memória

Teatro esquecido deixa campineiros frustrados

Profissionais historicamente ligados à produção cultural em Campinas se manifestaram, indignados e frustrados, com a falta de interesse do poder público

Rogério Verzignasse
rogerio.verzignasse@rac.com.br
01/07/2018 às 09:05.
Atualizado em 28/04/2022 às 14:28

Escombros do Teatro Municipal Carlos Gomes, em 1965, que deu lugar a uma loja de departamentos (Cedoc/RAC)

Profissionais historicamente ligados à produção cultural em Campinas se manifestaram, indignados e frustrados, com a falta de interesse do poder público ao longo das últimas décadas em executar — ou ao menos conhecer — o projeto para um novo teatro em Campinas, elaborado há 53 anos, e que desde então permanece guardado no escritório do arquiteto que o desenhou, em Curitiba.  A existência dos croquis foi revelada em reportagem especial do Correio Popular no último domingo. Os autores do projeto, no caso, foram os vencedores de um concurso público lançado pelo então prefeito Ruy Novaes, logo depois que ele autorizou, ainda em 1965, a demolição do Teatro Municipal. Os vencedores foram premiados em dinheiro na época. A Prefeitura, naquele ano, chegou a anunciar o início das obras, previstas para o atual Parque Portugal, no Taquaral, bairro ainda em formação à época. Mas a iniciativa acabou abortada, e nenhum outro governante da cidade se dispôs — ao longo de cinco décadas — a pelo menos conhecer a planta. O assunto, desde o começo da semana, tomou conta das redes sociais. Leitores se manifestaram por meio de mensagens enviadas ao Correio do Leitor. Dezenas e dezenas de leitores, que vivem na cidade desde então, também se manifestaram, exigindo que o governo municipal resgate o projeto. Não foi diferente com as lideranças culturais. De maneria unânime, todos avaliam que manter o projeto no esquecimento reforça uma postura política antiga, que só desvaloriza a classe artística. Sucateamento Na opinião de Ariane Porto, que há 34 anos foi uma das fundadoras do Teatro de Arte e Ofício (TAO), o episódio revelado pelo Correio mostra exatamente que teatro é “instituição sucateada”. E a situação é causada, segundo ela, não só pela incompetência do governo municipal, mas pela própria sociedade, que viu o teatro ser demolido em 1965 e não protestou. Hoje, afirma, o poder público tem a obrigação de procurar o arquiteto, conhecer o projeto e dar uma satisfação ao público, em respeito à própria história. E ao público, diz, cabe exigir atitudes. Desprezo Para Tishe Vianna, que atua na área há três décadas e há 20 anos fundou em Barão Geraldo o Teatro Barracão, a frieza do poder público no caso é a reedição de um comportamento político histórico. Campinas, segundo ela, sempre desrespeitou seus artistas, e sempre considerou investir na cultura um desperdício de dinheiro. “Campineiro faz mais sucesso lá fora do que aqui. É assim desde Carlos Gomes. Os artistas precisam buscar reconhecimento em outro lugar. Nunca valorizamos nossos talentos” , disse. E investir em cultura, alerta, não pode se limitar a construir teatros. “Nunca existiram iniciativas para a formação adequada de técnicos, para a ocupação ordenada das salas e a difusão da programação artística”, diz. “Na visão limitada dos administradores, teatro não é importante. Nossos governantes nunca tiveram a noção de que promover a arte é investir nas pessoas”. “Letargia” Lea Ziggiatti é diretora do Conservatório Carlos Gomes, instituição tradicionalíssima, fundada há 90 anos. Na opinião dela, a reportagem do Correio mostrou à sociedade a realidade dura: há cinco décadas, a Prefeitura ignora um projeto belíssimo, que dotaria Campinas de uma casa de espetáculos à sua altura. Ao contrário, diz, os amantes do teatro precisam se contentar com a precaridade do Castro Mendes, adaptado em um antigo cinema, e do combalido Centro de Convivência, eternamente à espera de reformas. Para ela, a cidade tem casas de espetáculos “ridículas” . Segundo Lea Ziggiatti, Campinas tinha tudo para ser um polo nacional de cultura, mas sempre foi refém da “letargia” do poder público. Nova chance Na visão de Alcides Acosta, presidente do Centro de Ciências, Letras e Artes (CCLA), a descoberta feita pela reportagem se traduz em uma oportunidade verdadeira para que Campinas volte a investir na cultura. “Há um projeto pronto. Basta adequá-lo aos dias atuais”, fala. “A planta, com dois auditórios de dimensões específicas, capazes de comportar 2 mil espectadores, representa exatamente o teatro que a cidade sonha”, observa. Para ele, o desprezo aos croquis — ao longo de cinco décadas — escancara uma doença histórica da política, onde cada governante abandona os projetos de seus antecessores. “Estamos no tempo de reverter essa postura atrasada. Deve haver compromisso com os interesses da população”, resume. Demolição ocorreu nos anos 60 A demolição do Teatro Municipal de Campinas aconteceu em 1965. Imediatamente, o então prefeito Ruy Novaes lançou um concurso público para escolher o projeto de um novo teatro de ópera. E os vencedores foram dois arquitetos paranaenses. Um deles, Lubomir Ficinski Dunin, morreu no ano passado. O outro, Roberto Luiz Gandolfi, continua vivo e na ativa. Ele tem 81 anos de idade e mantém escritório em Curitiba (PR). Mas o cidadão admite que guarda uma mágoa enorme no peito. Apesar de premiado no concurso, ele se diz frustrado de não ter executado a obra. Na época, a Prefeitura concentrou investimentos na construção do Paço Municipal, e abandonou o projeto.

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