FREIO DO CRESCIMENTO

Taxa de juros do país atingiu patamar ‘irreal’, diz Cervone

Segundo o presidente do Ciesp, a opção por esse tipo de estratégia é equivocada e impede investimentos na expansão e modernização da indústria

Edimarcio A. Monteiro/ [email protected]
10/05/2023 às 09:41.
Atualizado em 10/05/2023 às 09:54
De acordo com Rafael Cervone, a elevada taxa de juros brasileira impede novos investimentos no país: "Isso não gera emprego, não gera renda, não gera estabilidade, não gera crescimento" (Divulgação)

De acordo com Rafael Cervone, a elevada taxa de juros brasileira impede novos investimentos no país: "Isso não gera emprego, não gera renda, não gera estabilidade, não gera crescimento" (Divulgação)

O presidente do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp), Rafael Cervone, criticou na terça-feira (9), em Campinas, a alta taxa de juros no Brasil por impedir investimentos de expansão e modernização do setor industrial. No dia 3 passado, o Banco Central manteve a Selic, que é a taxa básica de juros, em 13,75% ao ano, a mais alta do mundo, pelo nono mês seguido, e divulgou que "não hesitará em retomar o ciclo de ajuste caso o processo de desinflação não transcorra como esperado". "Os juros têm que cair. Nós estamos em uma plataforma irreal de juros, sem dúvida nenhuma", disse Cervone, ao proferir a palestra "Macrotendências Mundiais até 2040".

Para o presidente do Ciesp, todos os países latinoamericanos que adotam a política de responsabilidade fiscal têm inflações maiores e juros menores do que o brasileiro e "sobrevivem tranquilamente". Ele citou que a economia do Brasil cresceu 2,2% na década 2012-2022, índice superior apenas ao 1,8% da Argentina. Cervone lembrou que, no mesmo período, o Uruguai cresceu 25%; Peru, 35%; México, 30%; e Paraguai, 36%. "Nós temos que seguir esse caminho. Nenhum país do mundo subiu, em menos de um ano, a taxa de juros de 2% para 13,75%. Isso é uma irrealidade", criticou.

O dirigente do Ciesp aponta que atual política de juros leva as empresas e os consumidores à inadimplência, reduz o consumo e inviabiliza os investimentos. Em abril, o país atingiu o recorde de 6,5 milhões de empresas com contas em atraso, com o montante da dívida somando R$ 112, 9 bilhões, enquanto este mês a inadimplência das pessoas físicas chegou a 44,3% da população acima dos 18 anos. Para o empresário, esse número recorde traduz a forma equivocada como a questão vem sendo tratada. "Isso não tem nada a ver com responsabilidade fiscal, de controle da inflação, que está caindo", analisou.

Segundo Cervone, o quadro nacional somente é atrativo para se investir no mercado financeiro, lembrado que um dos maiores bancos do país anunciou na terça-feira um lucro líquido de R$ 4,28 bilhões no primeiro trimestre deste ano. "Isso não gera emprego, não gera renda, não gera estabilidade, não gera crescimento", reforçou o presidente do Ciesp.

Na palestra que ministrou em Campinas, o presidente do Ciesp destacou a importância das indústrias se modernizarem para atender o cliente do futuro (Rodrigo Zanotto)

Na palestra que ministrou em Campinas, o presidente do Ciesp destacou a importância das indústrias se modernizarem para atender o cliente do futuro (Rodrigo Zanotto)

PALESTRA

O representante das indústrias ressaltou que o setor precisa ter condições para investir e se preparar para os desafios e transformações do futuro. Ao falar para um público formado por empresários e executivos da região, ele traçou um panorama sobre as macrotendências mundiais para os próximos 17 anos, um compilado de informações criado com o auxílio da inteligência artificial e algoritmos com base em 300 bancos de dados disponíveis ao Ciesp e a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).

Para o líder empresarial, essas informações "são ouro" por apontarem tendências que afetarão a economia e a sociedade, indicarem oportunidades de negócios, orientarem investimentos produtivos e anteciparem as necessidades dos consumidores. Cervone lembrou que a Fiesp, da qual é o 1º vice-presidente, já realiza reunião setorial com a indústria automobilística para discutir o futuro do carro elétrico no Brasil. Para o dirigente, o ideal no país é o investimento no carro híbrido (tem motores a combustão e elétrico) por já dispor de matrizes energéticas limpas e renováveis, como o etanol de 2ª geração e o biodiesel. 

