FUTURO EM XEQUE

Tecnologia deve ser aliada para uma educação inclusiva

Especialistas da área avaliam os desafios a serem vencidos nas próximas décadas

Ronnie Romanini/ [email protected]
16/11/2022 às 08:46.
Atualizado em 16/11/2022 às 08:48
Interação com colegas e vivência presencial nos ambientes educacionais físicos são consideradas essenciais ao desenvolvimento dos alunos (Kamá Ribeiro)

Interação com colegas e vivência presencial nos ambientes educacionais físicos são consideradas essenciais ao desenvolvimento dos alunos (Kamá Ribeiro)

O dia 15 de novembro de 2022 ficará marcado como o dia em que o mundo atingiu 8 bilhões de habitantes. A expectativa da Organização das Nações Unidas (ONU) é a de que isso aconteça ainda hoje, durante o decorrer do dia. Desde o dia 18 de outubro, o Correio Popular tem publicado matérias temáticas no contexto do crescimento populacional, abordando a realidade atual e as perspectivas a médio e longo prazo. A de hoje, com o tema educação, encerra a série sobre a evolução populacional. Especialistas em educação da Unicamp abordaram como a tecnologia, que veio para ficar, deveria ser aplicada para efetivamente se tornar uma aliada do ensino, visto que ela tem sido cada vez mais empregada desde o início da pandemia.

Também fica evidente a importância da pedagogia inclusiva e de um ensino norteado pelo respeito e acolhimento às diferenças. Houve também um lamento pelo modo como a educação foi tocada no Brasil, nos últimos anos. A queda no número de inscritos em vestibulares e no próprio Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) é vista como uma consequência direta da falta de oportunidades, dificultando o acesso ao ensino superior.

Problemas econômicos, sociais e políticos influenciam a qualidade e acesso ao ensino, portanto, o ideal, na visão das especialistas, seria se pensar a educação como algo que não é isolado, mas sim afetado por outros fatores. Por isso, além da necessidade de políticas públicas que aprimorem a educação, é fundamental uma articulação conjunta com outras áreas de atenção e garantia de direitos da criança e dos jovens.

Políticas públicas de complementação de renda, valorização do salário mínimo, uma melhoria na economia... todos esses fatores contribuem para que avancemos na educação. Um dos dados que temos em relação à juventude brasileira é o de que ela começa a trabalhar muito precocemente. Alguns, saindo do fundamental.

Eles começam e não param mais de trabalhar, muitos conciliando trabalho e escola. Seria importante liberar esse jovem do trabalho por um tempo maior, dando condições para que os pais tivessem salários que garantissem o sustento familiar ou complementando a renda de famílias de baixa renda, para que eles pudessem se dedicar por mais tempo à educação... é assim que devemos pensar a educação, uma política articulada a outras", analisa a professora da Faculdade de Educação e pesquisadora do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas, Educação e Sociedade (GPPES) da Unicamp, Dirce Zan.

Ela mencionou que dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) apontam que mais pessoas de 15 a 17 anos puderam permanecer na escola quando o Brasil passou por momentos de valorização do salário mínimo e contou com políticas assistenciais importantes, como o Bolsa Família.

"Atualmente, os alunos da escola pública têm terminado o ensino médio de forma bastante conturbada, devido às mudanças ocasionadas pela reforma, a pandemia... Há uma evasão grande no ensino médio. Temos também uma crise econômica que gera muita instabilidade. Começa a não ser mais um projeto da família, do jovem que, por exemplo, mora em uma cidade no interior do país que não tem universidade próxima, que precisa fazer um sacrifício econômico para chegar à universidade. O jovem que sonhava seguir carreira acadêmica se desmobiliza, fica desmotivado. É um momento de muito desalento este que a juventude está vivendo." 

Em suma, além da dificuldade de ingressar em uma universidade, há enorme insegurança quanto à inserção no mercado de trabalho, considerando-se que o Brasil passa por um processo de perda de postos de trabalho. "Talvez, tenhamos hoje a geração mais qualificada. Jovens mais qualificados hoje do que seus pais. No entanto, as oportunidades de trabalho são mais precárias que as dos seus pais (...) É necessário um debate claro sobre a formação, que tipo, para qual mercado. Temos que refletir sobre que mercado estamos oferecendo. É precarizado, sem regulamentação, na maioria das vezes. Não temos propiciado boas oportunidades de trabalho para essa juventude." 

