Pedidos de captação superam a capacidade dos reservatórios em tempos de seca às vésperas da renovação da outorga do Sistema Cantareira
Rio Atibaia, que abastece Campinas; vazão é regulada pelo envio de água do Sistema Cantareira (Elcio Alves/ AAN)
Às vésperas da renovação da outorga do Sistema Cantareira, as cidades da região de Campinas e a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), que faz o abastecimento da Grande São Paulo, travam uma batalha para conseguirem mais água. No ofício enviado à Agência Nacional das Águas (ANA) e Departamento de Águas e Energia Elétrica (Daee), a Sabesp quer 31m3/s, o mesmo que já recebe atualmente. Já o Consórcio das Bacias dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ) informou que deve pedir o aumento da vazão média recebida de 5m3/s para 10m3/s. Ocorre que o Cantareira tem capacidade para liberar 36m<MD+>3/s em situações normais. A conta não fecha. O impasse é criticado por especialistas. Eles acreditam que, em tempos de crise hídrica e incerteza de abastecimento futuro, o Estado deveria propor uma outorga provisória, de dois ou três anos. Para eles, a outorga regular, que dura dez anos, deveria ser assinada depois que os mananciais estivessem em situação mais estável e a ANA soubesse a quantidade real de água que poderia ser liberada às cidades. O Cantareira já abasteceu 9 milhões de pessoas, mas hoje tem capacidade para apenas 5,4 milhões.A outorga autorizando a Sabesp e o PCJ a utilizarem os recursos hídricos do sistema terminaria em agosto de 2014, mas, por causa da crise hídrica, a ANA publicou resolução prorrogando o prazo para outubro deste ano. O texto estabeleceu que os dados hidrológicos (vazões e chuvas) verificados no ano passado deveriam ser considerados nos estudos que foram apresentados junto ao requerimento de renovação da outorga.E a situação das cidades pode estar ainda pior. Um estudo feito pelo especialista em recursos hídricos da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Antônio Carlos Zuffo, detectou que o Cantareira não consegue mais regularizar a vazão de 36m3/s, volume que serviu de base para a partilha de água definida em 2004, mas somente cerca de 34,4m3/s. A conclusão tem como base análises feitas em um período de 40 anos nos reservatórios. A gerente técnica do PCJ, Andréa Borges, afirmou que as 14 câmaras técnicas que compõem o Consórcio ainda não fecharam a vazão que será pedida, mas é provável que fique em 10m3/s. Essa é a quantidade pleiteada pela Câmara de Monitoramento Hidrológico. “São várias câmaras e é uma árdua tarefa transformar todas as propostas em um documento único”, falou. A quantidade grande de câmaras e entidades envolvidas na elaboração do requerimento de outorga fez o Consórcio mudar duas vezes de posicionamento em relação à vazão desde outubro do ano passado. No início da discussão, o PCJ queria vazão entre 12 e 14m3/s. Depois, chegou-se à conclusão de que seria melhor pedir uma vazão progressiva: nos primeiros anos, a quantidade de água liberada à bacia seria de 8m3/s, valor que iria aumentando até chegar a 14m<MD+>3/s em dez anos.ReservaMas, agora, as câmaras chegaram em uma proposta diferente. A ideia é pedir uma média 10m3/s. O que não fosse utilizado serviria como “banco de água” para as cidades da região recorrerem em momentos de crise. “O PCJ teria créditos. Quando os rios estivessem cheios e a gente precisasse de apenas 1m3/s, por exemplo, poderíamos usar esses 9m3/s futuramente, na estiagem. Então ficariam os 10m3/s mais 9m3/s”, explicou Andréa. A gerente disse, entretanto, que o uso seria feito de forma racional e que o PCJ e a Capital deveriam fazer um “pacto” para uso racional do Cantareira.Entre os argumentos utilizados por Andréa para explicar a vazão pedida estão o crescimento populacional e a industrialização da região de Campinas na última década. Andréa afirmou que os municípios abastecidos pelo PCJ tiveram que resistir no ano passado meses com a qualidade de água baixa, devido à diferença entre as vazões do Consórcio e da Sabesp. Andréa sustenta ainda que a Capital tem outras fontes de abastecimento, como os sistemas Alto Tietê e Guarapiranga. Futuramente, a Sabesp vai ter disponível também parte da água do Rio Paraíba do Sul, com a transposição de parte do manancial para o Sistema Cantareira.“Além disso, esperamos a construção das barragens de Amparo e Pedreira. Elas, teoricamente, seriam para abastecer a nossa região. Mas não temos certeza disso.” A previsão é que os reservatórios, com capacidade de armazenar 67 milhões de metros cúbicos de água, fiquem prontos em 2018.O Correio procurou a direção da Sabesp para comentar o pedido de outorga, mas a empresa informou apenas que entregou o requerimento e que não iria se posicionar sobre o assunto.Especialistas dizem que contrato deve ser temporárioEspecialistas em recursos hídricos consultados pelo Correio foram categóricos ao dizer que Estado, Sabesp e Consórcio PCJ deveriam fazer uma outorga temporária e se concentrarem nas construções de novas barragens, além de desenvolverem tecnologias para reduzir as perdas de água nos sistemas existentes. O professor de engenharia hídrica da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Francisco José de Toledo Piza, afirmou que a outorga provisória deveria ser de dois a três anos. “Somente para a situação mais aguda de crise passar. O ideal seria que elas fossem construídas depois que os novos reservatórios prometidos por Estado e municípios estiverem prontos e os sistemas estabilizassem, para fazer uma divisão real da água. E não de vazões que tínhamos há cinco ou dez anos”, explicou.Piza disse ainda que as entidades deveriam trabalhar de forma mais eficaz no controle da demanda por água, criando restrições tanto na Capital quanto nas cidades do Interior. Para o especialista, o ideal seria que Sabesp e PCJ trabalhassem em parceria na divisão de todos os recursos hídricos disponíveis, e não brigarem para ter mais água nos locais que abastecem. “Por exemplo, se faltasse no Cantareira e sobrasse no Alto Tietê, essa sobra poderia ser dividida. Precisamos de planos que pensem a longo prazo.”O engenheiro civil e ex-diretor de planejamento do DAEE, Júlio Cerqueira Cesar Neto, afirmou que “não há propósito em se discutir a outorga agora”. O engenheiro sustenta que o Cantareira não tem mais 36m3/s de vazão e pode nunca mais chegar a alcançar essa marca. Cesar lembrou ainda que a Sabesp se comprometeu há 10 anos, quando a outorga antiga foi feita, a substituir aos poucos o Sistema Cantareira por novos reservatórios. “Mas não foi o que ocorreu. Não existe lealdade da Sabesp nessa negociação. O Cantareira está com suas bacias completamente desmatadas e não aguenta o que está sendo pedido.”