação do Brasil. Wesley de Oliveira, por exemplo, sofreu com os constantes ataques mexicanos nos primeiros 20 minutos da partida. Mesmo aflito diante das dificuldades enfrentadas pelo time, ele segue confiante e, sem hesitar, afirma que a equipe brasileira não vai apenas ganhar o confronto. “O time vai se encontrar. Coloco fé no Tite e acredito que vamos ganhar do México hoje e vamos ainda levantar a taça no futuro”, disse o morador de rua. Com os olhos bem focados, ele vibra com os gols de Neymar e Roberto Firmano, no segundo tempo. Mesmo com a vitória e a classificação garantida, ele ainda encontra motivos para reclamar do desempenho de alguns atletas. O mais visado por ele é o atacante Gabriel Jesus. “O moleque é bom, mas tem que acertar esse pé e fazer um gol no próximo jogo”, cobra Wesley. Cristiane Duarte da Silva, por sua vez, conta que não gosta de futebol. Apesar disso, a moradora de rua afirmou que se sente feliz vendo as pessoas enfeitando as ruas do Centro de verde e amarelo. “É diferente, porque geralmente só tem carro passando por aqui (Avenida Francisco Glicério). Quando tem jogo, eu fico feliz, porque vejo as pessoas felizes, correndo e rindo da vida. É um momento meu de felicidade. Mesmo não entendendo nada, vou torcer pro Brasil jogar mais vezes”, comentou a moradora. Censo aponta 623 morando nas ruas De acordo com o último Censo realizado em 2016, existem 623 moradores de ruas espalhados pelas ruas de Campinas. Destes, 80% fazem uso de substâncias psicoativas ou álcool e 34% são egressos do sistema prisional. A maioria é homem, não brancos, com média de idade de 40 anos e baixa escolaridade.