A tecnologia veio para ficar, entretanto, as condições de acessibilidade a ela devem ser garantidas aos estudantes de quaisquer regiões do país, tornando a educação inclusiva um recurso possível para todos os brasileiros (Rodrigo Zanotto)

A tecnologia veio para ficar, entretanto, as condições de acessibilidade a ela devem ser garantidas aos estudantes de quaisquer regiões do país, tornando a educação inclusiva um recurso possível para todos os brasileiros (Rodrigo Zanotto)

Inclusão

A ONU estabeleceu uma série de metas para 2030, nomeada Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). É um plano de ação global, com diversos eixos, sendo um deles a educação de qualidade. O principal objetivo é que, até 2030, esteja assegurada a educação inclusiva, equitativa e de qualidade, com a promoção de oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todas e todos.

A coordenadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferença (Leped) da Faculdade de Educação da Unicamp, Maria Teresa Eglér Mantoan, explicou que a educação inclusiva tem como premissa o fato de não existir uma pessoa igual à outra. Cada indivíduo é singular, com as suas diferenças internas.

"Diferença não é a mesma coisa que diversidade. A diversidade tem a ver com grupos identitários, negros, pessoas com deficiência, que querem ser incluídos, por exemplo. Em um grupo de 100 negros, nenhum é igual ao outro. Então, todo mundo tem o direito de ser inserido. Não por ser negro, mas por integrar uma nação. Educação inclusiva é o direito incondicional de todos terem acesso à educação. Isso está previsto na Constituição."

Ela criticou o retrocesso na área nos últimos anos, muito devido a políticas adotadas pelo governo federal. Segundo Maria Teresa, desde os tempos da ditadura militar não ocorreu um desmanche tão grande como agora.

Com isso, não surpreende a queda significativa no número de inscritos no Enem 2022, para o qual cerca de 3,4 milhões de estudantes se inscreveram. Esse total é um pouco acima dos 3,1 milhões de inscritos de 2021. Em 2020, por exemplo, foram 5,7 milhões. Em 2016, 8,6 milhões. "Foram quatro anos de intenso retrocesso no Brasil, de desmanche de toda uma política educacional, com a falta de comando no Ministério da Educação (MEC).

Houve desmanche em outras áreas também, como na econômica. Por exemplo, como é que a pessoa que não tem o que comer vai para a escola? E quem vive em família sem estrutura, sem emprego? Todas essas questões desembocam na dificuldade de se manter um índice educacional favorável à maior parte da população. A própria situação da pandemia é mais um fator, além dos desmanches propositais em determinadas políticas, como a de educação inclusiva."

Evolução

O advento da pandemia tornou a tecnologia uma aliada do ensino, permitindo aulas remotas que mantivessem os alunos, funcionários e docentes em segurança sem precisarem se aglomerar dentro de uma escola ou universidade. Embora já fosse utilizada antes na educação, a prática do ensino remoto passou a ser a única possibilidade durante as fases mais agudas da pandemia de covid-19. É notório que o avanço tecnológico veio para ficar, mas há preocupações e limites da ferramenta na visão de Dirce Zan e dos alunos com os quais tem contato.

"Os estudantes mencionam muito sobre a ausência de interação pessoal, da vivência - seja dentro do campus da universidade ou na escola. Eles se ressentem por não viverem isso na modalidade de ensino a distância. A tecnologia não substitui de forma alguma o trabalho presencial. Os alunos expressam isso com clareza, de como foi importante o retorno presencial à escola ou ao campus universitário."

Outra preocupação diz respeito à acessibilidade. Por mais que o acesso à internet seja maior hoje do que em outros tempos, ainda há regiões da cidade em que o sinal ainda é precário. Além disso, a própria aquisição de um equipamento que permita ao aluno e professores participarem de aulas remotas com qualidade não é tão simples para algumas pessoas, como explicou a docente Maria Teresa.

"Ela (a tecnologia) tem de estar disponível. Algumas crianças passaram por grandes apuros durante a pandemia, porque dispunham apenas de equipamentos antigos ou mesmo nenhum... (...) Precisamos ter muita segurança em relação a como a tecnologia é empregada na educação. Se ela caminha para levar educação a um maior número de pessoas, com qualidade de ensino, isso é bom. Para que a educação, com base nessa tecnologia seja inclusiva, ela deve oferecer qualidade para atender a todos, assim como a educação comum." 

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Correio Popular© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por