O setor automobilístico representa um dos principais segmentos da indústria de transformação no Estado, com participação em torno de 10% do valor de transformação industrial (VTI). São Paulo é o maior produtor nacional de veículos, com participação de 40% do total nacional, ou seja, de cada três carros vendidos, um saiu de indústrias paulista, com o setor de autopeças tendo uma forte participação na economia da região de Campinas.

O primeiro carro híbrido nacional foi produzido em Indaiatuba, que exporta o modelo para o mercado latinoamericano. Essa unidade de uma multinacional japonesa recebe agora um investimento de R$ 50 milhões para a renovação do ciclo de vida do carro, que deve chegar ao mercado brasileiro no próximo ano.

A empresa anunciou no mês passado um investimento de R$ 1,7 bilhão no lançamento de seu terceiro modelo híbrido nacional, que será um compacto produzido em Sorocaba e vendido, a partir de 2024, em 22 países da América Latina. "É uma solução sustentável, que gera empregos e desenvolvimento econômico. Somos pioneiros na tecnologia híbrido flex e na busca contínua de tornar a mobilidade mais limpa e eficiente", afirmou o presidente da montadora no Brasil, Rafael Chang.

Na Região Administrativa de Campinas, será produzida também a primeira picape híbrida flex nacional. O lançamento, programado para maio de 2024, faz parte de um investimento de R$ 4 bilhões até 2025 que uma fabricante chinesa está fazendo em sua nova planta em Iracemápolis, o que criará 2 mil empregos diretos. Um segundo ciclo de investimento de R$ 6 bilhões está previsto para o período de 2026 a 2032. A cidade será a maior base de produção da montadora fora da China.

"O Brasil é definitivamente nosso pilar estratégico para fazer acontecer a nossa meta para 2025", afirmou o chief Operating Officer (COO) da companhia no país, Koma Li. A empresa produzirá no país uma linha de SUVs e picapes híbridas e elétricas. 

OUTROS SETORES

"Essas são reflexões para as nossas empresas e nossas vidas, porque temos que estar preparados para as novas tecnologias que chegam todos os dias", disse o diretor-regional do Ciesp Campinas, José Henrique Toledo Corrêa. Durante a palestra, Cervone lembrou que a pandemia de covid-19 fez crescer no Brasil o e-commerce e as empresas que já atuavam com comércio online enfrentaram melhor a crise econômica gerada pela doença, que levou ao isolamento social.

De acordo com ele, o próximo desafio do setor é a indústria 4.0, com a digitalização, modernização e mudança do modelo produtivo baseado na internet 5G, mais rápida e eficiente. Para preparar as empresas para essa nova realidade, a Ciesp promove a Jornada de Transformação Digital, que oferece consultoria e treinamento gratuito para micros, pequenas e médias empresas com faturamento anual de até R$ 8 milhões. Em um ano, cerca de 10 mil indústrias aderiram ao programa, que tem a meta de chegar a 40 mil até 2026, das quais 5 mil na região.

O levantamento sobre as macrotendências abordam nove áreas: saúde, alimentos, energia, infraestrutura, urbanização, perfil do consumidor, trabalho e qualificação, segurança, entretenimento e turismo. Cervone destacou que os dados copilados apontam que nos próximos 17 anos o Produto Interno Bruto (PIB) mundial crescerá 70% e chegará a US$ 233 trilhões, enquanto a renda per capta aumentará 40% e atingirá US$ 25.325 (R$ 126,25 mil). Esses indicadores subirão puxados principalmente pelo Leste e Sul da Ásia e África Subsaariana.

Para o presidente do Ciesp, as empresas têm de levar esses dados em consideração ao definirem investimento e expansão dos negócios. Ele disse ainda que está confirmado o envelhecimento da população, o que levará ao aumento do home care, telemedicina e doenças crônicas, o que exigirá mudanças dos setores de serviços e indústrias para atender esse segmento.

Cervone, que é de Santa Bárbara d´Oeste e atua na área de tecelagem, aponta que nesse segmento o futuro passará pelo fim das duas coleções anuais, primavera/verão e outono/inverno. Na escola do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) Franscico Matarazzo, em São Paulo, acrescentou, há um protótipo onde a pessoa escolhe a roupa, a padronagem e a recebe pronta em 16 minutos, sem nenhuma interferência humana, nem na costura das peças.

De acordo com ele, essa é a perspectiva de futuro da indústria de roupas, onde o cliente fará suas opções e receberá o produto pronto em 2 horas. Para isso, explicou, as empresas do setor terão de mudar o modelo de negócios e pensar em unidades de produção para atender as exigências do futuro consumidor.

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