Entidade teria desviado recursos destinados à unidades de saúde
Movimentação diante da UPA Macarenko, na região central de Sumaré, que foi administrada pela Pró-Saúde (Cedoc/RAC)
Uma entidade com objetivos filantrópicos, fundada dentro da Igreja Católica há cinco décadas, está no centro de uma série de escândalos milionários em prefeituras brasileiras. Na Região Metropolitana de Campinas (RMC), a Pró-Saúde, associação beneficente autorizada a atuar como organização social (OS), esteve por quase três anos à frente da administração de duas importantes unidades de atendimento ao público de Sumaré: a UPA Macarenko, na região central; e o PA do Matão. Mas a instituição passou a ser investigada, no município, por crimes como a contratação irregular de médicos e o repasse indevido de recursos a parceiros. Uma Comissão Especial de Inquérito (CEI) chegou a ser formada em fevereiro do ano passado, dentro da Câmara Municipal sumareense, e concluiu que a empresa causou um prejuízo de R$ 40 milhões aos cofres públicos, por conta do desvio das finalidades previstas no contrato firmado ainda em 2014 com a Prefeitura. A CEI, no caso, foi encerrada em dezembro, e suas conclusões foram informadas ao Ministério Público (MP), A Pró-Saúde nega as irregularidades que constam nas denúncias formuladas pela CEI (leia texto nesta página). O inquérito está em andamento. O vereador Décio Marmirolli (PSDB), que presidiu a CEI, lembra que a OS foi contratada para administrar as duas unidades estratégicas, mas acabou fazendo contratações irregulares de médicos que passaram a atuar em ambulatórios de especialidades, por exemplo, o que não fazia parte de suas atribuições legais. Além disso, a Pró-Saúde teria “terceirado” as contratações, usando os recursos públicos para pagar comissão a empresas que indicavam os especialistas. O próprio Tribunal de Contas, diz o vereador, constatou as práticas irregulares e o desrespeito aos termos contratuais. “Ao longo de todo o ano de 2017, a Pró-Saúde não atendeu às convocações da Casa de Leis para se explicar sobre as supostas irregularidades. Nenhum representante da empresa compareceu às sessões”, afirma o vereador. Mas a OS, hoje, se manifesta e nega todas as denúncias formuladas pela CEI. “Colapso” A formação da CEI foi motivada, ainda no final de 2016, por episódios que fizeram a saúde pública sumareense mergulhar em uma crise profunda. Alegando que tinha R$ 13 milhões a receber da Prefeitura, a Pró Saúde deixou de pagar servidores e de abastecer os estoques com materiais e equipamentos. Os médicos entraram em greve. Desapareceram da UPA e do PA insumos básicos de atendimento: luvas, máscaras, agulhas, soro fisiológico, fios de sutura, água destilada. Também não havia antibióticos, anestésicos, analgésicos. Diante do quadro, o governo atual, ainda em janeiro do ano passado, determinou a intervenção no setor e assumiu investimentos na reestruturação das duas unidades de saúde. O prefeito Luiz Dalben (PPS) explica que a medida foi necessária para que se pudesse evitar o colapso na saúde pública. A greve dos médicos, lembra, já entrava no terceiro mês, e a Prefeitura precisava recompor os estoques de materiais, insumos e medicamentos. Hoje, toda a rede pública de saúde é gerenciada pela Prefeitura de Sumaré, enquanto que as duas unidades de prontoatendimento que eram administradas pela Pró-Saúde (Macarenko e Matão) agora são gerenciadas por outra organização social, a ISSRV. Mas o conflito entre as partes não acabou. A cobrança judicial da suposta dívida pública da Prefeitura com a OS (que fez eclodir a crise em 2016) ainda corre na Justiça. Pelo Brasil Já houve irregularidades administrativas supostamente praticadas pela mesma entidade em outros municípios brasileiros, que também se tornaram objeto de apuração. A associação, no caso, passou a ser investigada por má-gestão, falta de prestação de contas do que arrecada e investe, emissão de notas frias, superfaturamento de serviços e descumprimento de contratos firmados com o poder público. No caso do Interior paulista, aconteceram denúncias em cidades como Cubatão e Catanduva. Pró-Saúde controla 16 mil profissionais em todo o País A Pró-Saúde é uma das maiores entidades de gestão de serviços de saúde e administração hospitalar do País. Tem sob sua responsabilidade 2,5 mil leitos e cerca de 16 mil profissionais, no Brasil todo. A OS oferece consultoria, planejamento estratégico, capacitação profissional, diagnósticos hospitalares e de saúde pública. A atuação da Pró-Saúde, segundo os dirigentes, é alicerçada “na vasta experiência católica de trabalho social”, e acontece nas unidades de saúde, UPAs, Samu, creches e abrigos de idosos. A entidade nasceu em 1967, com o trabalho de gestão hospitalar no município de João Monlevade (MG); O padre Niversindo Antônio Cherubin foi seu primeiro presidente. Entidade diz ter respeitado contrato Atendendo a pedido da reportagem do Correio, a direção Pró-Saúde informou ontem que todos os serviços prestados em Sumaré estavam de acordo com as cláusulas contratuais, e que as prestações de contas foram aprovadas por entidades fiscalizadoras e pela própria Prefeitura. A OS explica que o encerramento do contrato, em abril de 2007, foi uma decisão da própria entidade que, amparada judicialmente, cobrava o pagamento dos R$ 13 milhões devidos pela Prefeitura, e que continuam sendo cobrados por vias legais. “Negar a dívida da Prefeitura de Sumaré com a Pró-Saúde não corresponde com a verdade dos fatos”, informa a nota. Reafirmando o que já havia manifestado no encerramento da CEI, a Pró-Saúde informa que não faz parte de nenhum grupo econômico. Também nega, veementemente, ter qualquer associação com outras entidades. “São descabidas as acusações de má gestão, pois os problemas enfrentados pela instituição em algumas unidades, ao longo dos 50 anos de sua atuação, são consequências da falta de transferência de recursos contratuais, por parte do poder público, para o custeio das unidades de saúde”, conclui o documento.